Embora não existam evidências científicas conclusivas que comprovem, com dados empíricos diretos, que empresas com colaboradores mais felizes apresentem necessariamente menores índices de fraude, corrupção ou condutas inadequadas, estudos acadêmicos em psicologia organizacional e comportamento humano sugerem uma forte correlação entre bem-estar subjetivo e propensão a comportamentos éticos.
Esses estudos, baseados em análises teóricas e experimentais com indivíduos, indicam que níveis mais altos de felicidade e bem-estar tendem a reduzir a tolerância a desvios éticos e a aumentar a cooperação e a empatia — fatores que, potencialmente, influenciam a cultura organizacional e os riscos de má conduta.
Um dos principais fundamentos dessa relação é o conceito de bem-estar subjetivo (Diener, 1984), que associa a felicidade à frequência de emoções positivas, à satisfação com a vida e à redução de emoções negativas, que associa a felicidade a experiências frequentes de emoções positivas, satisfação com a vida e baixa prevalência de emoções negativas. Colaboradores que vivenciam altos níveis de bem-estar subjetivo tendem a ser mais colaborativos, menos propensos a comportamentos de risco, fraude ou assédio. Nesse sentido, a felicidade não é apenas um estado emocional passageiro, mas um indicativo da qualidade das relações interpessoais, da motivação intrínseca e da percepção de justiça no ambiente de trabalho.
Estudos como o de Lyubomirsky, King e Diener (2005) demonstram que pessoas mais felizes são, em geral, mais éticas, produtivas e criativas. A explicação psicológica reside no fato de que emoções positivas ampliam a capacidade cognitiva, fortalecem a empatia e aumentam o autocontrole — habilidades essenciais para resistir a pressões por comportamentos antiéticos.
No contexto organizacional, a Teoria dos Dois Fatores de Herzberg (1959) também oferece suporte relevante: ambientes que garantem fatores motivacionais — como reconhecimento, propósito e desenvolvimento pessoal — reduzem a insatisfação e, por consequência, diminuem a probabilidade de comportamentos desviantes. Por outro lado, ambientes tóxicos alimentam frustração, afastamento emocional e maior tolerância a desvios como pequenas fraudes, assédio moral ou transgressões a políticas internas.
Além disso, um estudo de Treviño, Weaver e Reynolds (2006) sobre ética organizacional revela que culturas corporativas que promovem segurança psicológica e bem-estar facilitam a internalização da ética como norma. Nesses contextos, não apenas há maior adesão a comportamentos éticos, como também menor tolerância a desvios — os próprios colaboradores se sentem encorajados a reportar irregularidades.
O State of the Global Workplace 2025, da Gallup, estudo global anual que analisa o engajamento, o bem-estar e as percepções dos trabalhadores em mais de 160 países, trouxe muitos dados e indicadores que oferecem uma visão aprofundada sobre como as pessoas estão se sentindo no trabalho, quais fatores impactam sua produtividade e saúde mental, e o papel fundamental da liderança na construção de ambientes mais humanos, motivadores e sustentáveis. Dentre eles destacamos:
- O engajamento dos colaboradores ainda é baixo, mas faz toda a diferença: apenas 23% dos trabalhadores no mundo estão engajados — ou seja, realmente envolvidos e motivados com seu trabalho. No entanto, esse grupo se destaca com 18% mais produtividade, 43% menos rotatividade e 64% menos acidentes de trabalho, segundo o relatório.
- Bem-estar impulsiona resultados: colaboradores que dizem estar “florescendo” (ou seja, com alto bem-estar) têm 66% menos probabilidade de buscar um novo emprego, faltam menos e são mais resilientes. Ainda assim, apenas 34% dos entrevistados globais afirmam estar prosperando em suas vidas atualmente.
- Gestores moldam a experiência do colaborador: o estudo aponta que 70% da variação no engajamento de uma equipe depende diretamente do gestor. Líderes preparados para oferecer reconhecimento, escuta ativa e conversas frequentes são os maiores multiplicadores de engajamento, bem-estar e desempenho.
- Estresse e burnout continuam em alta: em 2024, 41% dos trabalhadores disseram sentir estresse durante grande parte do dia anterior — o mesmo nível recorde do ano anterior. As regiões com os maiores índices são América Latina, América do Norte e Sul da Ásia, indicando um risco contínuo à saúde mental.
- Desengajamento silencioso afeta a maioria: a maior parte dos trabalhadores está na categoria “não engajado”, que representa 62% da força de trabalho global. Esse grupo tende a fazer apenas o mínimo necessário e está mais propenso ao chamado quiet quitting — demissões silenciosas em que o colaborador “desliga” emocionalmente do trabalho sem sair da empresa.
