O aumento de casos de assédio no ambiente de trabalho, em especial os relacionados à pressão e carga excessiva de trabalho, acende um alerta e torna importante a compreensão desse tipo de situação também como um risco de Compliance.
Casos de assédio sempre foram parte do dia a dia do Compliance, e isso desde os primórdios da área. Como gestor do canal de denúncias, cabe ao Compliance avaliar os relatos e dar a eles o destino adequado. E os casos de assédio sempre representaram o grande volume de denúncias recebidas.
Embora nunca tenha deixado de ser visto com a atenção e seriedade que o tema demanda, do ponto de vista do Compliance, até bem pouco tempo, o assédio dentro do ambiente de trabalho, particularmente o assédio moral, era encarado como uma questão menor – coisas como problemas de relacionamento entre colegas de uma mesma área, ou entre subordinados e um chefe mais duro – que poderiam seguir diretamente para o pessoal do Recursos Humanos com um acompanhamento do time de Compliance, nem tanto pela preocupação com o caso em si, mas sim para manter a governança do próprio canal, em especial quando existe um comprometimento de dar o retorno sobre a resolução do caso ao denunciante.
Mas o mundo do trabalho mudou de forma drástica ao longo desses últimos anos. Situações antes consideradas banais como brincadeiras, importunações e até mesmo determinadas ofensas e agressões verbais, não são mais toleráveis. A pressão sobre as empresas, seja por meio sociedade civil ou pelo próprio Estado, para coibir atos dessa natureza no ambiente empresarial cresceu exponencialmente. As empresas têm sido obrigadas a tratar das ações, condutas e relações estabelecidas entre todos os seus funcionários com um novo olhar, abarcando inclusive questões que vão além das situações mais óbvias e fáceis de serem enquadradas como assédio, caso, por exemplo, das situações relacionado a pressão desmedida por resultados e a carga excessiva de trabalho.
Até que ponto uma empresa e seus líderes podem exercer uma cobrança legítima por resultados da sua equipe; ou, como saber qual o volume de trabalho e responsabilidade que pode ser colocada sob as costas de um funcionário, são questões ainda passíveis de muitas dúvidas. No discurso público, ninguém questiona a necessidade de tornar o ambiente corporativo um lugar que não aprisiona as pessoas e que seja capaz de olhar para além dos números. Na prática, ao longo das últimas décadas, foi muito mais comum assistirmos a cortes de pessoal com o trabalho de quem saiu sendo repassado para os que ficaram, do que a ampliação dos quadros pensando em aliviar (de verdade) a carga de trabalho sobre os funcionários. Quando se contrata, geralmente é porque as pessoas já não tem como dar conta de mais nada, e se não fazê-lo, a empresa vai perder negócios. Não se ampliou o quadro porque alguém pensou que não faz sentido para a própria saúde da empresa sobrecarregar os funcionários e naturalizar essa dinâmica como algo que está dado.
A mudança na interpretação da importância desses casos faz com que hoje, esse tipo de denúncia receba dos profissionais de Compliance outro nível de atenção. O crescimento relatado nos últimos anos, tanto nos canais de denúncia das empresas quanto nos informes dos órgãos oficiais têm servido de alerta. De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior do Trabalho, somente em 2021, mais de 52 mil casos relacionados a assédio moral e mais de três mil relativos a assédio sexual foram ajuizados na Justiça do Trabalho em todo país. Só em São Paulo, de acordo com levantamento do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com sede em Campinas, o número de processos novos de assédio sexual no ambiente de trabalho cresceu 72%. O levantamento abrange 599 municípios no estado de São Paulo, reunindo dados do primeiro semestre de 2018 até 2022.
Logo, não é de se estranhar que o tema tenha ganhado hoje tanta relevância para o mundo corporativo, e, obviamente, para a área de Compliance, que vem assumindo um papel importante não só no sentido de trabalhar para estabelecer a “cultura de Compliance”, mas indo além, no que diz respeito a criação de um ambiente de trabalho mais íntegro e saudável, no sentido mais amplo dos termos.
Apesar desse olhar e de uma atuação mais ativa em relação a essa agenda, a realidade parece mostrar que os riscos que podem ser gerados à empresa, seus funcionários e parceiros decorrentes de situações de assédio, ainda não costumam estar devidamente mapeados nas matrizes de risco. Dado a curva de crescimento (e o maior barulho) dos casos, é hora de rever isso, o que passa por estabelecer parcerias importantes para conseguir entender a natureza desses riscos, inclusive com o RH.