Como ficou a nova regulamentação para o mercado de Meios de Pagamento e como ela vai impactar as maiores IP’s do mercado local
Em 2002, o mercado financeiro iniciou a discussão e o desenvolvimento de um projeto tratando da modernização dos processos de pagamentos no varejo. Naquela ocasião, foram realizados muitos estudos e identificados diversos potenciais riscos sistêmicos. Apesar disso, foram necessários mais de 10 anos de espera. Apenas em 2013 foi publicada a primeira norma regulamentando o assunto: a Lei 12.865/2013, que dispõe sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Esta lei trouxe mudanças significativas para os mercados financeiro e de pagamento, trazendo mais segurança jurídica.
A partir desse ponto, o Banco Central do Brasil (BCB) editou e publicou diversas normas para regulamentar os arranjos de pagamentos, buscando construir um ambiente sistêmico mais sólido, competitivo, eficiente e acessível. Tais normas foram evoluindo junto com o crescimento das instituições participantes desse mercado, até que em 2021 foi publicada pelo mesmo BCB, a Resolução BCB nº 150/2021 (Resolução 150/2021), norma que consolidou e revogou as normas anteriores, consolidando-as e dando origem a uma regra única e mais robusta para a regulamentação do mercado de pagamentos.
Tanto as normas anteriores como a atual Resolução 150/2021, vieram para fomentar o crescimento do sistema financeiro, viabilizando a inovação, concorrência e a inclusão financeira, o que de fato se viu e ainda se vê acontecendo no Brasil. Mas, a nova regulamentação veio principalmente para dar mais robustez ao processo de vigilância e supervisão dos arranjos de pagamento. Esta nova Resolução ainda está gerando muitos debates entre os atores do mercado de meios de pagamentos, uma vez que as novidades introduzidas por tal regulamentação foram bastante extensas e muitos participantes ainda estão se adequando a ela.
Entre os diversos assuntos tratados na Resolução 150/2021, destacamos a importância dos dispositivos relacionados ao gerenciamento de riscos e monitoramento, auditoria de participantes e aos mecanismos de governança dos instituidores de arranjos, a entidade responsável pelo arranjo de pagamento, também conhecido com a empresa responsável pela “bandeira” do cartão.
Tais dispositivos versam que cabe ao instituidor do arranjo implementar estrutura de gerenciamento contínuo e integrado de riscos aos que o participante possa estar sujeito (como por exemplo, risco de crédito, liquidez, operacional e outros). Esta estrutura deve ser capaz de gerenciar o risco entre os participantes, buscando assegurar os fluxos de pagamento e liquidação e a preservar o recebimento dos recursos pelo usuário final. Para tanto, o instituidor de arranjo deve ter políticas, processos e controles adequados que visem assegurar a identificação prévia de tais riscos, efetuando de maneira rotineira, objetiva e não discriminatória, o monitoramento e auditoria dos participantes.
O instituidor deve incluir, conforme aplicável, critérios de avaliação e classificação de risco (rating) dos participantes em relação ao risco que este representa em relação à prestação do serviço de pagamento do arranjo. Ele também deve estabelecer critérios de cálculo e reajustes de volumes de garantias e procedimentos a serem adotados em caso de falha ou inadimplemento de participantes, sempre objetivando preservar os fluxos de pagamento e a efetiva liquidação e recebimento de recursos.
O monitoramento deve ser feito de forma contínua, podendo o instituidor do arranjo realizar testes ou utilizar o método que entender necessário para certificar-se de que os participantes estejam cumprindo as políticas de gerenciamento de forma satisfatória.
Instituição de Pagamento (IP)
Além do Instituidor de Arranjo, um dos principais players deste mercado é a Instituição de Pagamento (IP). Uma IP é o participante que viabiliza os serviços de compra e venda e de movimentação de recursos no âmbito de um arranjo de pagamento. Desde 2012, as IP’s passaram a ser regulamentadas pelo BCB. Os normativos publicados na época, estabeleceram regras e procedimentos para constituição, funcionamento, alterações de controle entre outros atos societários para a prestação de serviços de pagamentos, como também a classificação das modalidades de IP.
O BCB permite que a Instituição de Pagamento possa atuar em mais de uma modalidade. Mas não permite que as IP’s realizem empréstimos, atividade que é privativa das Instituições Financeiras.
Atualmente as IP’s são regulamentadas pelas Resoluções BCB nºs. 80 e 81/2021. Esses normativos consolidaram as normas anteriores e dispõe sobre a definição das modalidades de instituições de pagamento, escopo das atividades, formas de constituição, requisitos de capital mínimo e parâmetros para a exigência de autorização para funcionamento dessas instituições.
A consolidação dessas informações consiste em regras relacionadas à organização das instituições de pagamento, voltadas ao negócio, e regras aplicadas aos processos de autorização, incluindo diversos procedimentos puramente operacionais voltados à protocolização dos pedidos de autorização, tais como a lista de documentos passíveis de serem requeridos às entidades reguladas e o formato a ser seguido na elaboração do plano de negócio exigido.
