Inteligência não é sinônimo de conhecimento ou erudição. Segundo a descrição de Caldas Aulete do verbete inteligência no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, inteligência é a faculdade de entender, de compreender, de conhecer. Logo, qualquer discussão sobre data analytics e inteligência artificial é uma proposição operacional e instrumental, principalmente na sua correlação com o big data, ou conhecimento ou informação bruta, a partir da analogia com a ideia de inteligência como um conceito instrumental.
Vale dizer que a mera sobreposição ou reunião de dados de nada servirá ao seu possuidor se não existir um trabalho de entendimento, compreensão e apreensão destes dados, ou seja, de sua inteligência, visto que a reunião de informação por si só é mero conhecimento e não indica efetividade. Daí a função e atuação de data analytics e nosso primeiro passo neste artigo – nos debruçarmos sobre seus elementos a saber: (a) arquitetura de dados, (b) plataforma, (c) integração de dados, (d) ciência de dados, (e) visualização de dados e (f) estratégia da informação.
De posse dos elementos passamos, no segundo tópico, a tratar dos desafios para integração dos desses elementos e sua efetiva aplicação no ambiente corporativo, inclusive com auxílio de inteligência artificial, abordando as especificidades para sua aplicação a programas de monitoramento e sua correlação com a governança corporativa.
Superados os desafios, o terceiro tópico do presente artigo discorre sobre as vantagens da aplicação de data analytics para monitoramento dos programas de compliance e sua repercussão para as três linhas de defesa da empresa, bem como da constituição de massa crítica para outras aplicações, tais como investigações internas, vanguarda comercial e responsabilidade ética.
É de se ressaltar que o monitoramento cumpre função primordial para a instrumentalização da efetividade do programa de compliance, pois a mera existência de políticas, manuais e treinamentos não garantem sucesso ao programa e tampouco servem para eventual utilização junto a órgãos governamentais (vide Portaria CGU nº 909/2015 e o Evaluation of corporate compliance programs do U.S. Department of Justice).
Por fim, a conclusão do artigo oferece um balanço sobre a aplicação do data analytics no ambiente corporativo, abordando sua aplicação a programas de monitoramento e sua importância para a inteligência da empresa, a sua repercussão para processos decisórios, avaliação de riscos e, finalmente, a evolução desse conhecimento na própria organização.
Os elementos do data analytics
A função e atuação de data analytics será abordada sobre os seis pilares necessários para conseguir implementá-lo de maneira eficiente nas organizações, indicados a seguir.
(a) Arquitetura de dados: sendo este o primeiro pilar, é composta de modelos, políticas, regras ou padrões que regem quais dados são coletados e como são armazenados, organizados, integrados e colocados em uso nos sistemas de dados, incluindo o design, criação e gerenciamento da infraestrutura de dados como parte das análises de dados.
(b) Visualização de dados: é a comunicação de insights para impulsionar a tomada de decisões e ações, a fim de apoiar as pessoas a entender o significado destes dados, colocando-os em um contexto visual. Desta forma, o processo realizado inicia-se com a extração de conhecimentos relevantes para o negócio, usando uma variedade de ferramentas e métodos com origem nas ciências estatísticas, ciência da computação, econometria, linguística, entre outros, no processo de análise de dados.
(c) Plataforma de dados: é a forma de criar, suportar, manter e monitorar a infraestrutura de dados (seja ela local ou em nuvem) para a entrega de dados analíticos.
(d) Integração de dados: é a forma de extrair e transformar o carregamento de dados de diferentes fontes de uma forma que seja consumível pelos processos analíticos.
(e) Estratégia de informação: é o desenvolvimento de uma estratégia abrangente de dados e análises que atenda aos objetivos de negócios, incluindo o estabelecimento de modelos, políticas, regras e padrões.
(f) Inteligência artificial: é a forma de usar ou criar sistemas ou modelos que percebam ou deduzam informações, mantendo-o como conhecimento e aplicando-o à tomada de decisões, sendo um amplo campo que abrange uma gama variada de tecnologias úteis para a construção de tais modelos.
Os desafios de integração dos elementos de data analytics
No aspecto de tecnologia da informação, um dos maiores obstáculos para a aplicação de data analytics e inteligência artificial em processos de compliance, sejam eles investigativos, preventivos ou até mesmo preditivos, são os inúmeros sistemas de gestão de informações (ERPs) existentes nas organizações. Esta grande variedade de softwares e a constante atualização dos mesmos implica em diferentes estruturas de dados para cada tipo de informação armazenada, uma vez que não existe um padrão que defina um modelo fixo a ser seguido para o armazenamento destes dados.
Esta ausência de padronização resulta em iniciativas descentralizadas, por parte dos fornecedores e clientes de cada sistema, para o desenvolvimento das ferramentas de monitoramento de programas de compliance.
Adicionalmente, a escassez de uma estrutura comum entre os sistemas ERP interfere nas possíveis variáveis que poderiam ser selecionadas para fórmulas de cálculo de risco e criação de indicadores para a parametrização dos modelos corretivos, preventivos ou preditivos, e aplicação de técnicas de inteligência artificial.
O cenário ideal seria um universo onde todas os fornecedores de sistemas seguissem um padrão internacional para estruturação e arquitetura do armazenamento das informações. Entretanto, alcançar este cenário é muito improvável no curto e médio prazo dada a magnitude das alterações necessárias para adequação dos sistemas.
