Você é do tipo de pessoa ou consumidor que exige qualidade em tudo o que você compra e consome? Para você e sua família, qualidade está acima de tudo e não se importam em pagar mais caro por um produto ou serviço na linha “vale o quanto pesa”? Ao contrário, o preço não é o fator que determina a compra do produto ou serviço. Em resumo, você compra qualidade e não preço, certo?
Agora, se olharmos sob o ponto de vista das empresas, elas estão comprando qualidade ou preço nos processos de aquisição junto aos seus fornecedores? Sabe aquela máxima, “o barato sai caro?” Parece que esta pergunta é um tanto quanto complexa para respondermos assim de “bate pronto”, utilizando uma expressão esportiva.
Como é fácil verificar, nos últimos anos, temos nos deparado com uma série de processos de recall (“chamar de volta”) por parte de empresas de variados segmentos, tais como o automotivo, de brinquedos, de medicamentos e até o de alimentos.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor – CDC, o termo é utilizado para indicar procedimento a ser adotado por fabricantes para alertar o consumidor acerca de problemas encontrados em produtos ou serviços já colocados no mercado. Desse modo, os produtos que saíram de fábrica com algum tipo de defeito ou vício, identificado posteriormente à venda, podem ser consertados ou trocados sem nenhum ônus para quem os adquiriu, ou seja, o consumidor.
Feita essa constatação, nos perguntamos: será que esses produtos estavam em conformidade com os padrões necessários para a sua divulgação e comercialização junto ao mercado? Mas muitas dessas empresas não possuem certificações de qualidade, como a norma ISO 9001, por exemplo? Há relação entre possuir ou não uma certificação de qualidade e ter um produto objeto de recall? Será que um produto objeto de recall não é resultado de um projeto executado às pressas e em meio à pressão do fabricante sobre os fornecedores?
Em relação ao tema “pressão sobre fornecedores”, não sei se foi exatamente o caso, mas vamos lembrar do escândalo dos “airbags mortais” da Takata, uma empresa japonesa que chegou a produzir paraquedas para o Exército Imperial Japonês durante a Segunda Grande Guerra. Após um defeito no equipamento que causou mais de uma dezena de mortes, as principais montadoras “chamaram” mais de 30 milhões de veículos pelo mundo para as oficinas. Talvez o maior recall da história. Só no Brasil, foram mais de 3 milhões de carros convocados. E a julgar pela nossa cultura, ouso a dizer que muitos carros devem continuar rodando por aí sem terem realizado os procedimentos de revisão por parte dos seus proprietários.
Daí em diante, assumida a culpa pela Takata, não é preciso discorrer sobre os impactos na marca, na imagem e no caixa da empresa, que após esse triste episódio buscou de todas as formas o apoio de investidores ou compradores que pudessem financiar os esforços de recuperação e ajudar com os bilhões de dólares relacionados às indenizações. Somente nos Estados Unidos, advogados de proprietários norte-americanos processaram a Honda, a Nissan, a BMW e a Ford, dentre outros fabricantes, alegando que as montadoras há anos sabiam sobre os airbags defeituosos, mas continuaram comprando o equipamento do fornecedor.
Pressões por resultados existem em qualquer segmento de negócio e em qualquer parte do mundo, mas devemos refletir sobre os aspectos de gestão relacionados aos fornecedores de bens e serviços. Fornecimento exclusivo, preços abaixo das práticas de mercado, margens de lucro mínimas, opções limitadas de fornecedores e prestadores de serviços (sobretudo se a empresa estiver em uma região pouco desenvolvida ou menos favorecida, inclusive geograficamente), ausência de auditorias periódicas de qualidade e de especificações técnicas, ausência de cláusulas contratuais sobre aspectos de qualidade dos produtos fornecidos, incluindo procedimentos em casos de recall, ou mesmo a ausência de seguro que cubra minimamente possíveis danos e indenizações a terceiros, são possíveis indicadores de que a empresa pode vir a ter problemas com seus fornecedores em um futuro não tão distante. E olha que não estou falando de aspectos relacionados à corrupção ou pagamento de propinas! Esse é um outro capítulo.
Devemos lembrar que o tema compliance também se insere nas relações de consumo, o chamado “compliance consumerista” ou “compliance consumidor”. Logo, as atividades de compliance, além da minimização de riscos ou mesmo a verificação de conformidade com a legislação e demais normativos que regem determinada atividade, devem incorporar os aspectos que envolvem qualidade e as relações entre empresas, fornecedores e clientes.
As práticas de gestão de riscos, dentro da “espinha dorsal” de compliance, deve contemplar também temas que possam vir a ter repercussão perante o mercado consumidor, entidades reguladoras e supervisoras, bem como possíveis desdobramentos judiciais. Ou seja, compliance também é qualidade de produtos e serviços e proteção para toda a cadeia de valor: empresa, fornecedores, clientes e sociedade de modo geral.
Emerson Siécola é advogado, professor e palestrante sobre governança, gerenciamento de riscos corporativos e compliance – GRC. É sócio da Integrity Brasil – Soluções em Compliance e Governança.