Diante de todos os reflexos da globalização, sejam eles positivos ou negativos, um merece destaque – a criminalidade – em especial, o crime de corrupção, que adquiriu novas facetas, rompeu fronteiras, assumiu características mais complexas e alcance global, ganhando, portanto, destaque na comunidade internacional.
Adicionalmente, esta abertura de fronteiras, com a crescente atuação em diversos países, obrigou as empresas a observarem e respeitarem as leis de diferentes jurisdições, sendo o compliance um aliado eficiente para mitigar os riscos de violação a tais legislações.
Somando-se isto ao fato de que a sociedade e o mercado atualmente prezam por relações pautadas na transparência e na ética como forma de mitigarem seus riscos, torna-se o compliance um verdadeiro instrumento de vantagem competitiva, nacional e internacionalmente, já que empresas que não demonstram possuir um programa de compliance robusto (desatentas, portanto, às novas exigências globais) estão perdendo espaço no comércio internacional.
Os reflexos do programa de compliance na sociedade
Com a globalização e o consequente crescimento do número de transações internacionais, nota-se a necessidade de controles mais efetivos por parte dos órgãos reguladores para o combate à corrupção. O recente caso conhecido como Panama Papers[1] é um exemplo claro da dimensão que a corrupção pode tomar na esfera internacional. Considerado o maior vazamento sobre corrupção global da história, o Panama Papers corresponde a um conjunto de 11,5 milhões de documentos confidenciais de autoria da sociedade de advogados panamenha Mossack Fonseca que fornecem informações detalhadas de mais de 214.000 empresas de paraísos fiscais offshore, incluindo as identidades dos acionistas e de seus administradores. Nos documentos são mencionados chefes de estado em exercício de 5 países, além de outros responsáveis governativos, familiares e colaboradores próximos de vários chefes de governo de mais de 40 países, incluindo, ainda, 29 multimilionários entre a lista das 500 pessoas mais ricas do mundo segundo a revista Forbes.
A corrupção, com seus efeitos altamente nocivos, que afetam negativamente diversos setores da sociedade (econômico, político, social) já não pode mais ser restrita a um nível de tratamento nacional, devendo os Estados conjugar esforços para controlá-la, diante da impossibilidade de combatê-la isoladamente.
Novas regras são implementadas no cenário internacional com a intenção de garantir uma maior segurança jurídica e financeira no comércio transfronteiriço, formado por investidores cada vez mais exigentes, preocupados em mitigar seus riscos, manter sua reputação e, porque não, aumentar seus lucros, mas com a construção de relações pautadas na confiança, transparência e na ética.
Esta mudança de paradigma observada nas corporações fez com que o compliance ganhasse especial destaque, sendo considerado também como ferramenta essencial de mitigação dos riscos de violação das várias legislações a que hoje as empresas estão sujeitas, graças a sua atuação globalizada. O risco de sofrer sanções aplicadas concomitantemente pelas autoridades dos vários países em que a empresa atua, frente a aplicação extraterritorial das leis anticorrupção de diversas jurisdições, incluiu o compliance na pauta de discussão das prioridades das grandes corporações. A exigência de programas de compliance robustos e efetivos é uma realidade que não se pode mais ignorar, muito menos negar.
De uma breve análise dos últimos anos, é possível verificar a crescente relevância que o compliance anticorrupção tem conquistado, visto hoje como prioridade tanto na esfera normativa quanto na evolução das práticas empresariais para atendimento de padrões cada vez mais exigentes nas relações comerciais nacionais e internacionais. No Brasil, verifica-se a aprovação de importantes marcos regulatórios estabelecendo a exigência de implementação de programas de compliance por empresas que celebrem contratos com a administração pública (Lei 7.753/2017 e Lei 6.112/2018). As empresas estatais, com o advento da Lei nº 13.303/2016, também se depararam com a necessidade de estabelecer regras de governança corporativa, gestão de riscos, transparência, controles internos, auditoria e compliance. Apesar de seu texto normativo apresentar lacunas e falhas, pode-se considerá-la como um passo adicional relevante na luta contra a corrupção, fenômeno este apenas tratável pela conjugação de esforços de todos, seja da esfera pública, seja da esfera privada.
