O país se encontra num momento no qual a palavra reforma, uma vez fazendo referência às leis, ganha os noticiários diariamente, seja esta reforma trabalhista, reforma política, dentre outras. No entanto, as reformas do Código Penal e Processo Penal, embora sejam de grande e urgente necessidade, pouco são mencionadas. Isso porque projetos de tais reformas se encontram parados no Congresso Nacional há cerca de dezoito anos.
A chamada flexibilização do sistema de códigos penais se apresenta necessária na medida em que a sociedade evoluiu, tornando imprescindível que o Direito Penal se amolde frente às mudanças que ocorrem.
Um exemplo claro disso é a flexibilização do princípio da indisponibilidade da ação penal. Afinal, do que serve ser titular de algo do qual não se pode dispor, como é o caso da ação penal? Da mesma forma em que não há lógica no juiz de direito homologar a promoção do arquivamento quando quem resolve de fato é o Procurador Geral de Justiça. Entendemos também que boa parte das ações penais em curso são um custo ao Estado e que por vezes a própria vítima não possui interesse nela. Portanto, uma nova análise quanto à titularidade da ação penal tem importância em seu destaque: a exemplo de casos bem sucedidos nas cortes americanas – embora sendo o sistema judiciário de common law, diferentemente do sistema brasileiro, civil law –, dadas as devidas proporções e adequações necessárias, poderia ser implementado no sistema pátrio o chamado “plea bargaining”. Segundo a definição de Luiz Flávio Gomes, “O plea bargaining é o instituto de origem na common law e consiste numa negociação feita entre o representante do Ministério Púbico e o acusado: o acusado apresenta importantes informações, e o Ministério Público pode até deixar de acusá-lo formalmente”.
Acreditamos assim que a transação penal deva ser aplicada, afastando-se o controle jurisdicional que, no final das contas, apenas homologa um acordo, e que os crimes patrimoniais que não envolvem violência ou grave ameaça sejam de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação.
Neste sentido, Luigi Ferrajoli sempre defendeu que a insignificância justifica penas alternativas e não excludente de crime como no Brasil se deturpou. Porém, faz certo que isso compete ao legislativo.
Quem idealizou e formalizou as audiências de custódia afirmava que o jurisdicionado não poderia ficar à mercê da vontade do legislativo, mas isso não permite invasão na esfera de poderes. A questão é que o judiciário vem legislando diuturnamente, como fez desde o exame criminológico na Súmula 439 do STJ, a ADPF 54, sobre o aborto de feto anencéfalo, a audiência de custódia na ADIn 5240 e a ADPF 347 regulamentada nas Resoluções 213 e 214 do CNJ e até a gritante e inconstitucional decisão do STF no HC 118.533 ao dizer que o tráfico privilegiado não é hediondo, sendo certo que quem define a hediondez do tráfico não é a lei, mas a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XLIII.
Insistimos que nosso sistema penal e processual penal precisa de urgentes atualizações às expressões, como “ocultar desonra própria”, constante no artigo 134 do Código Penal, o termo “reconhecida nobreza” constante no artigo 242, parágrafo único do Código Penal, assim como a previsão da extinção da punibilidade no peculato culposo no artigo 312 do Código de Processo Penal. No campo processual, é necessário reduzir a literalidade e flexibilizar a obrigatoriedade e a indisponibilidade. No mesmo sentido, assegurar um contraditório com paridade de armas não sendo o réu a parte tão sensível e desprotegida na relação processual.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, salvo nas hipóteses de competência originária, devem se limitar ao controle de constitucionalidade e não se transformar em órgão recursal, invadindo assim a autonomia e competência conferida ao Poder Legislativo. Todavia, insistimos que isso implica em mudança de Lei Federal e não de “puxadinhos legislativos” por resoluções, provimentos com características de Lei Federal.
Ilka Maria de Barros Corrêa Ferreira Lima é estudante do décimo semestre de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.