Como a automação, o uso de dados e a inteligência artificial estão exigindo novas habilidades
O mundo mudou e o compliance mudou junto. Saímos da era dos manuais e planilhas para entrar num território em que automação, inteligência de dados e inteligência artificial deixaram de ser assunto exclusivo da TI. O profissional de compliance precisa transitar em temas que há poucos anos pareciam distantes: machine learning, data analytics, algoritmos de decisão, automatização de processos. Mais do que acompanhar tendências, é preciso desenvolver um novo tipo de olhar: técnico, multidisciplinar, analítico e estratégico.
Mas será que o compliance está acompanhando essa transformação?
Dos dados à decisão
Há alguns anos, a frase “dados são o novo petróleo” virou clichê. Mas, para o compliance, talvez os dados sejam ainda mais valiosos: são o mapa dos riscos, o termômetro da cultura, o alerta precoce de irregularidades. Em um contexto regulatório e social cada vez mais exigente, não basta ter boas intenções: é preciso comprovar efetividade. E para isso, dados são essenciais.
O desafio é que dados, por si só, não dizem nada. Eles precisam ser tratados, analisados e convertidos em informação relevante. É aí que entra o profissional de compliance com capacidade de cruzar indicadores, fazer perguntas estratégicas, identificar padrões e, a partir disso, propor ações preventivas ou corretivas.
Mais do que saber programar, o novo compliance precisa saber perguntar:
- Quais indicadores podem sinalizar uma conduta inadequada antes que ela vire uma crise?
- Como medir o impacto real de uma política ou treinamento?
- Quais dados internos podem revelar riscos ocultos ou oportunidades de melhoria?
Dominar ferramentas de visualização e análise deixou de ser diferencial para se tornar parte da atuação diária. O Excel ainda está vivo, mas outras soluções já fazem parte do vocabulário necessário para acompanhar a transformação.
Automação: quando o robô faz melhor que você
Automatizar processos deixou de ser luxo. É uma necessidade estratégica.
Controles de terceiros, background checks, cruzamento de listas restritivas, envio de lembretes, fluxos de aprovação: tudo isso pode (e deve) ser automatizado. Isso “libera” o profissional de compliance da atuação operacional para que ele possa cumprir sua real função: a de atuar como agente de transformação, influenciador de cultura e consultor para decisões estratégicas.
Claro que automatizar traz inúmeros ganhos e não é isento de riscos. É fundamental garantir que os parâmetros estejam bem definidos, que os fluxos reflitam a realidade da operação e que haja monitoramento contínuo. Ainda assim, talvez o maior risco seja mais sutil: o da complacência digital. Quando confiamos demais na automação sem um olhar crítico, corremos o risco de perder o controle real da situação.
A tecnologia executa, mas não interpreta. Automatiza, mas não contextualiza. O robô pode até ser rápido, mas quem precisa pensar, ajustar e questionar… ainda é você.
Se o sistema executa tarefas com mais rapidez e menos erros, o que sobra para o profissional de compliance?
Aqui, “sobram” a análise crítica, a visão sistêmica, a capacidade de influenciar e liderar a cultura organizacional, a sensibilidade para contextos, o diálogo com diferentes áreas, a construção de confiança, a verificação da adequação de uma regulamentação naquele modelo de negócio, a avaliação do apetite ao risco… E isso, por enquanto, não se automatiza.
Inteligência artificial: aliada ou ameaça?
A inteligência artificial, especialmente a generativa, veio para chacoalhar as estruturas, inclusive do compliance. Ainda que seus usos estejam em evolução, o que já se percebe é que ela tem potencial para impactar profundamente a forma como os riscos são identificados, tratados e até mesmo comunicados.
Nesse cenário, o profissional de compliance precisa ser mais do que um especialista. Precisa ser curador. Saber avaliar o que a IA entrega, entender os limites éticos, questionar os vieses dos algoritmos, propor diretrizes de governança para o uso responsável dessa tecnologia.
A IA pode ser uma aliada poderosa, desde que seu uso seja criterioso, transparente e bem delimitado.
Mas, como qualquer ferramenta, ela só é útil na medida em que quem a utiliza tem discernimento. E é justamente aí que entra uma o olhar do compliance no apoio à organização na definição de diretrizes éticas e estratégicas para o uso da inteligência artificial.
O novo profissional: entre planilhas e pessoas
Essa transformação não é apenas sobre tecnologia. É sobre uma adaptação no perfil do profissional de compliance. Não se trata de abandonar aspectos que sempre existiram até aqui, mas de integrá-los a um repertório mais amplo.
Hoje, espera-se que esse profissional tenha raciocínio lógico e pensamento crítico, compreenda minimamente de dados, fluxos, sistemas e automação, e consiga transitar com facilidade entre áreas técnicas e áreas de negócio. Mais do que isso, é fundamental que seja curioso, conectado e com habilidade para se comunicar com diferentes públicos.
Competências comportamentais como empatia, escuta ativa, visão de futuro e adaptabilidade tornaram-se tão importantes quanto interpretar e implementar a Lei anticorrupção, as normas da CVM, do Banco Central ou da LGPD. Porque, no final das contas, compliance é sobre pessoas e e a tecnologia faz sentido quando usada para proteger, desenvolver e influenciar comportamentos humanos.
O facilitador e estrategista
O papel do compliance está mudando. Sai de cena o perfil exclusivamente técnico e entra em jogo alguém que conecta regras a propósito, processo a cultura, controle a contexto. De guardião de normas, o profissional passa a ser um facilitador da integridade: alguém que influencia, orienta e transforma. Para ocupar esse novo espaço é preciso mais do que conhecimento. É preciso atitude, capacidade estratégica, visão de todo e disposição para se reinventar o tempo todo.
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Imagem: Canva