Casos envolvendo denúncias de assédio sexual em ambiente profissional vêm sendo cada vez mais noticiados, despertando o interesse – e o julgamento – da opinião pública. Além de comprometer a privacidade das vítimas, esse tipo de desdobramento de uma denúncia de assédio prejudica a reputação de grandes empresas, que se veem envolvidas em escândalos de repercussão nacional.
Mas até que ponto é possível evitar que o caso alcance essa dimensão?
Em casos de assédio sexual – especialmente os que ganham notoriedade pública – as companhias envolvidas adotam frequentemente uma postura em comum: a demissão sumária dos acusados. Apesar de transmitir à sociedade o recado de que comportamentos desse tipo não serão tolerados, essa atitude, implicitamente, gera a mensagem de que se tratou de um evento isolado, de total responsabilidade do acusado.
Ao se desvencilhar do indivíduo, as organizações se distanciam do problema, o que encobre o fato de que o assédio sexual é uma questão sistêmica. Mais do que demitir o envolvido, é preciso mudar a cultura da empresa.
Talvez a resistência em enfrentar o assédio como um problema estrutural venha do fato de que o risco comumente associado a ele é apenas reputacional. Porém, o Relatório Global de Fraude e Risco mais recente da Kroll demonstra que incidentes de assédio sexual trazem também risco comercial. De acordo com o estudo, 40% dos gestores de risco romperam o vínculo com empresas parceiras devido a problemas com casos de assédio sexual. É uma consequência do aumento da percepção de risco em caso de absorverem problemas de reputação alheios. O percentual é alarmante, já que pode ser equiparado, por exemplo, ao número de encerramento de contratos em virtude de sinais de propina e corrupção. Identificar, responder e mitigar incidentes desse tipo depende de processos transparentes, aplicáveis de forma igualitária. Empresas que abordam casos internos de corrupção como eventos sistêmicos dão um passo à frente no combate ao problema. O mesmo pode acontecer quando uma organização reconhece o risco de criticidade que casos de assédio sexual representam.
O combate ao assédio na prática
Mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual do que homens no ambiente de trabalho, segundo levantamento da empresa de gestão de recursos humanos Mindsight. No ano passado, foram registrados 3.049 processos de assédio sexual e 52.936 de assédio moral, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho. Para efeito de comparação, 2019 e 2020 tiveram 12.349 e 12.529 processos, respectivamente.
Obviamente, lidar com esses números está longe de ser uma tarefa simples. Mas ao
abordar de forma isenta e independente os relatos de assédio no trabalho, a empresa reitera seu propósito de construir e estimular um ambiente de confiança. Para que esse processo seja bem-sucedido, é fundamental que a investigação tenha critérios rígidos e adote medidas como priorizar a apuração de fatos em detrimento de opiniões. Esse tipo de atitude não somente gera resposta aos que estão envolvidos diretamente no episódio de assédio, como também aos colaboradores na posição de espectadores silenciosos.
Da mesma forma que acontece com o tratamento aos casos de fraude, a resposta das empresas aos eventos de assédio também é favorecida com a introdução de programas robustos de Compliance. Estabelecer regras claras a todos e criar um fluxo confidencial para denúncias evita a percepção de favoritismo.
Com relação aos treinamentos, precisam ter como base o claro entendimento, por parte de tomadores de decisão e de suas equipes, do que configura (ou não) assédio. Também devem incluir orientações sobre como agir ao receber denúncias ou presenciar episódios de assédio. São medidas que criam a percepção, por parte dos colaboradores, de que a empresa dedica suas energias produtivas para de fato gerar valor, sem abordar a questão de forma superficial.
Os esforços no sentido de responder e de prevenir o assédio sexual em ambiente profissional devem ser contínuos. Isso requer o suporte de processos de estrutura sólida, com regras nítidas para todos, a incorporar na rotina das organizações.
É claro que há ainda muito a fazer. Vivemos em um país que ocupa a 93ª posição mundial em termos de paridade de gênero, de acordo com o levantamento Global Gender Gab Report 2020. O estudo, publicado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF), aponta o Brasil na penúltima posição nesse quesito, entre os 26 países latino-americanos que participaram do levantamento.
Não que uma equipe formada com base na equidade de gênero garanta a extinção do assédio no ambiente profissional. Mas uma empresa seriamente envolvida na superação das desigualdades de gênero, abrindo oportunidades para que mulheres conquistem postos de tomada de decisões, demonstra estar em alinhamento com as diretrizes de ESG e de Compliance. E esse tipo de atitude costuma indicar que dificilmente a empresa vai cruzar os braços diante de uma denúncia de assédio.