A Expansão da e-Financeira para o Setor de Fintechs e Meios de Pagamento
Até recentemente, a obrigação da e-Financeira se restringia a instituições financeiras tradicionais. Contudo, a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa (IN) RFB nº 2.278/2025, estendeu a obrigatoriedade às fintechs e instituições de pagamento[1]. Com essa mudança, tais entidades passam a ser equiparadas aos bancos para fins de reporte fiscal e regulatório.
O “pano de fundo” dessa medida está relacionado a recentes operações de combate à lavagem de dinheiro e à sonegação fiscal. A “Operação Carbono Oculto”, deflagrada em 28 de agosto, por exemplo, revelou a possível movimentação ilícita de mais de R$52 bilhões, com grande parte transacionada supostamente por meio de uma única fintech[2]. Cerca de 1.000 postos de combustíveis vinculados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) teriam movimentado entre 2020 e 2024 a quantia bilionária. A Fintech teria atuado como um banco paralelo[3]. Casos como esse evidenciaram o uso de fintechs em esquemas de ocultação patrimonial, funcionando como “bancos paralelos” fora do radar da fiscalização. A inclusão na e-Financeira é, portanto, um marco regulatório que busca fechar essa lacuna.
O Que é a e-Financeira e quais são os prazos regulatórios?
Instituída pela IN RFB nº 1.571/2015, a e-Financeira é uma obrigação acessória que consiste no reporte periódico de informações financeiras à Receita Federal[4]. O instrumento consolida, em meio digital, dados sobre saldos, movimentações financeiras, aplicações, previdência privada, consórcios e operações de câmbio. O envio é feito semestralmente por meio do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), seguindo os seguintes prazos:
- Até o último dia útil de fevereiro: devem ser enviadas as informações relativas ao 2º semestre do ano anterior.
- Até o último dia útil de agosto: devem ser enviadas as informações relativas ao 1º semestre do ano corrente.
A Conexão com Padrões Globais: FATCA e CRS
A expansão da e-Financeira também deve ser vista como um alinhamento do Brasil às práticas globais de transparência fiscal. A obrigação é o veículo oficial também para o reporte de dados exigidos por acordos internacionais.
O Brasil é signatário do acordo com o Governo dos Estados Unidos da América para
Melhoria da Observância Tributária Internacional e Implementação do FATCA promulgado pelo Decreto nº 8.506, de 24 de agosto de 2015[5]. Nesse modelo, as instituições financeiras brasileiras reportam as informações relativas aos clientes considerados US persons diretamente à Receita Federal, no módulo FATCA da e-financeira. Além disso, o Brasil também aderiu ao CRS – Common Reporting Standard[6], pelo qual as instituições financeiras brasileiras têm a obrigação de identificar e reportar as informações de clientes que sejam residentes fiscais em qualquer das jurisdições aderentes ao CRS e reportar essas informações à Receita Federal, que por sua vez, realiza o intercâmbio com as autoridades fiscais das jurisdições aderentes ao CRS.
- FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act): Legislação dos EUA que visa combater a evasão fiscal por US Persons (cidadãos, nascidos no país, residentes legais, etc.) com ativos no exterior, sendo um padrão unilateral. A conformidade com o FATCA exige que as instituições identifiquem e reportem clientes considerado US persons, bem como monitorem se seus clientes não possuem “indícios de status americano”, como um local de nascimento nos EUA, endereço ou telefone americano[7]. A presença de um desses indícios dispara a necessidade de obter documentação adicional do cliente, como uma self-certification (autodeclaração), para confirmar ou refutar seu status fiscal e, se for o caso, reportar seus dados financeiros (identificação, saldo e rendimentos) via e-Financeira.[8]
- CRS (Common Reporting Standard): Desenvolvido pela OCDE, o CRS é um padrão multilateral para a troca automática de informações entre mais de 100 países, baseado em residência fiscal. O grande desafio operacional do CRS reside na sua natureza multilateral. Um único cliente pode ser residente fiscal em múltiplos países simultaneamente, exigindo que a identificação e reporte as informações para todas as jurisdições relevantes.
Impacto e Desafios para as Organizações Obrigadas a Entregar a E-financeira: Aprimoramento do KYC
As organizações obrigadas a entregar a E-financeira precisam assegurar a efetividade de seu processo de Conheça seu Cliente – Know Your Client (KYC). Enquanto o KYC tradicional se concentrava em verificar a identidade para fins de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), o novo KYC fiscal expande esse escopo drasticamente. Ele exige a coleta e validação sistemática de self-certification sobre residência fiscal e o respectivo Número de Identificação Fiscal (Tax Identification Number – TIN) de cada jurisdição declarada.
Na prática, o processo de onboarding precisará incluir etapas adicionais. Perguntas como “Você nasceu nos EUA?”, “Você possui Green Card?” ou “Em qual(is) país(es) você é residente para fins fiscais? O desafio estratégico é integrar esses novos requisitos de forma intuitiva, utilizando tecnologia para guiar o usuário e minimizar o impacto na conversão, sem comprometer a robustez da conformidade.
Conclusão
A inclusão de outros setores, como meios de pagamentos e fintechs na e-Financeira, catalisada por eventos como a “Operação Carbono Oculto”, representa mais do que uma nova obrigação: é um marco de maturidade para o sistema financeiro brasileiro. A medida expôs a vulnerabilidade de um setor inovador e reforçou a necessidade de alinhar suas obrigações de transparência às das instituições tradicionais.
Para as fintechs e as entidades de meios de pagamento essa nova realidade impõe desafios operacionais e culturais. O investimento em uma infraestrutura de conformidade robusta deixa de ser um mero custo para se tornar um pilar estratégico, fundamental para fortalecer a credibilidade e consolidar a maturidade institucional em um cenário global.
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Artigo por:
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Alessandra Gonsales, Sócia do GCAA e da LEC.
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Luigi Arantes, Associado do GCAA.
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Nathália Caporici, Associada do GCAA.