Introdução
Dados publicados pela Aliant demonstram que, além do maior número de denúncias registradas, houve um aumento dos relatos sobre relacionamentos interpessoais, que representam 59% do total de casos nos Canais de Denúncia em 2023. O estudo considera dados de 710 grupos empresariais de diferentes portes e segmentos que têm os seus Canais de Denúncias operados pela Aliant.
Mais uma vez, o estudo aponta aumento expressivo das denúncias sobre relacionamentos interpessoais, em especial sobre desvios de comportamento e práticas abusivas (assédios moral e sexual, discriminação e agressões físicas). Esse aumento pode estar relacionado ao fato de que diversidade e inclusão são temas mais presentes na agenda corporativa.
Estudos como esse indicam a necessidade de as organizações estarem preparadas para apurar de maneira estruturada relatos desta natureza. Neste artigo, 8 perguntas frequentes relacionadas à investigação de casos de assédio serão respondidas.
Perguntas frequentes
Quais os benefícios da empresa em conduzir uma investigação interna sobre alegações de assédio?
Do ponto de vista do direito do trabalho, a empresa é responsável pelos atos de seus empregados. Isso significa que qualquer conduta que afetar a integridade dos trabalhadores no ambiente de trabalho é de responsabilidade da empresa.
Conduzir uma investigação interna sobre alegações de assédio demonstra que a empresa está atenta e disposta a promover a gestão racional das condições de segurança e saúde no ambiente de trabalho, e assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho, em consonância com o disposto no artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Recebi uma alegação de assédio com informações insuficientes, como devo proceder?
São necessárias informações mínimas básicas para dar início a qualquer investigação de relatos protocolados em Canais de Denúncia. Para os relatos de assédio, não é diferente. Em caso de informações insuficientes, é possível retornar ao(a) denunciante por meio do próprio Canal de Denúncias e fazer algumas perguntas complementares, entre elas: (i) nome do denunciado(a); (ii) nome da(s) vítima(s); (iii) data(s) do ocorrido; (iv) eventuais evidências disponíveis; e (v) eventuais testemunhas e/ou colaboradores que possam ter tido informações relacionadas ao ocorrido.
Caso o(a) denunciante não dê retorno, e não houver outras formas razoáveis de identificação de informações complementares ao relato, pode-se arquivar a alegação por ausência de informações mínimas para início à investigação. Importante incluir na Política de Apuração de Denúncias da empresa, um prazo razoável (e.g.: 15 dias) para que o(a) denunciante responda as perguntas no Canal de Denúncias antes do arquivamento.
Durante uma investigação interna de assédio, quais medidas podem ser tomadas para preservar a vítima?
A depender da alegação e do andamento da apuração, algumas medidas de preservação da(s) vítima(s) podem e devem ser tomadas pela equipe de investigação. Em alegações dessa natureza, é fundamental que seja nomeada uma pessoa que será responsável por acompanhar e dar suporte à vítima durante toda a apuração.
Em caso mais graves, é possível que a equipe de investigação avalie a necessidade de afastamento do denunciado, principalmente se houver suspeita de que o denunciado possa obstruir as atividades de investigação. Em qualquer um dos cenários, é preciso que potencial retaliação por parte do(a) denunciado(a) seja evitada. Desta forma, a equipe de Compliance pode solicitar o aviso imediato, por parte da área de Recursos Humanos/Gente e Gestão, de qualquer movimentação e/ou realocação de colaboradores solicitada pelo denunciado(a), caso este seja o(a) superior(a) hierárquico da vítima.
Durante uma investigação interna de assédio, devo entrevistar o(a) denunciado(a)?
Como boa prática de investigações e buscando garantir o contraditório é recomendado que o(a) denunciado(a) seja entrevistado(a). Essa entrevista normalmente é conduzida ao final da fase de entrevistas, para que a equipe de investigação já tenha informações e evidências suficientes para tratar o assunto com o(a) denunciado(a).
Nessa entrevista, é importante que o(a) denunciado(a), diferentemente de outros entrevistados, tenha conhecimento da razão da entrevista, evitando sempre que possível a menção a nomes e situações que possam identificar a(s) potencial(is) vítima(s) e testemunha(s). A depender da alegação e evidências levantadas pela equipe de investigação no decorrer da investigação (e.g.: imagens de câmeras de segurança), a entrevista com o(a) denunciado(a) pode ser desconsiderada.
Conduzi uma investigação interna e as evidências indicam a existência de assédio, como devo endereçar a conclusão em um relatório final?
É importante que todas as informações coletadas durante a investigação sejam reportadas de forma clara, imparcial e sem generalizações, contendo, entre outros, o escopo da investigação, a metodologia do trabalho, principais observações identificadas, e conclusões.
Todos os fatos devem ser indicados sem qualquer interpretação, devendo ser reportado de forma factual – exatamente da maneira como a evidência foi identificada.