Adicionalmente, a Resolução 80/2021 trouxe algumas mudanças que dizem respeito aos aspectos societários, de Compliance e governança, e estipulou parâmetros para ingressar com pedidos de autorização de funcionamento.
Com relação aos aspectos societários, houve uma preocupação do BCB em tornar os procedimentos de autorização mais ágeis e flexíveis, como também alteração nas regras de capital mínimo de entrada. Já sobre a governança foi estabelecido a implementação da política de governança visando assegurar o cumprimento da regulamentação. Outra alteração importante refere-se à solicitação na observação de três regulamentações que tratam do relacionamento com o cliente, cobrança de tarifas e controles internos.
O BCB viabilizou, por meio das IP’s, a oportunidade de empresas de pequeno porte, também conhecidas como Startups e Fintechs, entrarem no mercado financeiro. Com o objetivo de perseguir um mercado mais equitativo, o BCB definiu exigibilidade de obrigações bem menores do que as exigidas para uma instituição financeira. O regulador entende que por esse tipo de instituição não ter autorização para liberar crédito (empréstimos e financiamentos) está sujeita a menos risco e impacto, o que justifica as menores exigências do BCB.
As Startups e Fintechs, por terem em sua essência a inovação e a tecnologia a seu favor, cresceram de forma exponencial, pois souberam aproveitar bem este mercado, demonstrando que é possível estabelecer procedimentos mais simples, seguros e menos burocráticos. Com isso, conseguiram conquistar rapidamente a confiança dos clientes com suas inovações e tecnologias eficazes para prestação de serviços de pagamento, principalmente por meio das famosas contas digitais.
As exigências simplificadas aplicadas para esse tipo de instituição, deu gás para que muitas “Startups e Fintechs” crescessem tanto, que algumas alcançaram um nível de receitas bastante considerável, a ponto de passarem a gerar “desconforto” junto aos grandes bancos, por conta do desequilíbrio nos níveis de exigência regulatória aos quais as instituições tradicionais estão submetidas pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Em 2020, o Banco Central lançou a Consulta Pública BCB nº 78/2020, para entender melhor o mercado das novas instituições e propondo um conjunto normativo para harmonização do tratamento prudencial aplicável aos serviços de pagamento.
Conglomerado Prudencial
Conglomerado Prudencial nada mais é que a consolidação das instituições pertencentes às instituições do mesmo grupo societário autorizadas a funcionar pelo BCB. A regulamentação prudencial estabelece requisitos com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para monitorar os riscos decorrentes de suas atividades, bem como a saúde financeira dessas autorizadas.
Este ano, o BCB publicou a Resolução BCB nº 197/2022 (“Resolução 197/2022), com o objetivo de aprimorar as regras Prudenciais para as Instituição de Pagamentos, trazendo assim mais equilíbrio na concorrência do sistema financeiro e proporcionando deveres e obrigações mais equitativos, ou seja, regras simples de exigências de capital para IP’s simples e regras mais complexas para IP’s maiores. Este método já era aplicado para as Instituições Financeiras (IF’s) por meio da Resolução CMN nº 4553/2017, que define obrigações e deveres para as Instituições Financeiras por segregação de segmentação.
Antes da publicação da referida resolução, as IP’s eram tratadas de forma individual, ou seja, os riscos e o requerimento de capital eram exigidos de forma menos complexa, pois a antiga regulamentação definia como capital requerido apenas o patrimônio líquido (PL) ajustado pelo resultado.
Com a nova regulamentação o BCB trouxe para o universo das instituições de pagamento, o conceito da Basiléia II (uma das diretivas globais para o setor financeiro), que se refere a exigência de se ter um capital de maior qualidade para absorver perdas inesperadas, sendo assim, as IP’s deverão agora passar a atender às exigências de Patrimônio de Referência mínimo que abranja todos os riscos (crédito / operacional / mercado), assim aprimorando o risco bancário (RWAsp – Ativos Ponderados pelo Risco de Serviços de Pagamento).
A regulamentação prudencial nivelou as condições de competição nas mesmas atividades, estabelecendo níveis compatíveis com riscos, porte e complexidade. Sendo assim, as regras simplificadas ficam mantidas para as IPs líderes e que não seja integrada por IF ou por outra instituição e passa a exigir mais capital das IP’s maiores.
A Resolução 197/2022 entra em vigor em 1º de janeiro de 2023. Nesta data as IP’s Tipo 1 e 2 devem estar enquadradas nos termos da norma. Já o conglomerado prudencial do Tipo 3, tem até 31 de dezembro de 2024 para estarem enquadradas.
Artigo publicado originalmente na edição 34 da Revista LEC com o título “Calibrando a balança”.
Imagem: unDraw