Um fato que sempre gerou questionamentos em relação às multas aplicadas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos por violações ao FCPA era o de que as maiores multas eram aplicadas a empresas de fora do país: Siemens, Alstom, Airbus, Braskem… O topo da lista sempre foi ocupado por corporações de outras nacionalidades. Isso mudou no último mês de outubro, quando o DoJ aplicou sua maior multa em um caso de FCPA contra o banco de investimentos Goldman Sachs, uma verdadeira instituição americana.
O banco de investimento acertou o pagamento de multas e restituições que somam mais de US$ 2,9 bilhões com autoridades dos Estados Unidos, Reino Unido, Malásia, Cingapura e mais alguns países. O Goldman Sachs fechou um deferred prosecution agreement (DPA) com o DoJ, que será creditado em mais de US$ 1,6 bilhão do montante acertado.
O Goldman Sachs e sua subsidiária na Malásia admitiram terem conspirado para violar o FCPA por meio de um esquema que entre 2009 e 2014, realizou o pagamento de cerca de US$ 1,6 bilhão em propina, direta e indiretamente, a oficiais malaios e de Abu Dhabi com o objetivo de assegurar negócios lucrativos para o banco, incluindo seu papel na subscrição de aproximadamente US$ 6,5 bilhões em três acordos de emissão de títulos e um papel potencial em uma oferta pública inicial altamente antecipada e ainda mais lucrativa para os ativos de energia do 1Malaysia Development Bhd (1MDB) – Fundo estatal da Malásia e controlado pelo Estado, criado para buscar investimentos e projetos de desenvolvimento para o benefício econômico da Malásia e seu povo –, pelos quais o banco ganhou centenas de milhões de dólares em taxas.
Em linha com a política estabelecida a alguns anos de buscar punir os executivos e não só as empresas, antes da condenação do Godman, o ex-chairman do banco para o Sudeste Asiático e diretor-gerente da instituição, Tim Leissner, se declarou culpado de conspirar para lavar dinheiro e violar o FCPA. Ele pagou US$ 43,7 milhões em restituições num acordo com o DoJ e a SEC, a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, o baniu permanentemente do mercado de valores mobiliários norte-americano. Outro indivíduo, Ng Chong Hwa, ex-diretor-gerente do Goldman e chefe do banco de investimentos do banco na Malásia, acusado de conspirar para lavar dinheiro e violar o FCPA, foi extraditado da Malásia para enfrentar as acusações na América, onde deve ser julgado em março de 2021.
O Compliance não soou alto
O Goldman também admitiu que, embora os funcionários que atuavam nas funções de controles do banco soubessem que qualquer transação envolvendo o financista malaio Low Taek Jho, também conhecido como Jho Low, representava um risco significativo, e embora eles tenham sido informados de que Low estava envolvido nas transações, eles não tomaram medidas razoáveis para garantir que o financista não estivesse envolvido com o banco. O Goldman admitiu ainda que houve sinais de alerta significativos levantados durante o processo de due diligence e depois dele – incluindo, mas não se limitando ao envolvimento de Low – que foram ignorados ou apenas nominalmente endereçados, para que as transações fossem aprovadas e o banco continuasse a fazer negócios com o 1MDB. O esquema rendeu aproximadamente US$ 606 milhões em taxas e receitas e permitiu que o banco reforçasse sua estatura e presença no Sudeste Asiático.
Multa bilionária não foi por acaso
Para estabelecer a maior multa da sua história, o DoJ tomou como base uma série de fatores, incluindo a falha da companhia em divulgar de forma voluntária o caso às autoridades; a natureza e a gravidade das violações com o envolvimento de funcionários de alto nível dentro do banco de investimento e de outros que ignoraram sinais de alerta significativos; o envolvimento de várias subsidiárias do Goldman em todo o mundo; o valor dos subornos e o alto nível dos subornados – pelo menos 11 funcionários estrangeiros, incluindo nomes de alto escalão do governo da Malásia; e as perdas significativas impostas ao 1MDB pela conduta dos co-conspiradores. O DoJ explica que o Goldman Sachs recebeu apenas crédito parcial pela sua cooperação (de 10% na pena criminal) por conta de atrasos significativos na produção de evidências relevantes, incluindo ligações gravadas nas quais banqueiros, executivos e funcionários com função de controle da empresa, discutiam alegações de suborno e má conduta relativas aos fatos.
No processo, o DoJ também recuperou ou ajudou na recuperação de mais de US$ 1 bilhão em ativos para a Malásia, associados com a lavagem de dinheiro e suborno na 1MDB. A investigação sobre o saque de fundos do 1MDB continua em andamento.
