Pergunte a algum conhecido que desafortunadamente trabalhou para grupos empresariais envolvidos em acusações de fraude corporativa sobre as consequências dessa experiência para sua vida profissional. É possível que você escute relatos de profissionais que não estavam envolvidos no esquema que ainda sofrem com a desconfiança daqueles a sua volta. Pergunte também sobre a experiência de investidores que tiveram parte do seu capital evaporado de uma hora para outra, por responsabilidade de administradores que intencionalmente criaram lucro contábil para bater metas e receber bônus no final do ano. A busca a qualquer custo por resultados financeiros em empresas, principalmente nas de capital aberto, tem deixado suas vítimas no Brasil e no exterior.
O caso mais recente no Brasil é o da Americanas S.A., que comunicou em 13.06.2023 que “as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior”. No dia seguinte, a empresa afirmou que a fraude inflou os resultados em R$25,3 bilhões. Muitas perguntas permanecem sem resposta, desde o desenho e operacionalização da fraude até os controles internos, supervisão do conselho de administração e auditoria independente. Levará tempo até que os investigadores compreendam todos os mecanismos utilizados.
Uma fraude contábil que infla os resultados beneficia principalmente os acionistas controladores e seus executivos, valorizando as ações a curto prazo, aumentando dividendos, reduzindo custos de captação de recursos e elevando salários e bônus por desempenho.
O curioso é que a Americanas nunca escondeu sua obsessão por resultados. Um dos sete valores exibidos publicamente no seu Código de Conduta é “Ser obcecado por resultados”. Esse Código define que “todos os associados da Americanas devem agir de acordo com o Código de Ética e Conduta em seu relacionamento com colegas de trabalho, clientes, fornecedores, governo e sociedade”.
Essa obsessão pode levar a vieses perigosos quando decisões éticas são necessárias. A busca desenfreada por um objetivo pode causar comportamentos extremos, falta de razoabilidade, alienação de perspectivas diferentes e, em alguns casos, comportamentos criminosos. Empresas que priorizam resultados acima de tudo podem sacrificar a integridade e a transparência. Sinais de alerta incluem pressões para atingir metas inatingíveis, incentivos financeiros desproporcionais e uma cultura organizacional que desencoraja questionamentos e denúncias. É fundamental que controladores, investidores, conselheiros, líderes e colaboradores estejam atentos a esses sinais e promovam mudanças, evitando a normalização de práticas fraudulentas.
Para o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ), um programa de compliance eficaz deve estabelecer incentivos adequados. Os critérios de avaliação dos executivos e as metas que influenciam o pagamento de bônus devem ser transparentes em documentos públicos como relatórios de sustentabilidade e formulários de referência. Nos documentos recentes da Americanas, os critérios para pagamento de bônus incluem EBITDA, satisfação do cliente, volume de vendas, despesas e indicadores operacionais específicos.
Além disso, as empresas devem investir em mecanismos de controle interno e auditoria. A transparência nas demonstrações financeiras e uma cultura de prestação de contas são essenciais para garantir a confiança dos investidores e acionistas. A autonomia dos órgãos de controle, investigação e compliance é um fator relevante nas diretrizes brasileiras e internacionais. No caso da Americanas, os documentos públicos indicam que “as áreas de controle são subordinadas operacionalmente às Diretorias Estatutárias da Companhia e pelo menos uma vez por ano os riscos prioritários e seus planos de mitigação são reportados e discutidos junto ao Conselho de Administração e ao Comitê de Auditoria”.
Quando as Diretorias Estatutárias estão envolvidas em fraude, a subordinação da auditoria interna a essas diretorias pode limitar sua autonomia para levantar preocupações ao Conselho de Administração e ao Comitê de Auditoria. Recomenda-se que a composição do comitê de auditoria seja periodicamente renovada para promover imparcialidade, independência, renovação de habilidades e conhecimentos, prevenção de conflitos de interesse e estímulo à prestação de contas. Os documentos públicos da Americanas mostram que o comitê de auditoria é formado apenas por membros independentes, o que é positivo para a governança corporativa, embora haja renovações consecutivas de mandatos que a enfraquecem.
A obsessão por resultados não deve ser confundida com a busca por excelência e desempenho. É possível estabelecer metas ambiciosas e buscar crescimento e rentabilidade sem comprometer a ética e a legalidade. Um equilíbrio saudável entre a busca por resultados e a adoção de práticas corretas é necessário. A investigação de fraude contábil na Americanas serve como um alerta para todas as empresas, lembrando da importância de construir uma cultura organizacional baseada em valores éticos sólidos, onde a integridade e a transparência sejam prioridades. Empresas e grupos obcecados devem buscar ajuda profissional para evitar sofrimento próprio e de partes interessadas, especialmente investidores minoritários e funcionários não envolvidos em esquemas fraudulentos.