Com o advento da Lei Anticorrupção (Lei Federal n° 12.846/2013), o Brasil se juntou a países como EUA e Reino Unido e robusteceu seu arcabouço legislativo contra a corrupção, que já contava com a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei Federal n° 12.683/12), a Lei de Licitações (Lei Federal n° 8.666/93), a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n° 8.429/92), dentre outras, como o próprio Código Penal.
Não obstante, as novidades trazidas pelo Rio de Janeiro e Distrito Federal, bem como por outros decretos expedidos pela União, por estados e municípios, são igualmente fundamentais para termos uma relação entre público e privado mais saudável, uma vez que preenchem importantes lacunas legais.
Com o advento da Lei Anticorrupção passou-se a responsabilizar administrativa e civilmente empresas que praticam atos contra a administração pública, implicando em multas de até 20% do faturamento bruto do exercício anual anterior ou até R$ 60 milhões, se não for possível auferi-lo.
Ela, igualmente, prevê outros mecanismos que merecem nota: a criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas – que ainda demanda melhor e maior utilização – e a existência de programas efetivos de compliance como atenuante de penalidades.
Apesar de não ter sido o primeiro, o Decreto Federal regulamentador n° 8.420/2015 veio a servir de modelo para que outros estados e municípios também viessem a regulamentar, em seus âmbitos, a Lei Anticorrupção, inovando ao prever critérios para a aplicação das multas, os detalhes dos acordos de leniência e quem tem competência para celebrá-los; ainda e de bastante relevância, uma definição e critérios bases para um programa efetivo de compliance. Inclusive, tendo a sensibilidade de indicar que não há um modelo único a ser adotado pelas empresas, mas que cada programa deverá respeitar as características, tamanho e nível de exposição das atividades praticadas por elas.
Seguindo a esteira do Estado do Rio de Janeiro, que em 2017 promulgou a Lei Estadual n° 7.753/2017, o Distrito Federal se tornou o segundo a exigir, por meio da Lei Distrital n° 6.112/2018, sancionada no dia 2 de fevereiro de 2018, que empresas possuam programas de compliance para contratar com a administração pública, acima de determinado valor e período. Outros estados, como São Paulo, possuem encaminhados projetos de leis semelhantes e espera-se que todos avancem neste sentido.
As leis promulgadas pelo Rio de Janeiro e Distrito Federal ainda serão objetos de debates nos tribunais, mormente no que tange à constitucionalidade. Isto porque o art. 22, XXVII da Constituição Federal estabelece como prerrogativa privativa da União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e de contratação pela administração pública.
Então, a inciativa do Rio de Janeiro provavelmente será desafiada por uma potencial usurpação ao exigir requisito adicional para contratar com a administração pública não previsto em Lei Federal. Como solução, uma emenda à Lei Federal de Licitações seria de grande valia para mitigar tais conflitos.
Por outro lado, há ainda espaço para avançar. Mesmo exigindo das empresas a existência de programas de compliance, não está previsto formas e critérios de aferição de suas aplicações, atualizações e manutenções, de modo que podemos antecipar que muitos buscarão cumprir a exigência legal apenas para poder garantir seus contratos, sem que consolidem a integridade das empresas por meio de programas sérios e efetivos. Claro que, em se comprovando a prática de atos de corrupção por essas empresas, a inobservância de eficiência e comprometimento de seus programas impossibilitará que sejam agraciadas pelos benefícios previstos na Lei Anticorrupção.
Marcelo Bueno M. Carneiro é consultor em compliance e advogado pós-graduado em Direito dos Contratos pela PUC/SP e em Direito Público pela Faculdade Damásio de Jesus.