Em certa medida, a adoção de modelos de negócios mais modernos e conscientes, bem como a construção da sustentabilidade empresarial plena, é uma decisão (“livre”) de cada organização, mas já não se pode negar a influência de fenômenos importantes, que também impactam a decisão e fortalecem esse movimento, como as pressões de investidores, executivos e colaboradores, parceiros comerciais, consumidores, mídia e sociedade em geral.
Nesse contexto, cabe-nos provocar, neste breve artigo, uma reflexão pouco presente acerca da sustentabilidade e do ESG no tocante a sua influência sobre a concorrência e os mercados, uma vez que se algumas empresas são mais conscientes e responsáveis do que outras, mudam e melhoram processos e práticas e, por vezes (inclusive), realizam investimentos para atualizar e modernizar as suas decisões e operações, ao passo em que outras nada fazem nesse sentido, podem surgir (ao menos) duas categorias de organizações, pois as “não conscientes” podem vir a oferecer preços artificialmente baixos.
Defendemos que será necessário que o mundo corporativo passe a considerar não apenas os números, mas também, os fundamentos das formações de custos e de preços das organizações, pois teremos que admitir que algumas organizações consigam custos menores e, com isso, melhores preços por efetiva melhoria em seus processos, e por ganhos estratégicos e melhoria de gestão, bem como por inovação (dentre outros fatores), mas que outras organizações talvez consigam custos e preços menores de forma artificial e não sustentável.
Os critérios de “tomada de preços” e de compras tendem a mudar, pois já não se espera que a escolha de fornecedores seja baseada apenas nos “melhores preços”, sem que se avalie efetivamente a qualidade em sua forma mais ampla, e os fundamentos que levam as organizações a terem preços diferentes.
Diversos serviços e produtos, bem como negócios, já não são possíveis na sociedade contemporânea, assim como práticas que se baseiam na falta de cuidado com o meio ambiente e as pessoas, e não podemos seguir aceitando organizações e negócios que gerem impactos negativos e que, com isso, pratiquem preços “irreais”.
Quem defende o mercado e a livre concorrência, certamente também defende a liberdade, mas precisamos incluir um novo fator de “fair play” nesse contexto, para que não tenhamos concorrência “desleal” ou “indevida”.
Acompanhamos, de perto e com alegria, o grande movimento mundial em defesa do meio ambiente e da redução dos impactos negativos das operações das organizações em toda a sociedade, da melhoria das condições de vida de grande parte da população que efetivamente precisa de ajuda, e de luta pelo reconhecimento das empresas de seu papel na construção de uma sociedade melhor. Ocorre, porém, que existem, também, críticos dessa modernização de conceitos, de organizações e de processos, e, alguns deles, podem estar atacando o ESG em função de suas próprias práticas insustentáveis.
Os consumidores, parceiros comerciais e colaboradores dessas empresas já estão avaliando “tudo isso”, mas defendemos que ao menos em alguns aspectos as autoridades também “estejam de olho”, como no caso da defesa da concorrência.
Alguns segmentos e setores já perceberam que a sustentabilidade é necessária e que, inclusive, fortalece as organizações, tornando-as melhores, ao passo em que, de outro lado, infelizmente, ainda existem os que se acostumaram a modelos mais antigos e, por vezes, já ultrapassados (e insustentáveis) de negócios e de gestão – razão pela qual a “caminhada” ainda será longa.
Nem todos percebem, por exemplo, que decisões e práticas antigas, ultrapassada e erradas, já não criam valor e, ao contrário, destroem valor, afetando negativamente suas operações ao longo do tempo, uma vez que perdem a chance de evitar acidentes, de perder colaboradores, de perder investimentos, de perder parceiros, de serem multadas, de terem sua imagem afetada negativamente etc.
Ou seja, diversos dos negócios e das práticas “reinantes” no Século XX, já não são viáveis e nem aceitáveis, pois não apenas destroem o meio ambiente e tratam mal as pessoas, como destroem valor – e, com o tempo, destroem o negócio e a empresa.
O Brasil tem como princípio (e estampa, inclusive, e nossa Constituição Federal), a liberdade econômica e a livre iniciativa, e tem forte compromisso com a livre concorrência, mas será mesmo que o direito e as autoridades concorrenciais não se devem ocupar desse tema e propor ajustes e limites?
Seria justo que, nos diversos mercados, passemos a ter empresas “premiadas” por terem uma certa autorização para seguir com custos e preços artificialmente baixos, às custas de práticas insustentáveis?
Por outro lado, à medida em que se aplaude as organizações que já se preocupam com a sustentabilidade plena ao longo de toda a cadeia produtiva, e incentivam seus parceiros a igualmente adotarem melhores práticas, torna-se importante avaliar os aspectos concorrenciais desses incentivos e “pressões” por melhores práticas, para que não se confunda esse incentivo positivo com eventuais abusos.
