Como a cultura de gentileza e compaixão pode fortalecer os programas de conformidade e o engajamento dos colaboradores
À medida em que o Burnout se torna mais prevalente, a queda de engajamento se intensifica e a rotatividade de funcionários se alarga, tem crescido o desafiador anseio de que as organizações possuam um ambiente de trabalho que promova satisfação e a retenção dos colaboradores. Exemplo disso é constatação de que 60% dos funcionários indicaram não sentir disposição para trabalhar e 80% dos trabalhadores se sentem esgotados¹.
Adicionando mais um tempero nesta refeição indigesta, não é novidade que o Brasil também tem enfrentado um processo de “Demissão Silenciosa”. Um dos motivos para adotar este processo seria a completa insatisfação do trabalhador, derivada de uma jornada exaustiva de trabalho, aliado a dificuldade em lidar com os cenários de perda financeira ao se pedir demissão. Esta expressão está associada ao momento em que o funcionário não está saindo deliberadamente do seu emprego, mas está abandonando a ideia de ir além das expectativas. Segundo pesquisa, os Quiet Quitters são, em sua maioria, assistentes ou analistas (54%), tendo, um terço deles, entre 25 e 34 anos². Isto é, não se trata de uma questão meramente geracional daqueles que acabam de ingressar no mercado, mas de uma tendência seguida também por profissionais que já se encontram no ambiente profissional.
Embora a remuneração e os benefícios sejam uma parte importante nesta agenda, a fonte de lealdade a uma organização tem se relacionado a algo mais profundo, conectado com os valores da companhia e um senso de comunidade e de pertencimento³. Esses são alguns dos elementos que compõe a Felicidade Organizacional, um conceito que tem ganhado relevância e que pode trazer benefícios não apenas para o bem-estar dos colaboradores, mas também para os resultados financeiros de uma empresa, conforme comprovou uma pesquisa divulgada pela Universidade de Oxford demonstrando que trabalhadores felizes são 13% mais produtivos.⁴
Organizações que investem em práticas que promovem o bem-estar e satisfação de seus colaboradores têm se destacado no mercado, seja porque geram uma cultura positiva, mas, adicionalmente, porque podem provocar uma maior retenção de talentos, e, consequentemente, melhores resultados financeiros, como mencionado acima.
O papel do profissional de Compliance pode ser fundamental para contribuir para a Felicidade Organizacional. Sabe-se que o Compliance tem como alguns de seus objetivos contribuir para que a empresa atue de forma ética, íntegra e em conformidade com as leis e regulamentos. Isso significa que o Compliance deveria suportar a criação e manutenção de uma cultura de integridade, onde os valores e o propósito de uma organização fossem refletidos, e, por consequência, estimulando os colaboradores a agirem de forma correta e responsável. Isto posto, uma cultura de integridade pode aumentar a confiança, o respeito e a colaboração entre os funcionários, além de suportar na prevenção e mitigação de riscos de fraudes, corrupção e outros desvios de conduta.
Entretanto, ainda que existam debates sobre ser teoricamente plausível que a Felicidade Organizacional faça parte dos propósitos e valores de uma empresa, como sua abordagem estratégica pode ser um importante aliado na abordagem estratégica da gestão de Compliance? Além disso, será que os profissionais de compliance também terão que se adaptar à estas novas expectativas dos funcionários e da sociedade?
Artigos tem apontado que cada vez mais os funcionários buscam não somente um bom salário e uma boa posição na empresa, mas a sua busca também é por propósito e por companhias que tenham integridade. Segundo o The Guardian, os millenials querem trabalhar para empregadores que estão comprometidos com valores e ética.⁵ Adicionalmente, a Forbes denotou que os empregados esperam que as empresas sejam mais sustentáveis⁶ e buscam por organizações éticas⁷. Por derradeiro, indica uma pesquisa da IBM que os funcionários estariam mais propensos em aceitar oportunidades de empresas sustentáveis.⁸
Neste panorama contemporâneo, a Felicidade Organizacional alcança espaço, e, especialmente desde o surgimento da pandemia, conceitos como a Compaixão e a Gentileza tem sido cada vez mais debatidos.
Segundo artigo publicado pela Harvard Business Review, Compaixão seria um componente vital para a liderança efetiva. Além disso, este mesmo texto aponta ainda que mostrar maior Compaixão está associado a uma menor incidência de episódios de Burnout⁹. Ou seja, a Compaixão pode ter efeitos benéficos não apenas para o receptor da Compaixão, mas também para quem a pratica.
Já a Gentileza (ou Kindness em inglês) pode se referir a uma demonstração de empatia e o ato de agir para o bem de todos. Vai um passo além do que ser agradável e simplesmente fazer o bem. Segundo comenta Hanley-Dafoe, os benefícios da Gentileza podem ser verificados em vários níveis, como no aumento de produção de hormônios do bem-estar, mas, também, podem auxiliar na felicidade do outro¹⁰. Ademais, em estudo realizado pela Kindness.org com o intuito de investigar a ligação entre gentileza e satisfação dos funcionários, sugere-se que a Gentileza no trabalho é um melhor preditor de felicidade do que a renda.¹¹
Sob a ótica dos profissionais de Compliance, Bettina Palazzo alega que a ética nos negócios faz as pessoas felizes¹². Um dos argumentos para isto seria bastante claro: ninguém está feliz e satisfeito em trabalhar em um ambiente corrupto. Em adição, a maioria das pessoas simplesmente se sente melhor e mais feliz se também tiver a sensação de fazer algo significativo no trabalho e estar em harmonia com seus valores pessoais.