Mais clareza para os DPA’s
O Serious Fraud Office (SFO), órgão britânico responsável por investigar crimes de fraude e corrupção no Reino Unido, adicionou um capítulo ao seu manual no qual oferece orientação abrangente sobre como a pasta aborda os deferred prosecution agreement (os famosos DPA’s) e como seus agentes se envolvem com as empresas nas quais um DPA é uma potencial solução.
A diretora do órgão, Lisa Osofsky, disse que nos últimos seis anos, o SFO tem desenvolvido uma abordagem própria para negociar e fechar DPA’s, estabelecer as melhores práticas para o processo. “A publicação deste guia fornecerá ainda mais transparência sobre o que esperamos das empresas que procuram cooperar conosco”, disse a diretora. Ela emenda dizendo que os DPA’s são uma ferramenta valiosa não apenas para punir empresas pela criminalidade, mas também para garantir que elas se reabilitem e se tornem cidadãs corporativas melhores. “Isso nos ajuda a promover um ambiente de negócios onde todos obedecem às regras, o que só pode beneficiar o ambiente corporativo do Reino Unido”, complementa.
Um DPA permite que uma ação penal seja suspensa por um período definido, desde que a companhia que a assine atenda certas condições especificadas no processo. Os DPA’s exigem que a empresa admita a má conduta, pague uma multa financeira e concorde em aderir às condições estabelecidas pelo promotor para garantir a cooperação futura e o reforço do Compliance. A SFO é a única agência do Reino Unido a negociar DPA’s. Até o momento, foram assinados oito acordos do gênero.
Contrato fechado
A companhia holandesa Vitol, maior negociante de petróleo do mundo, comunicou que selou acordo com autoridades dos Estados Unidos e do Brasil em relação a práticas de corrupção e outras violações perpetradas pela companhia na América Latina. Como parte deste acordo para encerrar o caso em diferentes frentes, a Vitol pagará US$ 163,8 milhões.
Nos Estados Unidos, a empresa assinou um deferred prosecution agreement (DPA) em relação a condutas no Brasil, Equador e México com o Departamento de Justiça (DoJ), além de um acordo com a Comissão de Negociação de Mercadorias Futuras (CFTC), que regula o mercado de opções futuras americano.
Já no Brasil, a Vitol celebrou um Acordo de Leniência. O acordo prevê o pagamento de R$ 232 milhões (cerca de US$ 45 milhões pelo câmbio do último dia 3 de dezembro, quando o acordo foi divulgado), sendo R$ 44 milhões por reparação de danos, R$ 126 milhões a título de devolução de lucros e R$ 62 milhões referente à multa prevista na Lei de Improbidade Administrativa. Os valores serão pagos diretamente à Petrobras.
Para alcançar o acordo de leniência, a Vitol apresentou provas que permitiram o aprofundamento das investigações sobre atividades de empregados e administradores da própria empresa, desligados ou não, e que poderiam caracterizar atos de improbidade ou crimes contra o sistema financeiro.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), a Vitol reconheceu que um representante da companhia no Brasil realizou pagamentos indevidos para funcionários da Petrobras em troca de informações confidenciais internas que a garantiriam vantagem em licitações de compra e venda de combustíveis. A investigação interna da Vitol identificou o pagamento de mais de 70 faturas cujos beneficiários eram doleiros que disponibilizavam dinheiro em espécie no Brasil para a realização dos pagamentos indevidos.
O grupo também se comprometeu com o MPF a adotar medidas de transparência e, nos dois primeiros anos após o acordo, apresentar relatórios de cumprimento de medidas corretivas e de revisão de análise de riscos de corrupção e lavagem de dinheiro.
Russell Hardy, CEO da Vitol disse; “A Vitol está empenhada em cumprir a lei e não tolera corrupção ou práticas comerciais ilegais. Como reconhecido pelas autoridades, temos cooperado extensivamente ao longo deste processo. Compreendemos a seriedade deste assunto e estamos satisfeitos por ele ter sido resolvido. Continuaremos a aprimorar nossos procedimentos e controles de acordo com as melhores práticas”, disse em comunicado o CEO da Vitol, Russel Hardy. Em 2019, a companhia obteve receita de US$ 225 bilhões.
Pressão pelo fim do anonimato
A Transparência Internacional está coordenando um apelo aos líderes nacionais que se preparam para a primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas contra a Corrupção (UNGASS), programada para junho de 2021, para que desse fórum de alto nível saia um compromisso das nações de tornar os registros de beneficiários finais públicos e centralizados um padrão global. Até o momento, um pequeno grupo de economistas, sindicatos e organizações da sociedade civil que lidam com questões que vão dos direitos humanos à pobreza e à integridade empresarial são signatários da carta. A entidade pretende reunir mais assinaturas até o dia 5 de janeiro de 2021.
