Com base no último censo do IBGE¹, divulgado em novembro de 2022, a expectativa de vida dos brasileiros ultrapassa aos 77 anos, e a regra social então existente de que os postos de trabalho seriam migrados dos mais velhos aos mais novos já há alguns anos deixou de ser válida. Assim, há um novo cenário de maior convivência e interação entre as gerações nos ambientes corporativos, tornando esse um elemento de discussão e reflexão para necessária construção e consolidação de uma nova cultura organizacional.
Conflitos e posições divergentes são inerentes a qualquer relação interpessoal, e nas corporações já há algum tempo isso deixou de ser encarado como algo que traz tão somente desarmonia, caos e baixa produtividade, passando a algo natural, positivo e muitas vezes esperado em decisões complexas de alto impacto. Há determinadas empresas, dotadas de maior maturidade corporativa nas quais essa interação é apreciada e se pode notar bons resultados. No entanto, essa visão nem sempre é real, em especial em empresas nas quais suas lideranças têm alto apreço ao cargo estampado em seu “crachá” e baixa tolerância a críticas – onde se vê que o molde autocrata do estilo de liderança tem uma clara influência da formação histórica vivida ou herdada de gerações anteriores, quando esse estilo era aceito e por vezes estimulado.
Obviamente não se pode esquivar quanto ao fenômeno do ageísmo e a suas inerentes práticas discriminatórias, mas há um outro fenômeno de até maior impacto e significância – sendo o mote desse artigo – capaz de abalar estruturas corporativas e que envolve os conflitos intergeracionais entre profissionais mais sêniores dotados dos citados traços autocratas de comando e controle e a geração entrante nos escritórios corporativos.
Não se trata de se querer estereotipar as gerações, mas é inegável que temos nas novas gerações traços questionadores, uma maior busca pelo sentido do trabalho, que não tão somente a relação capital-trabalho, o reconhecimento constante e o desapego pelos ambientes que não lhes trazem isto. Por isso não é raro o raso, estereotipado e injustificado discurso de que são preguiçosos, inconsequentes e imediatista, por outro lado, as gerações mais antigas, que até pouco tempo eram em boa parte reconhecidas e enaltecidas pelos resultados conquistados e não pelos meios aplicados, hoje são taxadas de ultrapassados, presunçosos e que se “penduram” no cargo e não na própria competência, para impor autoridade e manter posições.
Esse conflito está longe da visão já estigmatizada dos velhos versus os novos, mas sim deriva da incompreensão dos estilos geracionais, rotulagens negativas e da falta de suporte da própria corporação em reconhecer que tais conflitos nem sempre são positivos, mas podem sim minar a criatividade, criar ambientes tóxicos e por vezes propícios ao esvaziamento das condições saudáveis de trabalho e vida.
Raros são aqueles que nunca escutaram ou tiveram conhecimento de gestores que, ao serem questionados ou postos à prova, se esquivaram com a sonora de que “sempre foi assim” ou “se isto te incomoda a porta da rua é serventia da casa”? Isso ocorre pois, nessas situações tais gestores tem a visão míope de tratar-se de tentativa de desestabilização ou boicote, e por isto muitas vezes buscam contrapor esse suposto atendado à sua hierarquia e inquestionável gestão autocrata com ações de intimidação e isolamento daquele empregado, chegando por vezes às raias de um assédio moral.
Ainda que estejamos vivendo os ares de uma transformação das corporações mais alinhada e comprometida com o social e o ambiental, bem como com as ferramentas de governança aliadas aos pilares do ESG, aquelas ao final de cada trimestre devem mostrar lucro aos seus acionistas. Nesse contexto, por anos as lideranças eram favoravelmente reconhecidas por demonstrar resultados positivos mesmo que à prova de sangue e lágrimas de seus liderados, infelizmente no seu sentido não figurado.
Nesse contexto, as ditas áreas de apoio e suporte dos negócios devem estar cada vez mais atentas pois essa clara dissonância de valores pode atentar contra os objetivos e compromissos da corporação com uma cultura de integridade, criando um ambiente avesso à diversidade, catalisador de micro gestões, dissonantes dos objetivos da empresa e capaz de impactar a imagem e reputação muitas vezes difícil de se reerguer. O reflexo disso, além do reputacional já citado, são, por exemplo, o baixo compromisso e constante turnover além de ser muito propício ao desenvolvimento da toxidade de violências psicológicas.
É nesse contexto, de conflitos e de sedimentação de valores diversos aos compromissos organizacionais – e desde que a alta-direção esteja de fato comprometida e genuinamente envolvida -, que a área de compliance, como principal elo da capeia de suporte deve buscar prevenir – nos casos em que isso é possível – ou implementar o resgate do compromisso corporativo com a integridade.
Deve-se ter em conta que a cultura organizacional não é algo estanque que é “lembrado” nas semanas de compliance ou no atendimento dos treinamentos obrigatórios. A criação do valor cultural é dinâmico e sujeito a influência do tempo e espaço, e cabe à corporação com base em seus preceitos e pilares implementar mecanismos de consolidação, expansão e até mesmo restrição de tendências ou fenômenos não aderentes à sua cultura.
É naturalmente claro e por vezes aceitável que, em determinadas corporações, a depender do nível de maturidade e compromisso organizacional, que a mera imposição do Código de Conduta e o risco de se sofrer sanções administrativas podem significar um aparente compromisso dos empregados com os pilares do compliance. Tal cenário é meramente pontual e não sustentável, razão pela qual se deve buscar, por voluntariedade dos empregados, a sua adesão e o fiel compromisso de que a essência de todo e qualquer Programa de Integridade é a cultura da ética e do mútuo respeito. Tais valores devem estar alinhados e devem servir como meio e não como fim da identificação dos desvios sendo importante que o tratamento de tais situações seja dado por meio de uma resposta que sirva como medida de repreensão, com caráter educativo e de não estímulo a novos casos.
Como dito, a cultura organizacional não pode ser encarada como algo estático e não sujeito a constantes desafios impostos em planos internos e pela alteração de ambientes externos. Conflitos intergeracionais são apenas um dos vários temas que a área de Compliance deve estar atenta e para os quais deve se amoldar para prover uma resposta uníssona e comprometida com a cultura do respeito e a ética. Reforça-se esse ponto em ambientes onde determinados valores já estão sedimentados por derivação histórica, sendo essencial o entendimento de suas origens para que seja possível prevenir sua perpetuidade e mitigar os seus impactos. Para isso, importante que sejam estabelecidos mecanismos de reporte pelos empregados, sem qualquer tipo de retaliação, garantindo um ambiente saudável e que pode, entre outros, garantir a competitividade e longevidades das corporações.