De qualquer forma, em todas as fases da investigação, é imprescindível que a identidade de todas as pessoas que tenham colaborado com a apuração ou tenham tido seus dados analisados seja devidamente preservada. Essa prática deve também ser aplicada ao relatório final de investigação, de modo que todas as pessoas mencionadas no material tenham a sua identidade anonimizada.
Conduzi uma investigação interna e as evidências indicam a existência de assédio, como devo proceder em relação ao(a) denunciado(a)?
É importante que o(a) denunciado(a), uma vez confirmada sua conduta inadequada, receba a medida disciplinar adequada, conforme diretrizes ou normas internas. Na definição da medida, é importante que os seguintes fatores sejam levados em consideração: (i) consistência com medidas aplicadas em situações similares; (ii) gravidade da conduta praticada; (iii) nível de participação do indivíduo na conduta; (iv) posição do indivíduo no quadro organizacional; (v) mensagem que a companhia deseja passar, considerando a cultura de conformidade e política de consequências; (vi) grau de cooperação do indivíduo para a detecção e investigação das violações; e (vi) histórico de não conformidades do indivíduo.
Caso tal medida não seja o desligamento, a empresa deve considerar se há necessidade de o(a) denunciado(a) e a vítima não mantenham mais contato, evitando-se, assim, possível retaliação, e o bem-estar da vítima seja resguardado. A mudança de setor ou de função, e alteração da jornada de trabalho são exemplos de possíveis medidas.
Considerando os resultados da investigação, a empresa, além de tomar as providências necessárias, deve implementar medidas para reduzir a probabilidade de ocorrência de retaliações a vítimas e testemunhas e problemas semelhantes no futuro, como, por exemplo, a realização de treinamentos para uma determinada equipe/área/localidade.
Conduzi uma investigação interna e as evidências indicam a existência de assédio, como devo proceder em relação à vítima?
Ainda considerando as evidências identificadas ao longo da investigação, independente da medida a ser tomada quanto ao(a) denunciado(a), é importante que a empresa acompanhe e forneça apoio à vítima. Uma possível forma seria por meio da área de Recursos Humanos/Gente e Gestão, que poderá acompanhar o estado e bem-estar da vítima.
A empresa deve se manter atenta quanto ao bem-estar da vítima, considerando que a prática de assédio pode repercutir na saúde física e mental do colaborador. Alguns sinais que a vítima de assédio pode apresentar são: depressão, angústia, estresse, diminuição da capacidade de concentração, isolamento, redução da capacidade de se relacionar com outras pessoas, e outros.
Há dever de reporte de situações de assédio?
Não existe previsão legal acerca do dever de reporte às autoridades por parte da empresa em casos de assédio moral e/ou sexual. Contudo, conforme mencionado na pergunta “a”, é dever do empregador zelar pelo ambiente de trabalho, de forma a manter um ambiente respeitoso e psicologicamente saudável.
De acordo com o disposto do artigo 932 do Código Civil, o empregador é responsável pela reparação civil de seus empregados, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Além disso, o artigo 157 da CLT dispõe que a empresa deve cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Ou seja, pode-se dizer que existe a possibilidade do empregador ser responsabilizado pela reparação do dano causado à vítima, quando: (i) não promover formas de combate ao assédio moral; e (ii) não cumprir a obrigação legal de oferecer aos seus empregados um ambiente de trabalho considerado saudável.
Assim, conduzir a investigação interna, adotando as medidas aqui mencionadas, possibilitam que a empresa demonstre que, ao identificar qualquer conduta inadequada, tomou as medidas possíveis a fim de identificar o comportamento indesejado e de promover um ambiente seguro e saudável aos seus colaboradores.
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Sobre as autoras:
Ana Carolina Corrêa atua nas áreas de Compliance e Anticorrupção. Trabalha com investigações internas independentes relacionadas à violação de legislação anticorrupção nacional e estrangeira, condução de due diligences, bem como auxílio na elaboração de políticas internas e implementação de programas de compliance. Possui experiência na área de Direito Penal. Formada em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é atualmente pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas.
Mainara Massuella atua nas áreas de Compliance e Anticorrupção. Trabalha com investigações internas independentes relacionadas à violação de legislação anticorrupção nacional e estrangeira, condução de due diligences, bem como auxílio na elaboração de políticas internas e implementação de programas de compliance. Possui experiência na área de Direito do Trabalho. Formada em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduanda em Neurociências e Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e em ESG (Environmental, Social and Governance) na Escola Superior de Propaganda e Marketing.
As opiniões contidas nesta publicação são de responsabilidade exclusiva das Autoras, não representando necessariamente a opinião da LEC ou de seus sócios.
Fonte: https://infogram.com/9-estudo-nacional-sobre-canais-de-denuncias-edicao-2024-1hnq41ok7pw7k23
Imagem: Canva