Para os líderes da área, ambos os caminhos são possíveis, juntos ou separados
ESG, Data Privacy, D&I, Inteligência Artificial, criptoativos… O cenário que afeta os profissionais de Compliance está ficando mais amplo e os temas relacionados à área, mais complexos. Diante desse cenário, a redação do Compliance ON TOP questionou os líderes da área sobre como eles vislumbram a evolução na formação e na qualificação dos profissionais de Compliance para dar conta dessa agenda mais ampla. O Compliance Officer do futuro (próximo) precisará ser mais generalista ou, diante de cenários que estão ficando muito mais complexos, será imprescindível um maior grau de especialização? Poderá o profissional de Compliance compartilhar ou passar as funções que hoje se encontram sob a sua liderança para outros profissionais – que podem ser diretores, gerentes ou coordenadores, a depender da estrutura de cada empresa –, mais especializados, que vão assumir a gestão em relação a cada um desses temas?
A partir da análise das respostas coletadas com as lideranças do mercado, pode-se dizer que existem visões e argumentos para sustentar a crença em cada uma dessas diferentes possibilidades, ou seja, não existe um consenso aqui. Há profissionais que acreditam em um caminho certo de especialização, outros apostam firmemente que o futuro é generalista, há aqueles que acreditam que será necessário ao profissional do futuro ser “um pouco generalista e um pouco especialista”, e há aqueles que entendem que profissionais desses dois perfis precisarão coabitar os departamentos de Compliance corporativos, já que é na complementaridade desses dois perfis que se pode alcançar maior eficácia na atuação da área.
É verdade que o sentido de cada uma dessas opções depende essencialmente do tipo e do tamanho da operação de Compliance da empresa. “Empresas maiores, com cenários mais complexos, podem exigir um grau de especialização profundo e que determine uma estrutura separada para tratar dos diversos temas, como ESG, inteligência artificial e privacidade”, acredita Mariana Kono, superintendente de Compliance da B3, a bolsa de valores de São Paulo. Mas em empresas de menor porte é natural consolidar em um mesmo guarda-chuva a responsabilidade de diversos temas correlatos. E, para Mariana, isso faz com que seja crucial em empresas desse perfil a composição de um time técnico e de especialistas que assegure o aprofundamento necessário para a construção de um programa de integridade efetivo. “Para mim, um ponto comum às empresas maiores e menores é que as áreas de Compliance precisam ter participação ativa no desenvolvimento das agendas desses temas nas empresas, sejam essas direta ou indiretamente responsáveis pelos temas”, reforça a executiva da B3.
Sócio do escritório KMN, o advogado Karlis Mirra Novickis vê a maior complexidade das relações como algo inerente à evolução social. “O profissional poderá escolher entre ser um generalista que entende dessas complexidades (da evolução das relações sociais), ou ser um especialista que atua sob a gestão do generalista”, aponta. Para ele, ambos os posicionamentos são importantes. “Um profissional não me parece ser capaz de resolver problemas complexos sozinho”, reforça Karlis.
A necessidade de contar com os dois perfis dentro da área (quando a estrutura permitir) é algo que faz todo sentido também pelas diferentes atuações necessárias para um bom andamento do Compliance nas empresas, o que passa pelo relacionamento com as outras áreas da empresa e a alta administração, em que é preciso saber atuar politicamente, no sentido de que é necessário dialogar e ceder para compor posições próximas (ou menos distantes) de um consenso. “Para a interlocução com tomadores de decisões, gestão de crises e aprofundamento da cultura interna, os profissionais mais generalistas e experientes são fundamentais. Para questões mais específicas, como condução de investigações mais rotineiras, monitoramento de terceiros e outras atividades afins, um profissional mais especializado pode atender melhor do que alguém com mais experiência”, acredita o sócio de Compliance do escritório Pinheiro Neto, José Alexandre Buaiz Neto.
A realidade de muitas empresas, entretanto, não é a de equipes com diferentes cabeças atuando. Naturalmente, quando há menos pessoas com quem dividir o trabalho é preciso ter condições de lidar minimamente com o todo. Isso faz com que muitos vejam no perfil futuro do profissional de Compliance um ser mais generalista. “A aglutinação dessas (diferentes) áreas sob um mesmo responsável nas companhias e a diminuição das áreas de Compliance têm exigido profissionais generalistas, capazes de atuar em diversas frentes simultaneamente”, diz Eduardo Magalhães, Managing Director da consultoria Alvarez & Marsal.
