A recente história brasileira demonstra a utilização perniciosa das estatais para a satisfação de interesses pessoais e políticos. Em 2005, o “Escândalo dos Correios” evidenciou corrupção e fraude em licitações, que culminaram na CPI embrionária do “Mensalão”. Outro dado alarmante da estatal adveio 10 anos depois, quando seu lucro despencou de R$ 1,1 bi (2012) para R$ 9,9 mi (2014).
Em relação à Petrobras, somente nos fatos apurados pela operação “Lava Jato”, estima-se um prejuízo de R$ 42 bi. As operações “Sepsis” e “Cui Bono” apontaram R$ 1,2 bi de empréstimos pela Caixa Econômica Federal a empresas privadas, em troca de vantagens ilícitas a representantes de partidos políticos. Na Eletrobrás, a investidora 3G Radar apontou um prejuízo de R$ 186 bi nos últimos 15 anos, em razão de corrupção e ineficiência. E recentemente, o BNDES passou a ser alvo de investigações em relação a operações que podem chegar a R$ 1,5 tri, entre 2007 e 2016.
Quase 20 anos depois da alteração constitucional (Reforma Administrativa) e prejuízos trilionários às companhias estatais, entrou em vigor a Lei nº 13.303/2016, que regulamenta o artigo 173, parágrafo 1o, da Constituição Federal e dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A norma se propõe a estabelecer regras de governança corporativa, transparência, gestão de riscos, controles internos, compliance e auditoria às companhias estatais. Ainda define critérios para a nomeação de membros dos conselhos de administração e fiscal, presidência e diretorias, a serem avaliados quanto ao seu desempenho, além de estabelecer procedimentos para licitação e contratação de obras, serviços, bens e alienações.
Contudo, alguns problemas podem ser identificados da simples análise literal do texto normativo, especialmente no que tange o compliance. Primeiramente, o legislador construiu uma verdadeira “salada de frutas”, sem qualquer diretriz prática, certo que não apresenta a lógica do Sistema GRCA (Governança Corporativa, Gestão de Riscos, Compliance e Auditoria), que deve obedecer a independência e autonomia de cada área. O leitor descuidado pode crer que se coincidem, mas quem detém um pouco de conhecimento no assunto sabe as diferenças e a importância de cada uma delas.
No que tange às compras públicas, o legislador não trouxe qualquer inovação em relação à sistemática imposta pela Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), que se aplica a administração publica direta, fundações e autarquias e que tem se revelado burocrática, arcaica, permissiva e ineficiente. Sujeitar as estatais a esse modelo, que comprovadamente não deu certo, é um verdadeiro retrocesso.
Por fim, a norma não tem um viés de conscientização dos administradores, colaboradores e stakeholders das empresas — e da sociedade em geral –, uma vez que não foca na necessidade de sustentabilidade dos negócios realizados pelas companhias estatais tão pouco na importância da cultura do compliance e dos valores da ética e integridade corporativa, fundamentais no atual cenário nacional e internacional.
Como resultados destes problemas, alguns pontos são facilmente notados. Poucas companhias se mobilizaram para atender as determinações propostas pela Lei. Se analisarmos as empresas públicas e sociedades de economia mista em operação no país, a adesão ainda é baixíssima nestes 17 meses de vigência. Algumas empresas, embora existam medidas de ouvidoria ou auditoria, não atendem na integralidade o exigido pela norma e isso leva a maioria dos dirigentes a falsamente crer que estão em conformidade. Assim, demonstra-se que, na maioria dos casos, a alta administração das estatais ainda não tem comprometimento com o tema, fator essencial para a efetividade de um programa de compliance.
Ainda que haja a concessão de 2 anos para adequação, nos 8 meses restantes para o vencimento deste prazo, será absolutamente impossível atingir a totalidade das empresas, muito menos de garantir efetividade aos programas já implementados. Este fator é preocupante, se levarmos em consideração que 2018 é um ano eleitoral e que alguns cargos de alta direção ainda possam ser negociados para acomodações políticas.
Outro ponto a se esclarecer, é que o dispositivo que fixa o prazo para adequação não impõe expressamente sanções pelo descumprimento. Não obstante a isso, é possível que os órgãos de controle interno e externo, como controladorias, tribunais de contas e ministérios públicos, imponham a responsabilização de empresas e gestores descumpridores dos preceitos.
Ademais, as companhias que não possuem um programa de compliance efetivo estão sujeitas a riscos de sanções, por exemplo àquelas advindas da lei anticorrupção, e reputacionais, caso ilícitos praticados venham a ser descobertos e noticiados. No entanto, o risco mais nocivo advém da falta de sustentabilidade do negócio, que, além de prejudicar a atuação das empresas, permite o prejuízo aos cofres públicos.
É lamentável que a cultura do compliance e os valores da ética e integridade corporativa ainda não tenham aderência na esmagadora maioria das empresas públicas e sociedades de economia mista, não apenas pela possibilidade de responsabilização das companhias e de seus administradores, mas especialmente pelo risco ainda latente falta de sustentabilidade nos negócios e de danos ao patrimônio público.
Matheus Cunha é sócio e consultor na T4 COMPLIANCE. Mestrando e bacharel em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), foi Secretário Adjunto do Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção do Governo do Estado de Mato Grosso (2016-2017). É advogado, professor e palestrante.