A Lei Anticorrupção Brasileira (Lei nº 12.846/13) inaugurou uma nova era administrativa, tendo em vista que estabeleceu um conceito aberto de “pessoa jurídica” para fins de responsabilização, o qual abrange as instituições públicas, estabelecendo um princípio de moralidade administrativa renovado vinculado às regras de compliance da boa gestão empresarial internalizadas no setor público.
Os conceitos de gestão de riscos e compliance contribuem para uma gestão pública cada dia mais responsiva, que assume um papel preventivo no planejamento de suas ações e na orientação de suas condutas, sempre com o objetivo de atingir a finalidade pública a que se destina. Devido a essas instituições terem que lidar com o desafio da observância dos princípios da administração pública (art. 37 da CF/1998)e expectativas da sociedade em relação ao exercício da responsabilidade social, é essencial que estas possuam um mecanismo que demonstre a sua preocupação e o seu comprometimento com altos padrões éticos, com a responsabilidade, com a transparência, com a sustentabilidade, com a eficiência e com a probidade no seu cotidiano, e atualmente o mecanismo mais eficaz para garantir a lisura das organizações é a existência de um Programa de Compliance. Sendo assim, os parâmetros de compliance delineados pela Lei Anticorrupção e sua posterior regulamentação (Decreto nº 8.420/15) tornaram-se uma referência para essa transformação, de forma que o compliance público passou a ser o caminho para demonstrar a integridade na Administração Pública.
Sobre os atos públicos, estes são regidos pela regra da legalidade estrita, de forma que as ações das instituições públicas devem ser realizadas da maneira específica delimitada pela lei. Entretanto, esse princípio deve ser balizado com o princípio da eficiência da função pública, sob o risco de um excesso de formalismo no âmbito público. Isto porque a cultura compliance vai muito além, e agrega uma série de valores éticos e princípios morais, que tem por objetivo não apenas garantir o cumprimento da Lei, mas também, a busca de fomentar valores nos agentes públicos. Sendo assim, as ações de conformidade e aderência devem ser associadas à garantia de efetividade e ao conceito de accountabillity ou prestação de contas, que demonstra que os recursos foram aplicados devidamente, com eficácia e eficiência, sendo este o caminho para a mitigação da corrupção no setor público, uma vez que o excesso de burocracia pode levar, em alguns casos, à oportunidade para atos de corrupção ou desvios.
Neste sentido, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 5.687/06, já apontava a necessidade da implementação de um programa de gestão pública para assuntos como: bem público, integridade, transparência e controle das contas públicas. Também há a disposição expressa acerca da implementação de Códigos de Conduta para servidores públicos, que visam a combater preventivamente a corrupção, através do desenvolvimento institucional de princípios relacionados à integridade, à honestidade e à responsabilidade do agente estatal.
Da mesma forma foi promulgada a Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/2016) que dispõe sobre novos padrões de governança, riscos e compliance da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, estabelecendo regras mais rígidas para compras, licitações, e para a nomeação de diretores, membros do conselho de administração e de presidentes, além de estabelecer que deverá ser implantada uma área de compliance e riscos, vinculada ao diretor presidente, e um comitê de auditoria estatutário, que irá se reportar diretamente ao conselho de administração em caso de suspeita de irregularidades cometidas pelo diretor presidente.
Por fim, seguindo os anseios da Lei Anticorrupção, foi promulgado recentemente o Decreto nº 9.203/2017 que estabelece a obrigatoriedade de instituição de programas de integridade para órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional (art. 19). Os programas de integridade devem ter o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção e serão estruturados a partir do comprometimento e apoio da alta administração, da existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade, da análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade e do monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade (art. 19, incisos).
Ante o exposto, nota-se a direção adotada pela legislação brasileira de forma a fomentar a adoção de medidas de compliance e integridade também pelas instituições públicas, com a implementação de uma estrutura capaz de garantir a legalidade e transparência na função pública, principalmente no que concerne à contratação por parte das instituições públicas, ponto nevrálgico da interação do Estado com os particulares no que diz respeito à corrupção.
Camila C Chizzotti
Atua na área de Governança, Risco e Compliance com ênfase na implementação ou revisão de programas de compliance, visando o atendimento das principais legislações nacionais e internacionais (principalmente lei anticorrupção e lei de combate à lavagem de dinheiro). Membro do Grupo de Trabalho Contra a Corrupção e pela Integridade do Instituto Ethos. Graduada em Direito (PUC/SP), com Pós-Graduação na London School of Business & Finance.
Imagem: freepik