Com dinheiro e oportunidades de negócios cada vez mais espalhadas pelo mundo, a indústria de fundos de hedge e de private equity tem atuado de forma cada vez mais global, tanto na captação de recursos quanto na realização de investimentos.
Por isso, o nível de sua exposição aos riscos de corrupção também cresceram. Os reguladores norte-americanos, SEC (regulador do mercado de capitais) à frente, têm alertado já faz algum tempo para o fato de que a indústria de fundos está em seus radares e que eles deveriam atentar mais e mais para a adequação dos negócios a regras como o FCPA, a legislação anticorrupção internacional do país.
Mas, a verdade é que até bem pouco tempo, esse não foi um setor fortemente afetado pelos enforcements do governo norte-americano. “Devido à escassez histórica de ações efetivas de execução no setor, muitos na indústria pareciam ter adotado uma abordagem de ‘esperar e ver’”, diz um recente relatório da empresa de análise de riscos Kroll, assinado por Robert Huff , diretor-gerente e Bryan Hiller, executivo de desenvolvimento de negócios para América do Norte da empresa.
O cenário parece ter mudado de vez no final de 2016, quando a Oz Management, uma gestora de investimentos com US$ 32 bilhões de ativos sob gestão, foi acusada de violações ao FCPA e teve que pagar mais de US$ 400 milhões em multas.
“A inação (na prevenção e combate à corrupção internacional) por fundos privados não é mais uma opção viável. À medida que as empresas de fundos privados continuam a globalizar suas oportunidades de negócios, elas estão expostas a uma rede cada vez maior de regulamentos anticorrupção”, pontua o relatório da Kroll.
O caso da Oz é apenas a ponta mais visível de um processo que vem se acelerando desde o início da década e que envolve a criação de estruturas mais especializadas por parte dos reguladores. A SEC, por exemplo, criou o Escritório de Cumprimento, Inspeções e Exames, que posteriormente criou sua própria Unidade de Fundos Privados, em 2012, voltada para a análise mais aprofundada das operações de fundos e das empresas que compõe o seu portfólio.
Não surpreendentemente, a unidade da SEC funciona em conjunto com as divisões de fraude criminal do Departamento de Justiça (DOJ). Em 2016, a SEC concluiu uma investigação de cinco anos sobre as alegações de que uma divisão do Oz Management havia violado o FCPA usando agentes e parceiros de negócios para pagar milhões de dólares em subornos a funcionários públicos em países africanos, para que esses funcionários direcionassem fundos governamentais soberanos para investir nos fundos geridos pela Oz, que acabou se convertendo na primeira gestora de fundos de hedge a ser punida por violar o FCPA.
Para resolver o caso, o fundo assinou um acordo com os dois reguladores no qual aceitou pagar US$ 213 milhões ao DoJ, por conta das acusações criminais, outros US$ 200 milhões para resolver a questão na esfera cível com a SEC, além de ter que contratar um monitor de conformidade e continuar a cooperar com a investigação em curso na Justiça. Paralelamente, o CEO da Oz concordou em pagar US$ 2,2 milhões sem admitir qualquer irregularidade, para resolver acusações com a SEC em relação a sua falha em atender avisos de sua equipe legal.
Os fundos soberanos, constituídos para gerir recursos investimentos de nações, representam, de acordo com a Kroll, o tipo de investimento que mais aparece no radar dos reguladores. Tanto a SEC como o DOJ consideram que os fundos soberanos são empresas estatais e seus oficiais e funcionários estão sob a égide do FCPA. Dada a natureza desses investimentos, os fundos privados quase sempre dependem da participação de terceiros para ajudá-los a navegar por indústrias de alto risco e locais nos quais esses investimentos soberanos são mais prováveis.
“Deve-se notar que a SEC e o DOJ têm investigado os relacionamentos de vários fundos privados com investidores não governamentais dos EUA desde 2011, com ênfase no uso de agentes intermediários e consultores para solicitar negócios”, explica o relatório da Kroll. Em 2015, funcionários de um fundo americano se declararam culpados de violar o FCPA por esforços para garantir o comércio de títulos de um banco de desenvolvimento de propriedade do governo venezuelano.
Os funcionários foram multados entre US$ 2,7 milhões e US$ 18,5 milhões e e pegaram penas de prisão variando de dois a quatro anos.
Responsabilidade mesmo quando minoritário
Quando um fundo privado adquire uma participação em uma empresa estrangeira, ainda que ela seja minoritária, ele já pode ser responsabilizado por violações ao FCPA cometidas por essa empresa, mesmo que tenham sido cometidas antes da aquisição. Isso aumenta e muito os riscos dos fundos de private equity, que podem ter empresas no seu portfólio que fazem negócios em indústrias e jurisdições onde a corrupção é mais comum.
“A SEC e o DOJ, individual e coletivamente, estão focados em investigar organizações do mercado de fundos a qualquer suspeita de violações do FCPA”, diz o relatório, que lembra que os riscos de conformidade, nesses casos, além do FCPA, incluem todo um leque de leis anticorrupção que estão sendo aplicadas por reguladores em todo o mundo.
Reportagem publicada originalmente na edição #20 da Revista LEC.