Após alguns casos ambientados nos setores do entretenimento e do esporte, a discussão sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho tem enfim ganhado força. Ao final de 2017, atrizes de Hollywood trouxeram à tona episódios de assédio sexual protagonizados pelo produtor Harvey Weinstein. Em seguida, deu-se início a uma campanha na rede social Instagram, que ficou conhecida pela tag #metoo, na qual mulheres passaram a compartilhar casos de assédio sexual vividos por elas em seu ambiente de trabalho.
A hashtag atingiu quase um milhão de publicações no Instagram, trazendo atenção para o número absurdo de relatos de assédio. Em 2013, uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho mostrou que, em todo o mundo, ao menos mais da metade das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual.
Apesar dos números alarmantes, aparentam ser minoria os casos que se convertem em denúncia, seja dentro ou fora das empresas. Em 2016, o Ministério Público do Trabalho registrou apenas 252 denúncias de assédio sexual em todo o Brasil. Esta realidade decorre de uma série de fatores que implicam no silêncio das vítimas, dentre os quais pode-se citar: o embaraço em expor a situação suportada em seu ambiente profissional, o receio de que ninguém acredite e até mesmo a não percepção (pela própria vítima) da situação de assédio sofrida.
Em razão do cenário apresentado, nos parece que uma das metas do presente século (especialmente no que tange o aperfeiçoamento da forma igualitária em nossos relacionamentos interpessoais/profissionais) é exatamente a extinção, ou ao menos uma vultosa redução, dos episódios de assédio sexual entre colegas do mesmo grau ou diferente grau hierárquico.
Como toda meta, é necessário planejamento para que a mesma seja alcançada, para tanto alguns passos podem contribuir. Inicialmente, é importante que toda organização encare a incidência de um episódio de assédio como um risco sensível à sua atividade.
O impacto dele decorrente pode atingir os mais diversos âmbitos da organização, como por exemplo o campo relacional (influenciando no regular desempenho operacional da companhia); o âmbito patrimonial (eventuais responsabilizações); o reputacional (com a imagem da organização atrelada a condutas de natureza intoleráveis); a capacidade de recrutar novos talentos (quem gostaria de desenvolver sua atividade profissional em um ambiente de trabalho avesso à ética e ao respeito?); ou, ainda, o âmbito gerencial (a depender do nível hierárquico envolvido é possível se faça necessária uma reorganização do quadro administrativo da organização, sujeitando-a à reação de seus stakeholders à referida reorganização).
Em seguida, com base nessa mudança de paradigma na forma de se encarar os episódios de assédio, se revela essencial que a companhia, além de traçar políticas e procedimentos relativos à prevenção de tais condutas, também divulgue e comunique-as de forma efetiva, periódica/recorrente e uniforme (todos os níveis hierárquicos, inclusive tendo a Alta Direção como parceira nessa propagação/comunicação) todas as políticas de prevenção que foram traçadas, em ordem a que uma avessa a tais intoleráveis condutas seja gradualmente forjada.
Ainda, é de especial relevância que existam sanções previamente estabelecidas para comportamentos em desconformidade com aqueles inseridos nas referidas políticas de prevenção, bem como que sejam criados mecanismos aptos a fomentar o reporte de assédios não só por quem foi vítima de uma conduta dessa natureza mas também por aqueles que eventualmente a presenciaram. Igualmente, é fundamental que se garanta a não retaliação do comunicante e a efetiva apuração e punição do assediador (caso seja constatada a ocorrência do episódio reportado), independentemente de seu nível hierárquico.
Nesse mês no qual celebramos a mulher, em meio a uma campanha (#metoo) que denunciou como as mulheres historicamente vêm sendo incentivadas a se silenciarem frente aos assédios sofridos, o melhor presente que poderíamos dar é nosso apoio na luta por uma cultura relacional (não só corporativa) mais respeitosa e igualitária, para que o silêncio dê lugar a voz.
Julia Munhão é graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e estagiária do Peter Filho, Sodré & Rebouças – Advogados.
André H. Paris é Advogado Associado e Consultor de Compliance do Peter Filho, Sodré & Rebouças – Advogados. É mestrando em Direito Processual (UFES), pós-graduado em Ciências Penais e com LL.M em Direito Societário em curso.