Diante desse cenário, o sócio do escritório Vezzi Lapolla, Marcelo Lapolla, acredita que o importante é “saber o mínimo sobre o máximo de coisas; e saber o máximo sobre o negócio da empresa”. “Este é o perfil de profissional desejável no mercado de trabalho”, aponta. Diretora de Compliance do Grupo CCR, que opera concessões em diferentes áreas de negócios e do país, Marilia Zulini também enxerga um futuro generalista: “É cada vez mais necessário obter o conhecimento de temas diversos e saber como conectá-los de forma sistêmica e estratégica. Segregar traz ineficiência”, afirma.
Embora também acredite que a evolução e os desafios do cenário corporativo deverão tornar os profissionais de Compliance cada vez mais generalistas, Beatriz Police, diretora da consultoria especializada BConsultive, crê em Compliance Officers “que tenham foco, especialmente em pessoas e projetos, gerindo a área, de modo a delegar aos gestores de cada um dos departamentos das empresas atribuições específicas para uma real e efetiva visão e materialização do Compliance em um cenário 360º nos negócios”.
Já Karin Moldenhauer, gerente de governança corporativa e controles internos da empresa de logística DHL Supply Chain, vê como tendência o profissional (que lidera a área) ser mais generalista, com ele contratando empresas terceiras para apoiar em temas específicos, como lidar com a LGPD e realizar due diligences.
Para aqueles que enxergam na especialização um caminho mais coerente para o futuro da atuação do profissional de Compliance, um ponto em comum – além da complexidade e das peculiaridades inerentes a temas como ESG e proteção de dados – é o avanço das novas tecnologias e seus impactos. “Acredito numa necessidade cada vez mais urgente de especialização profissional”, diz Vander Oliveira, diretor de Auditoria, Riscos e Compliance da empresa de saneamento Iguá. Para ele, a pluralidade de temas já naturalmente amplos no Compliance, associada à criação e evolução de novas tecnologias, vai definir o posicionamento dos profissionais diante dos desafios e a quais capacitações serão exigidas. “O aprofundamento dos temas conduzirá naturalmente a uma especialização”, reitera.
Acredito que não há como escapar de um maior aprofundamento nos temas atuais de tecnologia, o que exigirá dos profissionais de Compliance um passo além da característica generalista de hoje”, explica Thiago Genda, sócio de Compliance da Machado & Sartori de Castro Advogados. Na visão dele, esse é um cenário que favorece a criação de especialistas em determinadas áreas do Compliance, ampliando ainda mais o leque de atuação para quem já atua na área e para aqueles interessados em entrar nela.
“Embora a capacidade de compreensão geral continue sendo importante, a especialização se tornará cada vez mais mandatória”, afirma o advogado Renato Pinheiro Santos, para quem os profissionais de Compliance precisarão adquirir conhecimentos específicos em cada um desses domínios para serem capazes de navegar pelo cenário regulatório em constante mudança e desenvolver estratégias de conformidade mais precisas e eficazes. “A tendência é que o profissional de Compliance se torne mais especializado, compartilhando responsabilidades com outros especialistas para abordar adequadamente os desafios específicos de cada área”, reforça. Na mesma linha, o sócio-diretor da consultoria Compliance Box, Bruno Schumacher, enxerga na divisão de tarefas e atribuições um caminho bastante palpável para lidar com assuntos que têm se tornado mais complexos, o que acaba exigindo um nível de conhecimento maior por parte dos envolvidos.
Por fim, há quem enxergue a necessidade de um profissional de Compliance no futuro, que seja ele mesmo um híbrido entre generalista e especialista. “O profissional de Compliance precisará ser cada vez mais versátil para entender a diversidade de temas trazidos no dia a dia de suas atividades, ao mesmo tempo que cada um desses temas deverá integrar (à sua realidade) o conhecimento de Compliance. O profissional de IA também precisará compreender os aspectos de conformidade de sua área”, pontua Gustavo Biagioli, diretor jurídico, ESG e Compliance do escritório Trench Rossi Watanabe. “Por isso, a formação dos profissionais de Compliance deverá mesclar o conhecimento generalista com o aprofundamento em temas que se tornarão críticos para o exercício da profissão”, conclui o executivo.
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Artigo publicado originalmente no Anuário Compliance On Top 2024.
Imagem: Canva