Palazzo vai além e apresenta que, em primeiro lugar, o Chief Compliance Officer deveria se aproximar cada vez mais de um Chief Happiness Officer, função esta que se tornou gradativamente mais recorrente no mercado de trabalho. De acordo com Morris em artigo para a Nasdaq, já são mais de 4.000 empresas com esta posição em suas folhas de pagamento¹³. Esta função varia de companhia para companhia. Entretanto, o que parece é que o objetivo final parece se encontrar: fazer com que os funcionários saibam que são apoiados e cuidados, atuando em conjunto e fazendo-os se sentir parte de uma equipe.
Ainda que este seja um aspecto ao menos interessante sobre o papel do CCO, é sabido que nem todos os que atuam em Compliance conseguirão se tornar Chief Happiness Officers por diversos motivos. No entanto, deixar os colaboradores sem apoio em seus desafios éticos pode causar um danoso silêncio organizacional. De chefes agressivos que se utilizam de assédio moral e/ou sexual em suas práticas, até à conflito de interesses, e fraudes em despesas ou procedimentos, tais situações podem favorecer um terreno fértil para o próximo escândalo corporativo.
Diante disto, para que os profissionais de Compliance possam exercer um papel ainda mais estratégico e efetivo, será exigido que se adaptem às novas demandas, sejam elas geracionais ou mercadológicas. Caso estes profissionais entendam que a aplicação da Felicidade Organizacional é uma pauta relevante, existem algumas sugestões de sua implementação:
- Revisar o código de conduta e as políticas para incorporar linguagens e princípios de Gentileza e Compaixão, tornando-os mais claros, positivos e inspiradores. Um ótimo exemplo disto é o da empresa Snap Inc. (a empresa por trás da rede social Snapchat), que criou um “guia para negócios gentis”, dividindo-o em cinco seções: (i) seja gentil uns com os outros; (ii) seja gentil com nossa comunidade; (iii) seja gentil com nossos parceiros; (iv) seja gentil com os investidores; e (v) seja gentil com nosso mundo. Por estes esforços, a Snap foi reconhecida como Programa de Compliance do ano no Compliance Week’s “Excellence in Compliance Awards”.¹⁴
- Desenvolver treinamentos e comunicações que promovam a Gentileza e a Compaixão no ambiente de trabalho, abordando temas como respeito mútuo, comunicação não-violenta, diversidade e inclusão, saúde mental e bem-estar. Esses treinamentos e comunicações podem ser interativos, lúdicos e envolventes, para gerar maior engajamento e aprendizado dos colaboradores.
- Reconhecer e valorizar os comportamentos gentis e de integridade dos colaboradores, criando mecanismos de feedback, premiação e celebração. Esses mecanismos podem ser formais ou informais, individuais ou coletivos, e devem estimular o reconhecimento mútuo e a gratidão entre os funcionários.
- Oferecer apoio e orientação aos colaboradores que enfrentam dilemas éticos, conflitos de interesse, situações de assédio ou outras violações de conduta, mostrando empatia, escuta ativa e soluções adequadas. O Compliance deve ser visto como um parceiro e um facilitador.
- Atuar de forma colaborativa e integrada com outras áreas da empresa, buscando alinhar os objetivos e as expectativas, buscando compartilhar as melhores práticas e solucionar os problemas de forma conjunta. O Compliance deve ser um agente de mudança e de inovação.
Com um elevado número de demissões, incerteza econômica, instabilidades emocionais e tensões geopolíticas¹⁵, a Felicidade Organizacional, associado aos conceitos da Compaixão e Gentileza, vem se fazendo necessária mais do que nunca. Ao aplicá-los juntamente com uma agenda de integridade, a empresa poderá, ainda que indiretamente, se beneficiar de diversas formas, como: (i) aumentar a satisfação e a motivação dos colaboradores; (ii) reduzir o turnover e o absenteísmo; (iii) melhorar o clima organizacional e a cultura corporativa; (iv) fortalecer a reputação e imagem da empresa; (v) mitigar desvios de conduta; e (vi) gerar maior valor agregado para seus stakeholders.
Especialmente para aqueles que decidem construir e manter uma cultura de integridade corporativa, pode ser desafiador alavancar a motivação intrínseca das pessoas para participar das práticas de conformidade. Porém, é certamente gratificante. Neste sentido, a Felicidade Organizacional pode deixar de ser um conceito abstrato ou utópico, e, aliado à uma abordagem estratégica, poderá fortalecer os programas de conformidade e uma cultura de integridade. Que tal iniciar o planejamento da sua gestão de programa de Compliance colocando estes conceitos em prática neste novo ano?
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