Notícias, negócios e propostas de regulação em todo o mundo envolvendo o novo universo da criptoeconomia são cada vez mais frequentes na mídia e, também, no ambiente corporativo. Mas o fato de nossos ouvidos estarem cada vez mais familiarizados com termos como Bitcoin, stablecoins, blockchain, ledger, exchanges e muitos outros, não quer dizer que quem escuta tem algum grau de conhecimento sobre o funcionamento de cada um desses elementos e como eles (e tantos outros) se conectam nesse novo ecossistema que se propõe a “operar” de forma descentralizada, mas amarrada em vários “nós” que podem estar localizados em diferentes pontos do mundo, o que tem feito reguladores de todo o mundo quebrarem a cabeça para tentar entender como regular esse novo segmento da economia. No texto a seguir, buscamos explicar para o leitor o funcionamento de alguns dos principais mecanismos que movem a criptoeconomia.
Blockchain
O blockchain é uma rede pública de registro de transações de transferência de valores, em que todos os participantes são iguais e todos auditam as contas de todos os outros automaticamente. A conjunção dos termos “block” e “chain” deriva do fato que as transações ficam organizadas em blocos, que, por sua vez, são conectados entre si, como, a título de exemplo, os blocos numéricos em um boleto bancário. O blockchain faz parte da nova internet, a “internet dos valores”.
O marco inicial para o surgimento do blockchain tem a ver com a criptomoeda Bitcoin, a partir da publicação do artigo intitulado “a peer-to-peer electronic cash system”, publicado em 2008, por um programador não identificado, conhecido apenas pelo nome (ou pseudônimo) de Satoshi Nakamoto.
O Bitcoin foi a primeira criptomoeda que nasceu no ambiente pós-crise financeira global de 2007-2008, e teve como objetivo propiciar tanto a troca de valores entre pessoas naturais, sem a intermediação de terceiros, quanto permitir a efetivação de pagamentos também sem a intermediação de qualquer autoridade central. Essa descentralização das relações é reflexo do que seria uma nova Ética, como aponta o autor britânico Jamie Susskind no seu best seller “Future Politics: Living Together in a World Transformed by Tech”; e de uma nova Democracia – como defende o renomado jurista norte-americano Richard A. Posner -,ambas nascidas da Era digital.
Os usuários de Bitcoins possuem chaves que permitem provar a propriedade e as transações dos seus criptoativos, colocando assim o controle totalmente nas mãos de cada usuário. Dessa forma, a transferência de valores se dá pela transferência de propriedade. O protocolo do Bitcoin está disponível como código aberto, de livre acesso. A criptomoeda introduziu uma nova arquitetura, onde a confiança é garantida de forma descentralizada baseada em consenso, o blockchain.
Independentemente da criptomoeda que lhe deu origem, o blockchain abre o caminho para novos modelos de negócios e inovações nos mais variados setores da economia. Isso porque a rede também pode ser utilizada em outras aplicações, como no registro de imóveis, na certificação de documentos, substituição de softwares de logística integrada etc.
O blockchain é dividido em “blocos” que são análogos às páginas de um livro contábil. Cada bloco possui dígitos verificadores, ou hash, que tornam possível detectar adulterações, como se fosse uma marca d’água. Os blocos incorporam ainda os dígitos verificadores da página anterior, criando um “elo” ou “cadeia” que permite ter certeza de que todas as páginas do livro contábil não foram adulteradas. Assim, qualquer participante do sistema pode conferir todas as contas e determinar que o registro é íntegro e que não houve fraudes ou falsificações.
No Brasil, a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) alterou, em 2017, sua Resolução CNSP nº 294, de 2013, para admitir que as apólices de seguro e de certificados individuais pudessem ser emitidas virtualmente, desde que por meio de infraestrutura de chaves públicas, Public Key Infrastructure – PKY, a qual o blockchain se refere, como se verá a seguir.
O blockchain surgiu da combinação de três tecnologias já existentes: a criptografia de chave privada (PKY), uma rede distribuída P2P (peer-to-peer distributed network), e do mecanismo de consenso. A interação entre esses elementos tecnológicos deu origem à matriz operacional que possibilita a validação de registros sem a necessidade de uma autoridade central, com a infraestrutura de chaves públicas brasileira, o ICP-Brasil. No centro dessa matriz estão os “ledgers”, que funcionam como “livro-razão”, um “diário” que mantém o histórico de todas as “operações”, “transações” ou um conjunto de saldos de uma “conta” vinculada à uma determinada criptomoeda. (Ver gráfico na página ao lado).
