Cada vez mais presentes nas empresas, os cientistas de dados são estratégicos para trabalhar no desenho de processos e sistemas que podem automatizar análises a partir de uma imensidão de dados
Em um mundo mais digitalizado do que nunca, o volume de dados gerados e disponíveis é assombrosamente maior a cada dia. Apenas o setor de varejo gera, em uma única hora, 40 terabytes. Essa montanha de dados tem sido usada como base para a tomada de decisões de negócios em diferentes frentes, das questões mais práticas do dia a dia até as mais estratégicas, que podem mudar totalmente os rumos do negócio.
Só que essa montanha de dados, por si só, tem valor bastante limitado, tão pouco é capaz de apontar respostas, ou ao menos caminhos, para as questões mais complexas e multifacetadas que envolvem o mundo dos negócios. Resumindo, esses dados, sem o devido tratamento e análise, de pouco servem para ajudar as empresas.
Hoje, existem muitas tecnologias capazes de minerar e analisar uma quantidade incrível de dados de diferentes natureza, incluindo áudio e vídeo, para oferecer informações mais precisas e acuradas a quem precisa tomar uma decisão de negócios ou de investimentos.
Mas também aí, a tecnologia não funciona sozinha. Existe um longo processo para fazer com que essa montanha de dados permita gerar uma resposta adequada, ou, ao menos um bom conjunto de dados, para que o tomador de decisão o faça com base em premissas mais abrangentes, sem que para isso precisar ler uma pilha de relatórios diferentes.
Profissional cada vez mais requisitado em empresas de variados portes e segmentos, o cientista de dados tem entre suas atribuições o auxílio na tomada de decisões de forma mais assertiva, a partir da sua visão analítica sobre os dados e a capacidade de fazer previsões antecipadas a respeito do que pode acontecer. Ele está apto a trabalhar com modelos preditivos, mapeando todas as variáveis envolvidas graças à interpretação de algoritmos matemáticos e desenvolve soluções inteligentes que impactam diretamente na prospecção de resultados tendo os dados como base.
Por trabalhar com esse grande universo de dados e informações, o Big Data, normalmente esses profissionais precisam reunir certas habilidades e atributos para desenvolver suas funções, como por exemplo, conhecimento de matemática e estatística, domínio de tecnologias e ferramentas como machine learning, data mining e deep learning, além de conhecimento de programação e codificação.
Os cientistas de dados têm sido requisitados em diferentes áreas das empresas. Para as equipes da Compliance, o trabalho desses especialistas pode ser um importante aliado para ajudar na criação de modelos e sistemas que podem automatizar análises a partir de dados internos e externos para atender as demandas cada vez mais amplas dos gestores de Compliance.
Ter ao seu lado um profissional que consiga compreender, capturar e estruturar esta imensidão de dados disponíveis e disponibilizá-los de uma forma estruturada é, sem dúvida, uma grande vantagem competitiva. “Estas informações podem ser utilizadas em um mapeamento de riscos, que é uma atividade importante de Compliance, identificando riscos emergentes e tendências futuras e, assim, auxiliando na implementação de medidas e controles mitigatórias”, afirma o gerente sênior de Ética e Compliance da gigante da área agrícola Bunge para a América do Sul, Massamitsu Iko.
Com o apoio dos cientistas de dados, é possível atuar de forma mais efetiva na identificação e detecção de fraudes, por meio de mecanismos de machine learning, detecção de outliers (valores atípicos) ou mesmo na análise de redes sociais num grau de amplitude e complexidade impensável para até bem pouco tempo atrás, mas viável de ser realizada tanto em termos de tempo como de custos. “A possibilidade da implementação de mecanismos de monitoramento contínuo, mais elaborados e complexos do que as ferramentas de Business Intelligence e Data Analytics que se restringem aos dados internos da organização é outro ponto fundamental”, emenda Massamitsu Iko.
Para a diretora de Compliance da fabricante de cosméticos Coty para as Américas, Juliana Rodrigues, os ganhos que a figura desse profissional traz à corporação são inúmeros. “Já trabalhai com este tipo de profissional e a maior vantagem que eu vi, na prática, foi a rastreabilidade dos efeitos de nossas políticas. Foi incrível ver mês a mês o valor de T&E (custos com viagens e suas despesas) ou G&E (presentes e entretenimento) se ajustando ao que considerávamos ideal pelo simples fato de que todos sabiam que estavam sendo monitorados pelo time de Compliance”, afirma ela, para quem ainda há certa resistência em algumas empresas em relação à presença (dos cientistas de dados). “Creio que deva ser um trabalho a ‘conta gotas’. Na minha experiência, quando começamos a mostrar os efeitos financeiros das ações implementadas, a aceitação foi cada vez melhor”, complementa a executiva.
Alinhando os valores
Os dados extraídos dos sistemas, quando parametrizados da forma correta, são uma das melhores formas para se medir a real efetividade de um programa de Compliance. E, os cientistas de dados são aliados importantes que a liderança de Compliance pode ter para ajudar a viabilizar esse processo. Por isso, esses profissionais precisam estar cientes das políticas da empresa – e a área de Compliance precisa ser muito clara nas suas demandas para eles.