“Há muito tempo as empresas anônimas são conhecidas como um disfarce para o crime financeiro”, diz a brasileira Maíra Martini, especialista em pesquisa e política sobre fluxos de dinheiro da corrupção na Transparência Internacional, em Berlim. “Remover o véu de sigilo não apenas ajudará as autoridades a combater a corrupção e outros crimes transfronteiriços, mas também facilitará a devida diligência por parte de empresas legítimas”, emenda a especialista.
De acordo com o recém lançado estudo da própria Transparência Internacional, “Exporting Corruption”, os casos de suborno estrangeiro nas últimas duas décadas revelam o uso frequente de empresas anônimas como um mecanismo para ajudar na ocultação de pagamentos de suborno e propinas. Entre as multinacionais que se valeram de empresas de fachada estão gigantes globais como Airbus, Odebrecht, Fresenius, Mobile TeleSystems (MTS) e SNC Lavalin. O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) identificou 17 empresas de fachada usadas em conexão com negócios da companhia italiana Saipem, que presta serviços para a indústria global de óleo e gás, somente na Argélia.
Problemas decorrentes da falta de informações sobre os verdadeiros proprietários das empresas estão sob os holofotes internacionais há mais de uma década, especialmente desde o caso Panamá Papers, que em 2016, revelou informações detalhadas de mais de 214 mil empresas em paraísos fiscais offshore, incluindo as identidades dos acionistas e administradores. Segundo a entidade, embora tenha havido algum progresso para acabar com o abuso no uso desse tipo de recurso, o avanço tem sido muito lento. “Enquanto algumas jurisdições permitirem que empresas anônimas conduzam transações, elas continuarão a ser usadas para corrupção internacional e outros crimes”, lamenta a entidade em comunicado.
Outro estudo da Transparência Internacional, de 2019, constatou que em 26 países avaliados as autoridades responsáveis pela aplicação da lei confiaram nas entidades responsáveis por fazer a comunicação dos beneficiários, como instituições financeiras, prestadores de serviços corporativos, advogados, tabeliães, contadores e agentes imobiliários, como a principal fonte de informações sobre propriedade efetiva. Para a entidade, isso representou obstáculos significativos para rastrear transações e rastrear culpados. O estudo “Exporting Corruption” deste ano também descobriu que os países alcançaram melhor desempenho nas investigações quando tinham a disposição um registro central de beneficiários finais. O acesso público aos registros centrais os torna mais úteis e precisos, permitindo que os investigadores obtenham acesso mais rápido e que os órgãos de regulação monitorem as informações.
Presidente da Transparência Internacional, Delia Ferreira Rubio acredita que com os Estados Unidos prontos para se juntarem a seus pares globais na ação contra empresas anônimas por meio da Lei de Transparência Corporativa, há um ímpeto crescente e um consenso claro de que a transparência nas informações sobre os beneficiários finais de empresas serve ao bem comum e melhora o ambiente de negócios para as próprias empresas.
“Mas um consenso precisa se traduzir em ações significativas. A Assembleia Geral das Nações Unidas tem uma oportunidade única por meio da Sessão Especial contra a Corrupção, no próximo ano, para ajudar a acabar com o abuso do sigilo corporativo. Fazer isso teria um grande impacto nas vidas das comunidades mais pobres e vulneráveis do mundo, ao acabar com o veículo preferido dos corruptos para esconder o roubo e a apropriação indébita de fundos e recursos públicos desesperadamente necessários”, continuou a presidente da entidade.
Melhorar a transparência nas informações sobre beneficiários finais é uma das 10 recomendações fornecidas pelo estudo “Exporting Corruption”. Os pesquisadores da Transparência Internacional acreditam que para melhorar a prevenção, detecção e investigação de suborno estrangeiro, os países devem estabelecer registros centrais públicos contendo informações sobre propriedade efetiva de empresas e fundos e introduzir sanções para indivíduos e empresas que não cumprirem com esses requerimentos. A entidade também sugere que o grupo de trabalho sobre suborno internacional da OCDE deve atualizar sua recomendação de 2009 para incluir uma referente à questão dos beneficiários finais e avaliar o desempenho dos países neste tema.
Os preparativos para o UNGASS 2021 estão atualmente em andamento com os representantes dos países negociando o texto de uma declaração política a ser apresentada.
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Publicado originalmente na edição 30 da revista LEC com o título “Setor em transformação”.
Imagem: Freepik