Há um consenso de que o “tone at the top”, ou seja, o exemplo de liderança ética que vem de cima, dos níveis mais altos de uma organização, é um dos fatores decisivos para o sucesso (ou fracasso) dos programas corporativos de compliance. Sem o expresso compromisso do Conselho e da Diretoria em construir e manter uma cultura de integridade corporativa, que deve pautar os valores e os comportamentos da organização, o programa de compliance fica sem um de seus pilares fundamentais e sua implementação dentro da empresa fica seriamente limitada. As diversas leis e normas anticorrupção globais e locais destacam esse fator decisivo e exigem que as empresas e sua Diretoria demonstrem um claro compromisso com seus programas e políticas de compliance.
Contudo, ainda há um profundo abismo entre o “tone at the top” declarado e a realidade. Basta ler as mensagens ou cartas dos CEOs ou Presidentes estampadas na primeira página dos Códigos de Ética das grandes organizações que estão cheias de declarações genéricas e vagas (muitas vezes formulações exageradas de chavões como “tolerância zero com a corrupção” ou “liderar pelo exemplo”) e as comparar com as manchetes dos jornais sobre essas mesmas empresas, para perceber a enorme distância entre “falar” e “agir”. Essas cartas, que deveriam ser o prenúncio de uma estratégia geral de liderança ética, costumam não passar de um esforço vazio e inútil.
Esse abismo também é confirmado por inúmeros estudos sobre a situação da liderança ética em organizações ao redor do mundo. Em uma pesquisa recente realizada pela consultoria LRN com diretores de compliance de grandes empresas dos EUA e Europa, os entrevistados em sua maioria consideram que seu Conselho de Administração não tem uma compreensão adequada dos programas de compliance (cuja implementação e efetividade ele deveria teoricamente fiscalizar de acordo com seu dever fiduciário), não dedica tempo suficiente nem dá a prioridade necessária para essas questões e ainda tem uma visão curta e utilitária desses programas e suas ferramentas. Em outras palavras, ele vê o programa de compliance mais como uma formalidade que precisa ser preenchida do que uma fonte potencial de vantagem competitiva e geração de valor para a empresa.
Esse “tone at the top” fraco por parte do Conselho é transmitido para a Diretoria, que não recebe o incentivo de cima para gerenciar mais ativamente as políticas de compliance e, por sua vez, acaba tendo essa mesma atitude em relação aos programas, ferramentas e equipes de compliance. Esses “sinais” são rapidamente captados e internalizados pela gerência e pelo restante da organização.
Para alterar esse estado de coisas, o mais importante é perceber como a empresa pode implementar o tão desejado “tone at the top”, moldando positivamente o clima ético da organização e alcançando todos os funcionários e demais agentes envolvidos na cadeia de valor. Em primeiro lugar, o Conselho e a Diretoria devem adotar uma abordagem prática para promover uma cultura de integridade dentro da organização, sem achar que ela virá de fora para sua equipe de compliance. Nessa linha, algumas ações específicas que as empresas podem adotar (e as organizações mais inovadoras já estão implementando) são: permitir que os diretores de compliance tenham acesso direto e regular ao Conselho de Administração, ao Comitê de Auditoria e ao CEO, dedicando tempo suficiente às suas solicitações e necessidades; o treinamento do Conselho e da Diretoria a respeito dessas questões por especialistas internos e externos para que eles questionem seus próprios vieses cognitivos e aprendam novas tendências e abordagens, bem como a avaliação anual de seu próprio desempenho com base em critérios que incluam a qualidade de sua contribuição para a cultura ética da empresa.
Os diretores também se envolvem e participam mais dos treinamentos corporativos sobre integridade com casos e dilemas específicos e incluem esses assuntos na pauta das reuniões com suas equipes e no diálogo com seus funcionários. Além disso, as empresas podem divulgar, pela voz de seu CEO, os compromissos assumidos em questões de ética e transparência.
Todas essas ações contribuem para melhorar e consolidar a cultura de integridade, tendo grande impacto em todos os níveis da organização: segundo as recomendações da Ethics and Compliance Initiative (ECI), sediada nos EUA, os funcionários que sentem que sua chefia age com integridade e relaciona claramente as decisões que toma com os valores organizacionais têm mais chances de comunicar suas preocupações e dúvidas, alertar sobre possíveis problemas de compliance e agir de forma ética em geral. Portanto, quando falamos de liderança ética eficiente, não estamos lidando apenas com a qualidade do comportamento da Diretoria: estamos tratando efetivamente da natureza da cultura de integridade da empresa como um todo.
Gabriel Cecchini é consultor em Governança Corporativa, Integridade e ESG (Questões Ambientais, Sociais e de Governança)
Imagem: Freepik
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