No mundo corporativo, falamos muito sobre integridade, compliance, ESG, governança, diversidade…
Mas nem sempre falamos sobre o que realmente nos aperta.
Sobre as encruzilhadas.
Sobre os dilemas sem manual.
Quando não dá tempo de parar o ônibus
Aqueles momentos em que a escolha certa não é a mais segura.
Quando não dá tempo de parar o ônibus — e é preciso trocar a roda com ele em movimento.
Às vezes, o dilema ético não vem com placa de “certo” ou “errado”.
Ele vem com pressão.
Com urgência.
Com a vontade de fazer o que é justo… mas com medo de não agradar quem espera outra coisa.
E é aí que o verdadeiro teste acontece.
A cultura é o reflexo de quem a compõe
A conduta empresarial, no fundo, é sempre uma resposta:
à sociedade, ao cliente, ao mercado, ao investidor.
Mas por trás da empresa, sempre há pessoas.
E por trás de cada pessoa… há uma biografia sendo escrita em tempo real.
Toda empresa desenvolve sua cultura a partir dos hábitos de quem a compõe.
E se você faz parte dessa engrenagem, é impossível fugir da pergunta:
qual parte sua ainda alimenta o que você critica?
Liderança que evita desconforto perde a chance de deixar legado
Transformar uma cultura não começa com um vídeo bonito.
Começa com entendimento.
Com coragem.
Com a disposição de olhar para o todo — e para si mesmo — com honestidade.
Será que as pessoas sabem onde estão dentro da cadeia de valor?
Será que a liderança tem clareza de que nem sempre vai agradar a todos?
Porque um líder que tenta ficar bem com todos não lidera. Apenas sobrevive.
E perde a oportunidade de deixar marcas que fazem sentido.
Sem pioneirismo, não há transformação
Na vida real, quem cumpre missão estratégica não foge de decisões difíceis.
Quem transforma, em geral, é quem tem coragem de sustentar o silêncio no início, a crítica no meio e o reconhecimento — às vezes — só no fim.
Não existe transformação sem pioneirismo.
E o pioneirismo, quase sempre, traz estranhamento.
Mas é ele que cria jurisprudência.
É ele que inaugura o novo.
É ele que modula o sistema para que a ética não seja exceção — mas regra.
Onde aprendi tudo isso? No chão de fábrica.
Eu aprendi isso não na teoria, mas na prática.
Na linha de frente.
Dentro de uma fábrica estatal que simbolizava soberania nacional — a NUCLEP.
Ali, entrei como estagiária e vivi o privilégio de participar de um ciclo de reconstrução institucional.
Ali, entendi que o que sustenta um projeto não é apenas técnica — é consciência.
É saber quem você é.
E ser essa pessoa mesmo quando a pressão pede o contrário.
Isso aqui é biografia
Tive o privilégio de conviver com um líder que me ensinava sobre estratégia geopolítica entre uma assinatura e outra:
“Você não está fazendo currículo. Está fazendo parte da história. Isso aqui é biografia.”
O presidente Jaimao.
Hoje entendo o peso dessa frase.
Porque biografia não se escreve com títulos.
Se escreve com postura.
E no fim, o que fica mesmo… são as digitais.
Não as digitais no crachá.
Mas as digitais na cultura.
Na coragem de tomar decisões impopulares.
Na ousadia de liderar quando ninguém mais quer o bastão.
Estratégia em papel timbrado
Lembro dele dizendo, com aquele tom firme de Bagé, enquanto discutíamos a assinatura do primeiro contrato de fabricação dos cascos dos submarinos do Prosub:
“Você sabe quantos países têm submarinos com propulsão nuclear?
Sabe quais são esses países?
São exatamente os mesmos que têm assento cativo no Conselho de Segurança da ONU.
Você tem ideia do que isso representa para o Brasil?”
Era mais do que um contrato.
Era soberania em papel timbrado.
Era a estratégia nacional tomando forma.
E ali, naquele momento, eu entendi:
há decisões que exigem consciência do tempo, da história, da nação.
Todo lugar tem sua NUCLEP
Nunca esqueci.
Na época, nossa missão era garantir a perenidade de uma empresa que simbolizava soberania nacional.
Vi a transformação acontecer.
Vi pessoas se levantarem. Vi concursos, projetos, contratos, alianças estratégicas —
e vi, principalmente, que tudo isso só foi possível porque alguém ousou agir com consciência, visão e coragem.
E se eu compartilho isso hoje, não é para contar apenas uma experiência pessoal.
É para lembrar que todo lugar tem sua NUCLEP.
Todo profissional pode, em alguma medida, sustentar ou sabotar o legado que está sendo construído.
Você pode ser esse alguém.
Com suas escolhas.
Com suas pequenas posturas.
Com o jeito como você reage, propõe, lidera — mesmo que ninguém veja.
As digitais que ficam
Porque no fim do dia, o que fica não é a meta batida nem o bônus do trimestre.
O que fica são as digitais.
Aquelas que marcam a cultura, o ambiente, o que é tolerado — e o que nunca mais deveria ser.
Que você tenha coragem de deixar boas digitais por onde passar.
Que a sua ética não seja apenas uma resposta ao caos.
Mas a firmeza de quem sabe o que está fazendo,
e por que escolheu seguir mesmo quando o caminho apertou.
Porque, no fim do dia, o que sustenta a missão de uma empresa —
não é o que ela vende.
É o que ela acredita.
E quem são as pessoas que têm coragem de honrar isso, na prática.
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