O blockchain pode ser entendido como uma espécie de “livro-razão”, distribuído que mantêm o histórico de todas as operações/transações, o qual é único e replicado por todos os participantes do sistema, isto é, todas as transações do sistema estão replicadas em centenas de “nós” (que pode se entendido como uma “amarração” entre os participantes da rede), distribuídos geograficamente em diversas partes do planeta. Desta forma, a indisponibilidade de um nó ou vários deles, não compromete a integridade dos dados do sistema.
As transações no blockchain, por sua vez, são agrupadas em blocos no qual cada bloco faz referência a um bloco anterior. Os novos blocos criados são replicados para todos os participantes da rede, mantendo-os atualizados e mutuamente auditados. Esta forma de registrar as informações permite que uma transação seja imutável em seu conteúdo ou forma, visto que para alterar uma informação seria necessário alterar todos os blocos subsequentes, o que é computacionalmente extremamente caro, quando não impossível.
A confiança e a segurança são alcançadas pela arquitetura descentralizada do sistema, graças à combinação do mecanismo de consenso e a utilização de criptografia. Na prática, o que temos são novos conceitos para os carimbos e papéis em um cartório de registro públicos, por exemplo.
A conferência e a validação das transações são realizadas de forma independente, por cada um dos participantes da rede, ou “nós”, por meio de um mecanismo de “consenso” descentralizado, ou forma de verificação das informações pela própria rede. O mecanismo de consenso pode ser entendido como o processo por meio do qual os ‘nós’ em uma rede concordam com um estado comum do ledger. Esse processo geralmente depende de ferramentas criptográficas, um conjunto de regras ou procedimentos refletidos no protocolo e incentivos econômicos (aplicáveis a qualquer configuração de rede) ou arranjos de governança”. A obtenção do consenso costuma envolver dois passos, o da validação, quando os validadores vão olhar para as regras do acordo – se os ativos estão disponíveis e autorizados para troca entre o originador e o beneficiário -, e cada validador precisa analisar e confiar no registro de estados anteriores. Na segunda etapa, os “nós” concordam com as atualizações realizadas no ledger. Esse estágio do processo de consenso envolve mecanismos ou algoritmos que resolvem alterações conflitantes no registro. O principal desafio é garantir que alterações válidas sejam feitas uma única vez, garantindo que as alterações sejam sincronizadas por todos aqueles que acessam o “livro-razão”.
O consenso descentralizado pode ser resumido em três passos. O primeiro é a verificação das transações, no qual cada “nó” avalia de forma independente cada transação. O segundo passo é o da criação dos blocos, quando cada “nó” (mining node) agrega as transações em blocos juntamente com sua verificação computacional por meio de um algoritmo de proof-of-work. Por fim, o terceiro passo é o da verificação dos blocos, no qual todos os “nós” verificam um novo bloco gerado e o incluem no blockchain, dando por finalizada aquela “rodada” de verificação por consenso. Em resumo, cada nó processa cada transação e, pela rede, chega a suas próprias conclusões e, depois disso, há uma deliberação em que se “vota” acerca do “consenso”.
Cada “nó” exercerá diferentes papéis técnicos (que não são necessariamente excludentes entre si) diante do fluxo necessário para se atingir o “consenso” da rede. Um desses papéis é o de ser o administrador do sistema, no qual uma pessoa na rede (um nó) assume a função de vigilante que controla o acesso ao sistema e fornece certos serviços para o arranjo, inclusive funções notariais, de resolução de disputas, nivelamento de configuração e reportes regulatórios. Outro papel importante é o de emissor de ativos, no qual o “nó” é autorizado a emitir novos ativos, como criptomoedas, por exemplo. O proponente é o “nó” autorizado a propor atualizações no registro; o validador é quem confirma a validade das mudanças de estado propostas; e, por fim, o auditor, o “nó” que representa a última linha de defesa e está autorizado a analisar o registro, mas não a fazer atualizações.
Via de regra, os “nós” podem variar em sua habilidade de analisar as gravações feitas no registro e, principalmente, no que diz respeito às permissões que possuem diante de cada registro. É possível que um “nó” possua autorização da rede para apenas analisar operações em que é uma das contrapartes, mesmo que ele guarde cópia completa do registro criptografado.
Uma vez que se obtenha o necessário “consenso”, o sistema é atualizado, todos os “nós” incorporam o bloco recém aprovado e a transação será operacionalizada. Cite-se o exemplo de transação que o Bank for International Settlements (BIS), espécie de Banco Central do bancos centrais, utilizou para explicar este processo. Neste exemplo, a transação envolve os três passos descritos acima:
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