Nas Sociedades Anônimas, o exercício do direito de voto no âmbito das Assembleias Gerais das companhias representa, de um lado, a busca pela uniformização dos direitos entre os acionistas e, de outro, a possibilidade de obtenção de mais lucro, com a eventual aferição de benefícios individuais aos acionistas. A obtenção de lucro é, na maior parte das vezes, a finalidade de um acionista ao investir seu capital em uma empresa, rentabilizando seus investimentos.
O art. 115, caput e seu parágrafo 1° da Lei n° 6.404/76, disciplina o Princípio do Interesse Social, segundo o qual o voto do acionista deve estar em consonância com os interesses da companhia, respeitando os interesses individuais e comuns dos acionistas (minoritários e majoritários), dos trabalhadores, da comunidade na qual a companhia exerce sua atividade econômica, congregando esses interesses à manutenção da empresa como unidade produtiva.
O art. 115 elenca as hipóteses de vedação do exercício do direito de voto nas deliberações da assembleia geral, dentre as quais se inclui, no parágrafo 1°, a hipótese em que o acionista tiver posição antagônica aos interesses da companhia, caso em que o seu voto conflitante poderá ser desconsiderado.
E, ainda, sendo constatado o dano, o acionista fica obrigado a restituir à companhia as vantagens indevidas que tiver auferido em decorrência do voto proferido.
O conflito de interesses pode ser analisado sob a ótica formal, quando verificado a priori, nos casos em que o interesse conflitante possa ser facilmente detectado, anteriormente ao proferimento do voto pelo acionista. Mas, também ser examinado sob a ótica material, quando verificado a posteriori, i.e., após o acionista proferir seu voto na deliberação assemblear.
Com o advento da Lei n° 12.846/2013 (“Lei Anticorrução”) e o Decreto n° 8.420/2015, acentuou-se a preocupação das companhias em estarem em conformidade com as leis, regulamentos internos e externos, bem como com princípios corporativos que garantam a transparência na condução dos negócios.
Nessa esteira, a governança corporativa e seus modelos, os quais se traduzem em um sistema de práticas que auxilia na melhoria da qualidade e transparência da gestão empresarial, dentre os quais se destacam o Novo Mercado, passaram a receber mais atenção, colaborando diretamente para que os acionistas exerçam o direito de voto vislumbrando o interesse da companhia, em consonância com a função social da empresa.
Os programas de Compliance das companhias, ao focarem na prevenção, detecção e tratamento de desvios ou inconformidades que, porventura, ocorram na gestão dos negócios, devem, também, incorporar as boas práticas da governança corporativa, o que certamente auxiliará na detecção de eventuais conflitos de interesses existentes nas deliberações dos acionistas, como orientando e conduzindo, com maior clareza, os acionistas, administradores, gestores, conselheiros e demais interessados acerca das situações nas quais os interesses dos acionistas possam colidir com os da companhia.
Nesse contexto, a interpretação e aplicação do conflito de interesses sob o aspecto material, contido no parágrafo 1° do art. 115 da Lei das Sociedades Anônimas, deve ser observada, de modo que a companhia, além de cumprir seu objeto, sua função social, bem como resguardar sua reputação, acaba por maximizar os lucros a serem distribuídos entre os sócios, analisando, caso a caso, se efetivamente resta presente o conflito de interesses entre o acionista e a companhia ao exercer aquele o direito de voto nas deliberações das assembleias gerais.
Michele S. Gonsales, especialista em Direito Societário e Empresarial
Partner at Ricardo Gimenez Sociedade de Advogados
Imagem: Freepik