Basta acompanhar os grandes eventos e encontros políticos, econômicos e corporativos do ano (nacionais e internacionais), e observar que todos abordam a temática ESG e a urgência na atualização dos modelos de negócios, que passem a considerar efetivamente a sustentabilidade, a despeito das dificuldades e desafios. Mas (nesses eventos e foros) não vemos grandes debates no tocante aos mercados e à concorrência.
Os investidores se mostram cada vez mais preocupados com investimentos melhores e com o seu relacionamento com operações e projetos que não sejam “fogo de palha”, que sejam realmente mais rentáveis ao longo do tempo, por serem mais sustentáveis, evitando negócios que já são inviáveis, que tendem a desaparecer e que tenham impacto negativo no meio ambiente, nas pessoas e no Planeta, mas defendemos a ampliação dos grandes debates, para que todos os aspectos e campos sejam considerados.
Precisamos de empresas melhores, que tomem decisões e efetuem movimentos melhores, seja em suas próprias operações, seja na escolha de seus parceiros, orientando melhor suas equipes de compras/supply para que efetivamente consigam melhores insumos e fornecedores (e não apenas preços mais baixos, que muitas vezes são conseguidos às custas de sérios problemas sociais e ambientais)
Ainda que nem todos os empresários e executivos tenham percebido a força, a importância e a urgência de adotar práticas e medidas mais sustentáveis, que melhorem seus processos de tomada de decisão e a ajudem a construir empresas efetivamente melhores, o tema é o principal pilar do universo corporativo da atualidade.
Acreditamos (e esperamos) que em breve ocorra com o ESG o mesmo que aconteceu nos anos 1990 com a governança corporativa e com o “compliance”, que levaram anos para serem percebidos por parte do empresariado como conceitos, programas e ferramentas fundamentais, para que as empresas pudessem ser melhores, mais sólidas, mais fortes, e mais rentáveis.
Atualmente observamos que grande parte das empresas admite que ainda não está madura no tocante ao compliance e a governança, e que precisa melhorar muito, mas já não se vê empresários e empresas sérios que sejam efetivamente contra as melhores práticas. É uma evolução importante, tanto das organizações como da sociedade.
Costumamos dizer também que o ESG é um caminho sem volta e que tende a se fortalecer de forma constante, pois temos (e teremos) apenas 3 (três) cenários organizacionais nos próximos anos: (i) empresas que são mais conscientes, e que já adotam (ou logo adotarão) programas sólidos e estruturados de sustentabilidade plena; (ii) empresas que serão forçadas a adotar práticas melhores, por seus investidores, seus colaboradores, seus executivos, seus parceiros e seus consumidores – ou ainda pela legislação e pela regulação (nacional e internacional); e (iii) as empresas que serão constrangidas a se ocupar do tema, sob pena de serem colocadas totalmente de lado. Que tenhamos cada vez mais a prevalência da consciência.
Deixamos uma grande questão: nesse (novo) cenário corporativo, como lidaremos com a questão do ponto de vista concorrencial? Será ela mera observadora ou ocupará o seu espaço na defesa de mercados mais maduros e modernos?
Em alguns países já se percebe a chegada de leis, regulamentos e diretrizes, bem como decisões judiciais, que norteiam as atitudes das empresas que neles operam (ou que com eles se relacionam) e, algumas delas, já tendem a produzir efeitos no nosso País.
Em termos legislativos e regulatórios o Brasil ainda se mostra bastante tímido no tocante ao ESG e aos seus pilares, praticamente deixando que os mercados se auto-regulem nesse aspecto, o que não é de todo ruim, à medida em que a base do tema é a consciência das organizações e não as leis que as “obrigam” a seguir este ou aquele caminho. Torna-se importante, com isso, encontrarmos o “equilíbrio”, entre a consciência, a auto-regulação, a regulação e a legislação.
Neste ano, por exemplo, observamos movimentos importantes da CVM, da B3 e do IBGC ao abraçarem diversos aspectos da sustentabilidade, seja em seus regulamentos e códigos, seja no combate ao “greenwashing”, mas ainda não vemos fortes movimentos das diversas agências reguladoras. Os avanços estão chegando, mas será que estão no ritmo, no tom e na amplitude que de fato ajudem o Brasil a se modernizar empresarialmente?
O Estado tem e precisa exercer o poder-dever de induzir comportamentos, apontar caminhos e coibir abusos, estabelecendo limites e fiscalizando, mas defendemos que o ESG engloba pilares que focam na construção da sustentabilidade plena baseada em maior consciência das organizações e “vai bem além” do que “apenas cumprir a lei”.
Assim, como ficamos, então, no aspecto concorrencial e na defesa dos mercados e do “fair play” corporativo? Devemos movimentar o legislativo, o CADE e o direito da concorrência para que passem a considerar o fato ESG, ou devemos deixar os mercados totalmente livres?
Sigamos acompanhando o tema, os movimentos dos mercados, as autoridades e agências reguladoras e o aumento da consciência das organizações.
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