Sete anos depois da publicação do primeiro decreto da Lei Anticorrupção, o novo decreto 11.129/22, traz alterações no seu texto que podem parecer pequenas numa primeira leitura, mas cuja interpretação mais detida deixa claro: os impactos para o dia a dia dos profissionais de Compliance serão bastante perceptíveis.
Quem acompanha a área de Compliance há um pouco mais de tempo certamente vai se lembrar. Após a então presidente Dilma Rousseff ter sancionado a Lei Anticorrupção, em agosto de 2013, os operadores de Compliance entraram numa espécie de vigília aguardando o decreto que traria a regulamentação da lei. Era esse documento que ajudaria os profissionais a navegar na aplicação da lei e por meio do qual seria possível entender, entre outras coisas, como a CGU trataria a avaliação dos programas de Compliance e qual seria o seu valor de fato numa eventual negociação de acordo de leniência. E o processo foi longo. Só em março de 2015 veio à luz a primeira edição do decreto, estabelecendo critérios do que a pasta entendia serem necessários para considerar um programa de integridade efetivo, além de detalhar aspectos relacionados aos cálculos de multas e os processos de investigação e negociação da leniência.
Agora, mais de sete anos depois, a CGU publica o segundo decreto que regulamenta a Lei Anticorrupção, trazendo para o texto a experiência acumulada ao longo dos últimos anos, incluindo as centenas de investigações, negociações e os dezenas de acordos de leniência fechados nesse período. E um primeiro aspecto importante a ser ressaltado nesse sentido, é que o texto buscou corrigir algumas imprecisões percebidas ao longo desses anos de vigência do decreto anterior, como reconhece o secretário de Combate à Corrupção da CGU, João Carlos Figueiredo Cardoso.
Muito do que está no novo texto já havia sido tratado em instruções normativas e manuais de boas práticas emitidos pela própria CGU ao longo dos últimos anos e vinham dando o tom para a atuação dos servidores da pasta. Mas o valor de um decreto de lei, assinado pelo presidente da república, é algo que naturalmente, dá muito mais peso e segurança jurídica tanto para os servidores aplicarem a lei quanto para as empresas que estarão negociando com as autoridades com base nela. “O que está acontecendo hoje são muitas tentativas de discussões judiciais em relação a acordos já fechados, buscando brechas que poderiam levar a uma revisão das condições acordadas previamente”, aponta Alessandra Gonsales, sócia-fundadora da LEC e do escritório GCAA. Isso acontece porque, ao contrário de quem opera na esfera privada, que, ao menos em tese, pode fazer tudo o que a lei não proíbe, um agente público só pode fazer o que a lei lhe impõe. “O servidor da CGU não pode agir sem um regulamento que o direcione, seja no sentido que for, e nesse sentido, o decreto ajuda muito a dar a eles uma base legal maior em relação ao que já vinha sendo praticado”, lembra a advogada do GCAA. Daí que por conta da redação do texto anterior, a aplicação de agravantes e atenuantes da multa estava limitada pelas faixas estabelecidas, oferecendo pouco espaço para a discricionariedade dos técnicos no processo de avaliação desses itens. Essa é uma das imprecisões apontadas por Figueiredo que o novo decreto buscou corrigir.
Presidente do CONACI, órgão que reúne os órgãos de controle interno de estados e municípios brasileiros, Rodrigo Fontenelle, acredita que os pontos alterados com o novo decreto trouxeram melhorias para o ordenamento jurídico nacional. O dirigente, que também é corregedor-geral do estado de Minas Gerais, entende que o novo texto trouxe os pontos que, ao menos do ponto de vista do seu estado, esperava-se que viessem contemplados. Agora caberá aos estados e municípios adequarem os seus próprios ordenamentos à nova realidade, algo que deve acontecer no decorrer dos próximos meses. Até hoje, apenas três estados ainda não regulamentaram a lei anticorrupção no seu ordenamento local. A questão nos entes federados é que a aplicação da lei ainda é incipiente. “A efetividade ainda é muito baixa. Apenas quatro estados celebraram acordo de leniência e não são 10, os que concluíram um processo com base na lei”, lamenta Fontenelle. Mas isso é tema para outra reportagem.
Ao consolidar textos legais antes dispersos, o decreto também dá mais transparência aos operadores de Compliance sobre o que pensa e como age a CGU em diferentes aspectos da aplicação da lei, algo que não era segredo para quem já se viu envolvido com um processo de negociação com o regulador, mas que não era largamente conhecido pelo mercado, por mais que a maior parte do material utilizado pelo órgão no direcionamento do seu trabalho, inclusive as planilhas utilizadas para avaliação de programas e cálculos de atenuantes e agravantes sejam de domínio público.