O que o terceiro contratado tem a ver com a preservação da imagem/reputação da minha empresa? Este ano, em menos de três meses e somente no Estado do Espírito Santo (principal produtor e o maior processador e exportador de rochas ornamentais do Brasil), ao menos quatro episódios envolvendo o transporte de blocos de granitos já chamaram atenção pela irresponsabilidade neles envolvida:
· Em 07/03, uma carreta que transportava um bloco de granito tombou na BR 101;
· Em 02/03, na BR 262 (após desvio de trajeto para evitar a fiscalização na BR 101), uma carreta foi autuada (em mais de R$ 18 mil) e retida com 42 toneladas em excesso de peso (70% a mais do que o limite de carga – aproximadamente 60 toneladas – permitido para o veículo que realizava o transporte do bloco de granito). A carga pesava 102 toneladas no total;
· Em 27/02, outra carreta tombou, também na BR 101, interditando parcialmente a via e causando ferimentos no motorista que conduzia o bloco de granito;
· Em 28/01, um vídeo mostra um total de 13 carretas (algumas delas com as placas do veículo viradas para impossibilitar sua identificação) em alta velocidade “furando” um desvio feito por funcionários do Dnit na BR 259, destinado a realizar pesagem de veículos.
Todos esses episódios já podem, por si só, serem considerados graves, gerando danos não só para a empresa responsável pelo transporte dos blocos de granito mas também para as empresas que extraíram os referidos blocos. Contudo, é inevitável perceber o quanto tais episódios poderiam ter se sucedido de maneira ainda mais danosa.
Imagine se os referidos blocos de granito tivessem tombado em cima de um veículo de passageiros ou que a sua queda tivesse sido a origem de uma série de colisões entre veículos que também transitavam na via, levando a óbito diversos de seus ocupantes. Imagine ainda que tais veículos se tratassem de ambulâncias transportando pacientes já em estado crítico ou que se tratassem veículos destinado ao transporte de vários passageiros (potencializando o número de possíveis vítimas).
Talvez nesse ponto, se levante o argumento de que esta última hipótese seja fruto de um olhar por demais pessimista ou que a probabilidade da conjunção de todos estes fatores seja praticamente impossível de ocorrer na realidade. Infelizmente, tal conjuntura já se materializou em duas oportunidades no ano de 2017.
Em junho, uma carreta (sem a manutenção devida e com excesso de carga) que transportava um bloco de granito se envolveu em um acidente com dois ônibus e duas ambulâncias na BR 101, deixando 23 mortos. Menos de três meses depois, após uma colisão, as chapas de granito transportadas por um dos veículos cederam na lateral de um micro-ônibus, levando 11 pessoas a óbito.
Além da perda suportada diretamente pelo patrimônio da empresa em razão das eventuais sanções cíveis, administrativas e criminais aplicáveis aos cenários narrados, existe um dano indireto, que pode importar em perdas ainda maiores para a organização, o dano reputacional.
É praxe no setor a inserção da logomarca das empresas extratoras de rochas ornamentais, como o mármore e o granito, em seus materiais (especialmente se destinados à exportação), de forma que os compradores e demais indivíduos que tenham acesso ao material saibam qual companhia esteve por trás de todo o processo produtivo para a inserção de um material de qualidade no mercado.
Agora, imagine que os blocos de granito nos episódios trazidos estivessem identificados com a marca da empresa que os produziu. Como os stakeholders (partes interessadas) encarariam o fato de um bloco de granito pertencente a determinada empresa estar impedindo a execução das mais diversas atividades econômicas ao obstar o trânsito de uma rodovia federal?
Ou como encarariam o fato dos materiais dessa empresa estarem entre os transportados pelas carretas que “furaram” um desvio destinado à pesagem de suas cargas, pondo em risco a vida de diversas autoridades públicas no processo e tendo toda a ação sido gravada em um vídeo e repercutido nas mídias nacionais?
Ou ainda, como encarariam o fato de o tombamento dos blocos transportados terem importado no óbito de vários indivíduos que transitavam pela mesma rodovia no momento da queda do material? Me arrisco a dizer que certamente os interessados no negócio não encarariam os cenários narrados de uma forma positiva.
O dano reputacional nessas situações se torna inevitável e, por seu caráter intangível, representa uma lesão de proporções incalculáveis para a companhia. Negócios são perdidos, clientes de décadas cessam relações com a companhia envolvida, marcas que passaram anos construindo uma imagem responsável se veem em instantes atreladas à prática de ilegalidades, à mortes.
Como o apontado, o dano reputacional nesses episódios se torna inevitável. Mas existe uma prática rotineira nos Programas de Compliance capaz de auxiliar a prevenir sua ocorrência: trata-se da Due Diligence, ou devida diligência, de terceiros.
Realmente conhecer o terceiro que vai transportar seu material (especialmente se o peso deste representar um grande montante) é essencial para mitigar os riscos de ver uma marca construída com tanto zelo ter sua reputação perdidas em instantes.
Os veículos são adequados e o condutores possuem o licenciamento correto (e em período de validade) para executar o transporte da carga contratado? Qual é o histórico de infrações de trânsito dos condutores da empresa e da própria empresa? A empresa figura em alguma demanda judicial relacionada ao serviço que executa? Os veículos utilizados na atividade têm sua manutenção realizada de forma devida e periódica? E, os preços contratados correspondem aos cobrados em média no mercado? São algumas perguntas que podem auxiliar nesse processo, necessário, de Due Diligence de terceiros.
“It takes 20 years to build a reputation and 5 minutes to ruin it”, Warren Buffet
André H. Paris é Advogado Associado e Consultor de Compliance do Peter Filho, Sodré & Rebouças – Advogados. É mestrando em Direito Processual (UFES), pós-graduado em Ciências Penais e com LL.M em Direito Societário em curso.