Desta maneira, uma das possíveis soluções para a criação de uma ferramenta de monitoramento contínuo de programas de compliance, que atenda ao menos uma parcela significativa das empresas, seria a criação de um ambiente controlado (repositório) que possua uma estruturação de dados padronizada e sólida com modelos preditivos e técnicas de machine learning já preparados e configurados especificamente para esta arquitetura. Ainda assim, o desafio para obter a integração é a criação de um mapeamento de dados entre os sistemas de cada empresa e o ambiente controlado.
Por fim vale ressaltar que a criação e constante manutenção deste novo ambiente depende principalmente de uma equipe altamente diversificada, que consistiria de profissionais com conhecimento em regras de negócios relacionados à compliance, além de profissionais de TI especialistas em infraestrutura de dados, segurança da informação, data analytics, business intelligence, machine learning e, também, com conhecimento técnico nos mais diversos sistemas de ERPs.
As vantagens da aplicação do data analytics
A dificuldade para a utilização de data analytics como ferramenta de monitoramento para as áreas de controle (três linhas de defesa) de uma organização muitas vezes está em iniciar esta jornada. Alguns obstáculos dificultam o progresso, como por exemplo, restrições de equipe e profissionais com o viés necessário, baixo orçamento, dificuldades no mapeamento dos sistemas e dados, bem como o restrito conhecimento, por parte da alta gestão, dos benefícios que tais análises podem oferecer de competitividade para os negócios de suas organizações.
Como ponto de partida os gestores das áreas de controle precisam reconhecer a necessidade da utilização de análise de dados nas suas estruturas, realizar movimentos internos expandindo o conhecimento de recursos para que os membros dos times tenham a real compreensão dos possíveis insights de negócio que conseguem obter utilizando tais recursos e aos poucos demonstrar para organização, mesmo que, de forma modesta, o ganho na utilização de data analytics nos trabalhos realizados.
Após os primeiros passos, deve-se consolidar uma célula dedicada de data analytics nos times de controle utilizando especialistas para liderar e amadurecer o conceito na organização, mas, não podemos ser ingênuos e tentar encontrar todos os conhecimentos necessários em um único profissional, sendo necessário a criação de uma equipe.
Com a consolidação das células nas áreas de controle inicia-se a quebra das limitações identificadas no passado, ampliando os acessos dos dados dos sistemas e aumentando de forma significativa a qualidade das informações analisadas em todas as etapas do processo (identificação, extração, processamento e entrega).
Como todo e qualquer processo, conforme o amadurecimento vai sendo percorrido, inicia-se a incorporação de ferramentas, novas fontes de dados (internas e externas), aumento do uso de data analytics nas análises e tomadas de decisões nas atividades executadas pelas áreas. Concomitantemente inicia-se o processo de monitoramento/auditoria contínua nos processos operacionais, nas informações utilizadas pelas lideranças, monitoramento de indicadores de fraudes e muitas vezes desenvolvendo painéis (dashboards/cockpits) com informações em tempo real dos riscos da organização.
Conclusão
A partir do que foi dito, podemos afirmar que estamos vivenciando o momento que as organizações estão se tornando cada vez mais digitais e orientadas por dados nas tomadas de decisões estratégicas. Logo, as áreas de controle necessitam acompanhar esse movimento, pois existe toda uma jornada a ser percorrida, permeada pelo dinamismo inerente ao avanço de tecnologias e pelas novas regras de negócio nas organizações.
Como podemos observar são muitos os desafios referentes ao tema data analytics e a sua aplicação nos ambientes corporativos. Face a diversidade tecnológica, de sistemas de gestão e do grande volume de dados, a metodologia é um divisor de águas quando pensamos em seu uso quanto ao monitoramento e avaliação de cenários complexos e seus riscos associados respectivamente, impactando diretamente no processo decisório a partir de modelos preditivos de inteligência empresarial.
Assim, a cultura do data analytics e a sua aplicabilidade mostra-se uma vantagem competitiva, uma vez que os dados transacionados em ambientes com padrões e/ou estruturas distintas aumentam o grau de dificuldade para aprendizado de insights para o negócio, o que induz as organizações a aumentarem seus níveis de maturidade em como tomar decisões, a partir desses cenários de dados caóticos e desorganizados, onde ao invés de decisões empíricas e individualizadas, estas sejam baseadas em ambientes maduros e de dados estruturados, continuamente melhorados a partir de decisões resultantes de sistemas com mecanismos de inteligência artificial.
Por fim, o data analytics, bem como sua aplicação nas organizações, é uma realidade que não tem volta, empresas que tenham seus ambientes, riscos e controles monitorados e/ou auditados continuamente a partir de modelos preditivos e baseados em inteligência artificial (para que possam aprender com padrões e comportamentos dos resultados de decisões tomadas pelas pessoas envolvidas em seus processos), estarão na vanguarda do seu segmento de atuação minimizando perdas e maximizando resultados que podem ser revertidos ao negócio (insights), tanto pela sustentabilidade quanto pela responsabilidade ética dos indivíduos envolvidos, promovendo assim a continuidade mais eficiente e promissora das organizações.
Autores: Paulo Baldin, Murilo Mancini, Paulo Manoel e Fernando Iwamoto da EY, e Vladimir Queiroz da Rede Marista, Daniel Almeida Stein do Barros Pimentel Advogados.
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Imagem Freepik