Uma recente pesquisa realizada pela Aliant e a Protiviti Brasil mostrou que uma das grandes dores do Compliance Officer é estar inserido na Transformação Digital da organização. O dado reflete bem a encruzilhada em que os profissionais do setor se encontram hoje em dia: orçamento restrito, poucos colaboradores diretos e muitas regulações e exigências do mercado. Além disso, outras áreas das empresas trazem tecnologias, milhões de dados e processos novos que desafiam qualquer um, por mais inovadores que sejam.
Apesar de sermos uma empresa tecnológica e de serviços específicos para ajudar o Compliance Officer no seu dia a dia, também enfrentávamos estes mesmos problemas: lidar com uma quantidade imensa de informações, de milhares de clientes, sem poder errar e com prazos apertados para entregar tudo. Soma-se a isso a necessidade de inovar, de agregar valor ao nosso cliente (ou ao nosso CEO) e de fazer melhor e diferente.
Decidimos, então, entender como poderíamos encarar esses desafios com o uso de novas tecnologias, com a premissa de não simplesmente cortar custos e substituir pessoas, mas sim retirar o trabalho de baixo valor do nosso cotidiano, permitindo aumentar exponencialmente a qualidade.
Começamos mapeando nossos maiores gargalos e processos que consumiam mais tempo, terminando com uma lista das 24 maiores necessidades, priorizadas usando o conceito de DFV, ou seja, quão desejável ela é pelo time interno ou por nossos clientes; quão factível é tecnicamente; e quão viável financeiramente a solução será. Para termos consenso, não sofrer críticas ou levantar barreiras posteriormente, esse fórum foi feito junto ao nosso time de tecnologia, das áreas internas, pelas equipes de vendas e marketing, além de ser apresentado ao nosso CEO.
As quatro primeiras necessidades envolveram as tarefas que fazem parte da rotina da área de Compliance, como, por exemplo, ler milhares de relatos, realizar tratamentos básicos, como traduzi-los (se feitos em língua estrangeira), resumi-los para que a diretoria ou comitê possam avaliá-los rapidamente, retirar os nomes dos citados para preservar seu anonimato e garantir a não retaliação, classificar corretamente o relato e até avaliar se vale a pena ou não aprofundar a apuração.
Havíamos estimado algo como 15 minutos de economia de tempo por relato, uma vez que muitos são tão simples e pequenos que processamos eles relativamente rápido, enquanto uma minoria é realmente complexa e exige mais que uma hora de tratamento. Como tratamos algo como 15 mil relatos por mês, isso daria uma economia de 3.750 horas/ mês, que poderiam ser usadas em tarefas mais nobres como recomendações elaboradas e apurações aprofundadas, além de estar mais perto dos nossos clientes.
Nosso time técnico definiu, então, alguns modelos de Machine Learning e toda a parte técnica envolvida, tal como os locais para hospedar os modelos e os dados, como coletar e devolver as informações, como integrar em nossos sistemas etc.
Além disso e o mais importante e trabalhoso, separamos 60 mil relatos de uma base inicial de 2 milhões, que foram normalizados e classificados, ou seja, olhamos um a um e garantimos que suas tipologias estavam corretas e que representavam a diversidade que temos em nossas bases, entre outros. Para dar um exemplo, muitos relatos misturam denúncias graves com reclamações simples, outros tem vieses preconceituosos e discriminatórios, e foi preciso limpar essa base para garantir um modelo sem vieses de qualquer tipo.
Em seguida, realizamos o treinamento e o retreinamento dos modelos de Machine Learning com a nossa base e rodamos testes para verificar sua qualidade. Um dos exemplos abaixo mostra o potencial destas ferramentas na nossa rotina. É apenas o primeiro parágrafo, com a confidencialidade preservada, de um relato original com 1668 palavras, ou seja, três laudas.
“Estávamos todos reunidos na sala do ____ da gerência de autônomos, quando _____ começou a comentar sobre os caminhões que estão sendo pintados com cores LGBTQIA+, coisas como a ____ agora tá toda rosinha, eu não concordo com essa palhaçada de mudar as cores, por que a pessoa é gay que fique pra ela, não precisa tá todo mundo compartilhando um caminhão por causa de um que é gay”.
Agora, o resumo integral usando Inteligência Artificial:
“O relato conta a história de uma funcionária LGBTQIA+ que sofreu discriminação no ambiente de trabalho, após revelar sua orientação sexual. A colega de trabalho, _______, expressou sua opinião contrária à pintura de caminhões com as cores LGBTQUIA+, o que levou a um clima de homofobia na sala. A partir daí, a protagonista passou a sentir o afastamento dos colegas, além de ataques sutis por parte de _____, que dificultou seu trabalho e atrasou informações importantes. A situação se tornou insuportável e a funcionária acabou pedindo transferência de cargo. No novo ambiente, ela ainda sofre com crises de ansiedade e problemas de saúde decorrentes do estresse”.
O resumo acima não só impressiona pela precisão e concisão, mas pelo que ela revela à organização. Descobrimos que nossas estimativas estavam erradas e obtivemos o dobro da economia de tempo prevista, quando juntamos com outras IAs que desenvolvemos e que, por exemplo, classificam o relato e apontam o grau de apurabilidade dele, ou seja, quão detalhado e específico ele é e que vale a pena investir tempo para uma análise mais profunda, permitindo que nosso time faça diversas outras atividades no seu dia.
Esse é apenas um exemplo do uso de novas tecnologias que podem ser implementadas pela área de Compliance e que podem, inclusive, agregar valor a outras áreas da empresa, desde classificar as reclamações que chegam ou analisar as comunicações entre áreas de vendas e clientes para evitar fraudes e manipulações. Além disso, o uso destas tecnologias nos fez repensar o próprio papel do Compliance, como, por exemplo, o alinhamento dos resultados ao código de ética e aos normativos da empresa, ou até a propriedade intelectual de um texto gerado pela Inteligência Artificial.