“A corrupção ameaça a segurança nacional dos Estados Unidos, a equidade econômica, os esforços globais de combate à pobreza e de desenvolvimento e a própria democracia. Mas, prevenindo e combatendo a corrupção de forma eficaz e demonstrando os benefícios de uma governança transparente e responsável, podemos garantir uma vantagem crítica para os Estados Unidos e outras democracias.” Com esse discurso, proferido em 3 de junho de 2021, o presidente norte-americano Joe Biden estabeleceu a luta contra a corrupção como um interesse central da segurança nacional dos EUA, numa clara indicação de que a atuação do país no combate à atividade e à lavagem de dinheiro em todo o planeta, mudariam de patamar.
“Xerifes do mundo”, os americanos há tempos lideram a agenda corrupção internacional, valendo-se do poderio econômico e militar e da centralidade do seu sistema financeiro (acredita-se que apenas pela praça de Nova York passem 40% das transações financeiras ) para tentar assegurar a integridade dos mercados, a competição e, talvez o mais importante hoje, a sua segurança nacional sejam preservados, buscando fechar espaços para que atores que praticam crimes e ilícitos em todo o mundo, usem o sistema financeiro dos Estados Unidos e de outros países em seu favor. Hoje, legislações como o FCPA, a SOX, o FATCA e o AML Act já dão ao país condições legais de trazer para julgamento em seu território, sob as suas regras, crimes praticados em qualquer lugar do mundo. A musculatura e a capacidade das suas agências de enforcements como a divisão criminal do DoJ, o FBI, a SEC e o FinCEN permitem aos seus agentes, investigar e ir atrás se empresas e indivíduos para trazê-los a julgamento em solo americano, como os profissionais de Compliance bem sabem.
Mas agora, eles querem ir além.
Binden orientou sua equipe de segurança nacional a liderar a criação de uma estratégia abrangente, capaz de melhorar a capacidade do governo dos EUA de prevenir a corrupção, combater de forma mais eficaz o financiamento ilícito, responsabilizar melhor os atores corruptos e fortalecer a capacidade de quem está na linha de frente da exposição de atos corruptos, como ativistas e jornalistas investigativos, de expor atos de corrupção.
No último dia 6 de dezembro, o governo lançou a primeira Estratégia dos Estados Unidos de Combate à Corrupção ligada diretamente à Casa Branca. A estratégia descreve uma abordagem da máquina governamental do país para elevar a luta contra a corrupção a níveis mais altos, tomando medidas adicionais para reduzir a capacidade dos corruptos de usar os EUA e os sistemas financeiros internacionais para ocultar ativos e lavar o produto de seus ilícitos.
A estratégia americana está baseada em cinco pilares que se reforçam mutuamente. O primeiro é “modernizar, coordenar e dar os recursos adequados aos esforços do governo para combater a corrupção”, incluindo uma melhor compreensão e resposta em relação à amplitude transnacional dessa atividade. A estratégia estabelece os esforços anticorrupção como uma prioridade transversal nos principais departamentos e agências do governo federal, inclusive por meio de órgãos de coordenação nos Departamentos de Estado, Tesouro e Comércio e na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), sem falar no Departamento de Justiça (o DoJ), ator mais frequente da estrutura governamental americana no combate à corrupção internacional.
O segundo pilar, “inibir operações financeiras ilícitas”, visando evitar que atores corruptos e seus facilitadores se aproveitem das vulnerabilidades nos sistemas financeiros internacionais e dos Estados Unidos. “Como a maior economia do mundo, os Estados Unidos têm a responsabilidade de atacar as lacunas em nosso próprio sistema regulatório e trabalhar com nossos aliados e parceiros para fazer o mesmo”, disse a declaração da Casa Branca. Entre os pontos abordados nesse pilar, o aperfeiçoamento nas regulamentações relacionadas com a transparência das informações sobre e propriedade efetiva (“ultimate beneficial owner”), além de trabalhar com o Congresso e buscando nos regulamentos já existentes para tornar mais difícil para certos guardiões do sistema financeiro – incluindo advogados e contadores – busquem evitar o necessário escrutínio.
A responsabilização de atores corruptos, terceiro pilar da estratégia, reforça um ponto que já vem sendo posto em prática pelo DoJ em violações ao FCPA (e por outras agências de combate à corrupção): punir as pessoas físicas envolvidas e não apenas multar as empresas. “À medida que o governo dos EUA trabalha para solucionar deficiências e diminuir a capacidade de agentes corruptos de lavar os lucros de suas atividades por meio dos mercados globais, também responsabilizamos aqueles que optarem por se envolver em corrupção”, diz o texto de apresentação da estratégia. Nesse pilar, além dos esforços diplomáticos e de desenvolvimento para apoiar, defender e proteger os membros da sociedade civil e da mídia que expõem a corrupção (e os corruptos), os Estados Unidos devem lançar uma nova iniciativa para engajar países parceiros na detecção e interrupção do suborno estrangeiro, além de estabelecer um programa de recompensas de recuperação de ativos de cleptocracias. Com essa iniciativa, os EUA querem aumentar sua capacidade de identificar e recuperar ativos roubados vinculados à corrupção em governos estrangeiros que são mantidos em instituições financeiras dos EUA. Ainda neste pilar, a estratégia também quer seguir trabalhando com o setor privado para melhorar o ambiente de negócios internacionais, incentivando a adoção e aplicação de programas de conformidade anticorrupção por empresas americanas e internacionais.
Os Estados Unidos continuarão a “Preservar e fortalecer a arquitetura multilateral anticorrupção”, quarto pilar da estratégia, trabalhando com organismos multilaterais como o G7 e o G20 para implementar fortes medidas anticorrupção e de transparência em todos os níveis. A nova administração quer revigorar a participação dos EUA em várias iniciativas, incluindo a Open Government Partnership e a Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas.
“Melhorar o engajamento diplomático e alavancar os recursos de assistência externa para atingir os objetivos da política anticorrupção”, incluindo assistência à segurança, são vitais para os esforços dos Estados Unidos para combater a corrupção dentro e fora de casa e constitui o quinto pilar da nova estratégia. Tais esforços podem reforçar a capacidade e a vontade dos governos parceiros de combater a corrupção e apoiar a sociedade civil e outros envolvidos na defesa e ação. Além disso, os Estados Unidos buscarão melhorar seus processos de gerenciamento de risco e compreender melhor as dinâmicas políticas, econômicas e sociais locais para proteger a ajuda financeira oferecida a esses países. Isso passa por revisar e reavaliar critérios para assistência a governos estrangeiros, inclusive no que diz respeito à transparência e responsabilidade com a aplicação desses recursos, além de reforçar a capacidade e o apoio ao combate à corrupção do setor público, inclusive às instituições independentes de auditoria e supervisão.
Os departamentos e agências federais envolvidas com a estratégia irão apresentar relatórios anuais ao Presidente sobre o progresso feito em relação aos objetivos do plano.
Artigo publicado originalmente na edição 33 da Revista LEC.
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