Em síntese, a equação é simples e empiricamente sustentada: quanto mais valorizado, respeitado e integrado o colaborador se sente, maior é seu senso de pertencimento, produtividade, inovação e engajamento; bem como é menor é sua inclinação a adotar comportamentos antiéticos. Ambientes que promovem o bem-estar psicológico reduzem a rotatividade, fortalecem a cultura organizacional e diminuem significativamente a incidência de fraudes, assédio e má conduta.
Além de fortalecer a cultura ética e promover um ambiente mais saudável, o investimento em bem-estar e integridade gera impacto direto na redução de custos corporativos. Ambientes que cultivam respeito, escuta ativa, reconhecimento e segurança psicológica tendem a registrar menos denúncias complexas, menor incidência de conflitos trabalhistas, e menores gastos com investigações internas, ações judiciais e processos de desligamento. Prevenir comportamentos inadequados por meio da gestão de cultura e clima organizacional é, portanto, não apenas uma escolha estratégica, mas uma medida de eficiência operacional e proteção reputacional.
Diante dessas evidências, cabe ao Compliance Officer, em parceria com a liderança e o RH, adotar um papel ativo na construção de um ambiente que estimule o bem-estar e a integridade. Não basta elaborar códigos e políticas: é necessário criar condições reais para que as pessoas se sintam seguras, motivadas e reconhecidas.
A seguir, algumas estratégias práticas para transformar esse conhecimento em ação e mitigar riscos comportamentais nas organizações:
- Programas de Reconhecimento e Valorização
Estabeleça políticas claras de reconhecimento que celebrem não apenas resultados, mas também atitudes éticas, colaboração e empatia no dia a dia. Acompanhe e analise percepções, turnover e níveis de energia dos times para agir preventivamente. O reconhecimento é um dos maiores preditores de engajamento, e pode ser feito de forma simples, frequente e personalizada.
- Escuta Ativa e Comunicação Não Violenta
Promova treinamentos contínuos sobre escuta empática, comunicação assertiva e feedback construtivo, fortalecendo relações baseadas em respeito. Converse com os funcionários toda semana. O estudo mostra que check-ins regulares, mesmo curtos, aumentam o engajamento e reduzem o estresse.
- Clima Organizacional com Foco em Felicidade e Segurança Psicológica
Inclua indicadores de bem-estar e segurança psicológica nas pesquisas de clima e auditorias de compliance para monitorar riscos humanos de forma preventiva. Foque no bem-estar integral, não só físico. Iniciativas de saúde mental, propósito, segurança psicológica e equilíbrio vida-trabalho são tão importantes quanto benefícios tradicionais.
- Espaços e Práticas de Autocuidado
Incentive ações como mindfulness, pausas conscientes, apoio psicológico e atividades físicas, promovendo equilíbrio emocional e saúde mental.
- Ética no Cotidiano
Realize workshops, rodas de conversa e discussões sobre dilemas reais, tratando a ética como parte da cultura e não apenas como obrigação normativa.
- Liderança com Exemplos Éticos
Assegure que os líderes pratiquem a ética, o respeito e o reconhecimento de forma visível e consistente, influenciando positivamente suas equipes. Treine e desenvolva seus gestores. Invista em programas de capacitação em liderança que priorizem a escuta ativa, reconhecimento e feedback frequente.
- Canais de Comunicação Humanizados
Implemente canais acessíveis e confiáveis com o time de compliance, adotando uma postura de acolhimento e diálogo aberto com os colaboradores.
- Alinhamento com Diversidade, Inclusão e Pertencimento
Integre o compliance a programas de diversidade e inclusão, reconhecendo que ambientes diversos e emocionalmente seguros reduzem conflitos e comportamentos desviantes.
Ao implementar essas ações, o Compliance Officer se posiciona como um facilitador da cultura de integridade, contribuindo não apenas para a prevenção de riscos, mas para o fortalecimento de um ambiente de trabalho mais saudável, seguro e ético.
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Artigo por Cátia Veloso – palestrante, escritora e sócia fundadora da MariaQuitéria Consultoria (www.mariaquiteria.net)
Referências
- Diener, E. (1984). Subjective well-being. Psychological Bulletin, 95(3), 542–575.
- Lyubomirsky, S., King, L., & Diener, E. (2005). The benefits of frequent positive affect: Does happiness lead to success? Psychological Bulletin, 131(6), 803–855.
- Herzberg, F. (1959). The Motivation to Work. New York: Wiley.
- Treviño, L. K., Weaver, G. R., & Reynolds, S. J. (2006). Behavioral ethics in organizations: A review. Journal of Management, 32(6), 951–990.
- State of the global workplace: 2025 report. Washington, D.C.: Gallup, 2025. Disponível em: https://www.gallup.com/workplace/349484/state-of-the-global-workplace.aspx. Acesso em: 04 maio 2025.
Imagem: Canva