Nota-se que as empresas estão perdendo a possibilidade de optar pela implementação ou não de programas de compliance em suas organizações, seja pela existência de uma exigência legal, seja por exigência do próprio mercado. Contudo, há quem critique o custo desta implementação. De fato, este custo existe e é considerável. Para se criar e desenvolver mecanismos internos eficientes de controle, a empresa deverá (i) realizar uma análise de risco, (ii) com base nesta análise, elaborar seu código de conduta e políticas que definam a sua cultura, bem como as regras e procedimentos que deverão ser observados por todos os seus funcionários e pela alta direção (além das eventuais penalidades pelo seu descumprimento), (iii) investir em treinamentos permanentes para propagar seus valores e o conteúdo de tais políticas, (iv) definir mecanismos de controles internos para monitorar o cumprimento de tais políticas, (v) implementar um canal eficiente para a denúncia de práticas indevidas, (vi) dentre diversos outros investimentos dependendo de seu porte (grande, médio ou pequeno), da sua área de atuação (já que há áreas que são mais regulamentadas do que outras) e de seus objetivos. Não obstante, estudos já comprovam que não há como comparar tais custos com aqueles oriundos da inexistência de um programa de compliance, posto que uma eventual condenação por atos de corrupção (em razão da ausência de um programa de compliance capaz de prevenir a prática de tais atos ilícitos), poderá ocasionar, além da imposição de severas sanções (como multas que podem ser aplicadas por autoridades nacionais e estrangeiras, conforme o caso), impactos negativos na reputação da empresa, cujos custos são incalculáveis. A pesquisa The True Cost of Compliance realizada pelo Ponemon Institute LLC, analisou 46 organizações multinacionais e constatou que a ausência de um robusto programa de compliance custa cerca de 3 vezes mais do que a sua existência.
Não se pode esquecer também dos custos da corrupção para a sociedade. Pesquisa realizada pela Transparency International constata que há uma correlação negativa direta entre a distribuição de riqueza e de poder na sociedade e o nível de corrupção percebida, criando um círculo vicioso.
Adicionalmente, a corrupção subtrai recursos antes destinados a aprimorar o bem-estar da população[2]. Em recente estudo publicado no Fundo Monetário Internacional “IMF Working Papers” sobre a relação entre Corrupção, Tributos e Compliance, analisou-se os efeitos da corrupção sobre a capacidade do Estado de aumentar a receita, usando dados de 147 países dos períodos entre 1995-2014, compilados pelo FMI. Confirmou-se que a corrupção está negativamente associada à receita fiscal. Esta relação é predominantemente influenciada pela forma como a corrupção interage com o compliance fiscal, concluindo-se que os LTOs (Large Taxplayer Offices) contribuem com a arrecadação de impostos, atenuando a percepção de corrupção e aumentando as receitas dos Estados.
No Brasil, por exemplo, apesar da impossibilidade de se realizar um cálculo exato do custo da corrupção, é unânime que se trata de uma quantia exorbitante. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em seu estudo datado de março de 2010 sobre o custo da corrupção no Brasil, considerando o índice de percepção da corrupção da Transparency International, projetou que de 1,38% a 2,3% do PIB (produto interno bruto) brasileiro são perdidos por ano com esta prática, prejudicando o aumento da renda per capita, comprometendo o crescimento e a competitividade do país, reduzindo a possibilidade de oferecer melhores condições econômicas e de bem-estar social à população, bem como melhores condições de infraestrutura e um ambiente mais estável de negócios às empresas. Ainda, a mundialmente conhecida Operação Lava Jato, que desvendou o maior esquema de corrupção dos últimos tempos envolvendo o mais alto escalão do poder político e econômico do Brasil, já estima que o prejuízo para o país extrapolará a ordem de R$ 140 bilhões de reais.
Conclusão
Ao avaliarmos a corrupção hoje, não é possível afirmar, categoricamente, que este fenômeno tem crescido ou se o que tem aumentado, de fato, é a transparência e o conhecimento desta prática, justamente em razão da facilidade de acesso e troca de informações que se percebe no mundo globalizado atual. Como exemplo, citamos o memorando de entendimento recentemente firmado entre MPF e o Serious Fraud Office (SFO) – agência especializada do Reino Unido que atua no combate à corrupção – com o objetivo de fortalecer a cooperação jurídica e o intercâmbio de informações entre os dois países.
O que não se discute, portanto, é que, nos últimos anos, há um notável movimento internacional de enfrentar a corrupção como um problema global, através da aprovação de diversas convenções internacionais com este nobre objetivo, as quais, por sua vez, inspiram os países a adotarem as mesmas regras em suas jurisdições.