Mas, isso nem sempre é tão fácil. É fundamental que a empresa disposta a contratar um cientista de dados esteja madura em relação às suas políticas e que tenha a visibilidade do que deve e não deve ser monitorado. Em outras palavras, é preciso estar preparada. “Claramente é um tipo de profissional que agrega valor ao programa e à empresa, porém contratá-lo sem ter o ‘terreno’ pronto pode ser um risco. Fazendo uma analogia, de nada adianta ter o melhor combustível para usarmos em nosso carro se esquecemos de comprar as rodas e pneus para andar por aí”, sugere Juliana.
Massamitsu Iko, da Bunge, compartilha da mesma opinião, e ressalta, ainda, que há inúmeras variáveis para a contratação de um cientista de dados, como a realidade de cada organização, do ramo de atuação, dos negócios desta empresa e até mesmo da cultura interna. Além é claro da existência de um orçamento disponível para tal. “Do ponto de vista de Compliance, ele pode trazer valiosas contribuições tanto para programas mais maduros quanto para aqueles que estão iniciando a implementação”, sugere o executivo, lembrando que para os programas de Compliance mais estruturados, todas estas tecnologias e ferramentas podem ser utilizadas para o monitoramento contínuo e na detecção de fraudes, trazendo vantagens interessantes.
Os conhecimentos técnicos dos cientistas de dados precisam ser aliados ao entendimento de análise de risco de negócios e mapeamento de processos, pois mais do que analisar dados para entender e diagnosticar o que e por que determinada situação ocorre, ele precisará olhar para o futuro e mostrar o que poderá acontecer, atuando junto com a área de Compliance para entender depois, como se prevenir, ou mesmo, anular o problema na raiz.
Porém, para a grande maioria das empresas aqui no Brasil, esta realidade da ciência de dados ainda é distante. “Um bom exemplo é o momento atual de pandemia, em que muitas empresas sequer tinham infraestrutura adequada para oferecer home office aos empregados, imaginem então considerar ter um cientista de dados disponíveis para toda a organização”, exemplifica o gerente da Bunge. “Não existem dúvidas em relação à importância destes profissionais, no entanto como qualquer outra carreira, este profissional precisa mostrar os benefícios e as contribuições de valor que pode trazer para a organização e, desta forma, ganhar a devida importância”, complemente Massamitsu Iko.
Vale lembrar que o trabalho deste profissional traz contribuições relevantes a partir do momento em que ele possibilita a tomada de decisões mais assertivas e baseadas em dados estruturados somado ao fato de identificar novas oportunidades de negócios e tendências de mercado, ou até mesmo, aperfeiçoar produtos, serviços e processos baseados em grande quantidade de dados. Esse mesmo processo pode auxiliar a gestão de Compliance na identificação de novos riscos, ou mesmo de tendências de risco, ao oferecer uma leitura mais granular dos dados disponíveis, mas, por diferente motivos, nem sempre levados em conta.
Seja visto como peça-chave para uma vantagem competitiva para a organização ou até mesmo como uma proteção à empresa, preservando seus resultados financeiros, principalmente sob a ótica dos temas focados em detecção de fraudes e identificação de riscos emergentes, sua importância é, incontestável.
Massamitsu Iko faz, contudo, uma ressalva sobre a presença de um cientista de dados na empresa: é preciso levar em conta que existem questões sensíveis em relação à LGPD. Como o tema da ciência de dados é bem recente, quando ocorreram as primeiras discussões para a implementação da GDPR na Europa que serviram de base para a LGPD aqui no Brasil, muitos dos aspectos relativos a ciência de dados não foram levados em consideração e nem houve uma discussão profunda com estes profissionais, o que pode acarretar em algumas discussões e restrições na utilização plena de toda a gama de informação atualmente disponível.
Há outro fator a ser considerado quando falamos de cientista de dados: a escassez destes profissionais no mercado. Em 2018, por exemplo, faltavam de 140 mil a 190 mil profissionais da área para dar conta da demanda de empresas apenas nos Estados Unidos. No Brasil, não há informações oficiais sobre uma “demanda não atendida”, mas a área de ciências de dados também sofre um déficit.
Uma pesquisa feita pela Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), aponta que a demanda por profissionais de TI no Brasil (considerando todos os perfis profissionais que compõe a área) no Brasil será de 70 mil ao ano até 2024, e o cientista de dados está entre eles.
BOX – Por que um cientista de dados?
A pergunta é cada vez mais comum. Por que um cientista de dados e não um profissional de tecnologia ou alguma outra especialidade que alie a automação de processos aos dados coletados?
A explicação pode ser dada a partir do fato que o cientista de dados parte de uma visão analítica sobre os dados para fazer previsões antecipadas a respeito do que pode acontecer, mapeando todas as variáveis envolvidas.
Para isso, identifica tendências para que empresas alcancem bons resultados, interpretando algoritmos matemáticos utilizados na internet, resolvendo, assim problemas a partir da análise de dados coletados.
Dessa forma, tanto a interpretação quando o levantamento dos dados assume papel importante na tomada de decisão e prospecção de resultados. Por isso, sua atuação envolve basicamente três vertentes importantes: Matemática, Sistemas de Informação e Negócios (Finanças, Marketing e Gestão), onde variados conhecimentos atuam em consonância como, por exemplo, estatística, teoria da informação combinatória, ciência da computação, engenharia de software, finanças, marketing e gestão.
Publicado originalmente na edição 29 da revista LEC: “Um novo aliado”
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