O advento da LAC demonstra que o Brasil está acompanhando estas tendências internacionais na luta contra corrupção. As ferramentas introduzidas pela LAC, seguindo as orientações internacionais, vêm compartilhar com as empresas (com a exigência de implementação de programas de compliance) a responsabilidade, antes tida como exclusiva do Estado, de combater e prevenir a corrupção. No entanto, pesquisas demonstram que, apesar de o combate à corrupção ter tido destaque no noticiário e, principalmente, no âmbito corporativo, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para atingir um nível ideal de maturidade em matéria de compliance. Mas o país tem avançado. Após 4 (quatro) anos da entrada em vigor da LAC, algumas empresas já realizaram mudanças significativas nas operações de negócios e seus executivos estão gradativamente começando a enxergar o compliance como um investimento e não como simplesmente um custo. Nota-se, assim, um novo paradigma adotado nas organizações com a busca por uma cultura pautada essencialmente na ética, em abandono à antiga visão empresarial voltada unicamente para o lucro e satisfação de seus sócios ou acionistas.
A inexistência de programas de compliance, especialmente no cenário altamente competitivo que se vislumbra na atual estrutura da sociedade contemporânea globalizada, afasta investidores, aumenta os riscos de envolvimento em fraudes e escândalos de corrupção (com impactos negativos diretos na sua reputação), além do risco de incorrer em severas multas e penalidades aplicadas pelas autoridades que podem levar, inclusive, à falência da pessoa jurídica, atingindo não somente seus sócios/acionistas e funcionários, mas também a sociedade, que certamente também sairá prejudicada, já que o país, em uma visão mais macro, também estará exposto a danos reputacionais perante os demais Estados membros da comunidade internacional.
Em contrapartida, a implementação de um programa efetivo de compliance por parte das empresas não é benéfico apenas para fins de redução de possíveis multas pela prática de atos de corrupção por seus colaboradores ou terceiros a elas vinculados, mas, principalmente, pelo fato de que, com este programa, já é possível verificar que a pessoa jurídica diminui seus riscos, aumenta a sua competitividade (com a conquista de confiança em nível nacional e internacional), atrai melhores investidores (uma vez que passam a obter maior confiança e credibilidade no mercado) e melhores talentos. Adicionalmente, é inegável que estes benefícios transbordam o mundo empresarial, pois, ao prevenir e auxiliar no combater a corrupção, o programa de compliance contribui para o desenvolvimento da sociedade, beneficiando diretamente todos os seus cidadãos.
Diante dos devastadores efeitos da corrupção na sociedade, tornam-se ainda mais notáveis os benefícios provenientes dos programas de compliance, já que seus reflexos não se restringem apenas às empresas. No entanto, por razões óbvias, não se pode afirmar que o programa de compliance elimina toda a problemática da corrupção, mas sua existência certamente contribui para a prevenção e para o combate deste fenômeno, enquanto que sua inexistência o fortalece[3].
Izabel de Albuquerque Pereira é doutoranda em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL) e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
[1] O conjunto de documentos, que totaliza 2,6 terabytes de dados. Os documentos foram distribuídos e analisados por cerca de 400 jornalistas em 107 órgãos de comunicação social em mais de oitenta países. Para mais detalhes sobre o Panama Papers: https://panamapapers.icij.org/. Acesso em janeiro de 2018.
[2] BAUM, Anja; GUPTA, Sanjeev; KIMANI, Elijah e TAPSOBA, Sampawende Jules. Corruption, Taxes and Compliance. IMF Working Papers, WP/17/255, 2017. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2017/11/17/Corruption-Taxes-and-Compliance-45379. Acesso em janeiro de 2018.
[3] Em pesquisa sobre o compliance como ferramenta de mitigação e prevenção da fraude organizacional, Renato Almeida dos Santos conclui: “Por sua vez, os participantes que trabalham em organizações que não têm qualquer tipo de ferramenta de compliance demonstram maior tolerância para conviver com pessoas desonestas, sendo possível inferir que comportamentos individuais pautados por princípios éticos são fundamentais, mas podem não resistir a sistemas e valores gerais propiciadores de fraude e corrupção, ou seja, ferramentas de compliance não estancam a problemática da fraude, mas sua inexistência fortalece esse fenômeno”. SANTOS, Renato Almeida dos. Compliance como ferramenta de mitigação e prevenção da fraude organizacional. Prevenção e combate à corrupção no Brasil – 6º concurso de monografias da CGU. Trabalhos premiados. Presidência da República, Controladoria Geral da União, Brasília: CGU, 2011, p. 223.