Num comunicado emitido no início de março, o presidente do Grupo Egmont, Hennie Verbeek-Kusters, disse que a entidade está preocupada com informações de que unidades de inteligência financeiras nacionais (UIFs) estariam abusando de poderes que lhes são conferidos ao que limitar ou coagir atores da sociedade civil por seu trabalho e por críticas aos governos atuais em suas respectivas jurisdições. O Grupo Egmont congrega as unidades de inteligência financeira de mais de 200 nações, como o COAF brasileiro.
De acordo com o comunicado, “o Grupo não tolera tal comportamento e se opõe firmemente a qualquer abuso de poderes das UIFs”.
As UIFs têm mandado para receber informações de diferentes fontes obrigadas a comunicar transações de risco ou suspeitas e outras informações relevantes para a prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao outros crimes correlatos. A elas também é franqueado o acesso privilegiado às informações financeiras e administrativas, além da troca de informações com UIFs estrangeiras. A partir dessas informações, as unidades produzem e analisam relatórios de inteligência financeira que, a depender do resultado, podem ser encaminhadas as autoridades locais que poderão utilizá-las como indício ou prova em suas investigações e acusações.
Com todo esse poder em mãos, as UIFs precisam de autonomia operacional e independência política para que não sejam utilizadas para favorecer amigos ou destruir adversários do governo de turno, mantendo a confiabilidade para a troca de informações entre os diferentes atores nacionais que atuam na prevenção à lavagem de dinheiro. “O Grupo Egmont considera qualquer uso indevido dos poderes das UIFs para fins diferentes dos mencionados, como contrário aos padrões internacionais de PLDFT e ao espírito da nossa organização. O Grupo Egmont facilita a cooperação internacional ao fornecer uma plataforma segura para a troca de informações e um sistema claro de regras (princípios) para a troca de informações. Espera-se que todos os membros do Grupo Egmont cumpram os princípios de troca de informações.”, diz o comunicado assinado pelo presidente da entidade, que continua dizendo que o Grupo Egmont alinha sua posição com os requisitos da Recomendação 29 do FATF/GAFI e exorta os países a protegerem a independência operacional e a autonomia das suas UIFs. “Elas devem evitar qualquer uso indevido de seus poderes e continuar a criar resiliência contra influências ou interferências políticas, governamentais ou empresariais que possam comprometer sua independência operacional”, conclui.
Mudanças dos dois lados do Atlântico
Naquela que é considerada a maior alteração na legislação de prevenção à lavagem de dinheiro dos Estados Unidos desde o Patriot Act, de 2001 – que serviu de base para o endurecimento nos processos de prevenção à lavagem de dinheiro no mundo todo – foi sancionado pelo Congresso dos Estados Unidos em janeiro o novo Anti-Money Laundering Act.
Várias medidas trazidas pela nova lei já estão em vigor, entre elas a que da as autoridades locais envolvidas nos processos de PLDFT, o poder de intimação sobre bancos estrangeiros, dando a elas autoridade estatutária do Departamento de Justiça para intimação de documentos de instituições financeiras estrangeiras que mantêm contas de correspondentes nos Estados Unidos. Como explica um documento produzido pela banca norte-americana Orrick, anteriormente, o governo dos Estados Unidos só podia intimar bancos estrangeiros com contas correspondentes no país por registros de contas fora dos Estados Unidos relacionadas com essa conta correspondente. Agora, as autoridades de lá podem intimar qualquer banco estrangeiro que mantenha uma conta correspondente nos Estados Unidos a entregar registros de todas as contas que são objeto de ação de confisco civil ou de certas investigações, mesmo que ela não esteja relacionada à conta correspondente do banco estrangeiro nos Estados Unidos. Segundo os advogados do Orrick, o não cumprimento da intimação expõe a instituição financeira a uma ordem de desacato, sanções e rescisão de relações com instituições financeiras dos EUA sob a direção do Procurador-Geral ou do Secretário do Tesouro. Dessa forma, Washington amplia sua capacidade de realizar investigações ao mesmo temo em que manda um recado claro para empresas e pessoas que buscam branquear os frutos do crime em países menos efetivos na prevenção à lavagem de dinheiro, de que elas terão mais dificuldades de esconder os malfeitos.
Outra novidade imposta pelo novo ato é que ele torna crime ocultar a propriedade ou o controle de ativos em transações monetárias envolvendo figuras políticas estrangeiras seniores, instituições financeiras ou jurisdições preocupantes em termos de lavagem de dinheiro. Essa medida também já está em vigor.
Inspirada por legislações como a Dodd-Frank e o False Claim Act, o novo AML Act quer estimular denúncias de violações relacionadas com a lavagem de dinheiro e falhas em sua prevenção com prêmios mais elevados e proteção ao denunciante idem. Esta medida também já está em vigor.
Enfim, um cadastro central
Um dos pontos mais debatidos no universo dos profissionais de Compliance Financeiro, a identificação do beneficiário final, ganha uma importante ferramenta, o novo registro central de informações sobre os beneficiários finais de empresas de fachada e outras entidades menores e menos regulamentadas. Estabelecida pelo novo AML Act, o registro deve estar operacional em um ano e estará disponível para consulta de instituições financeiras, autoridades policiais e reguladores estrangeiros. Os advogados do Orrick lembram também que a nova legislação impõe penalidades criminais e civis por falhas intencionais nos relatórios de beneficiário final, pelo fornecimento de informações de beneficiários finais falsas ou a divulgação não autorizada e o uso impróprio dessas informações.
Por fim, existe uma orientação clara dada pelo AML Act de que as autoridades devem exigir que as instituições públicas e privadas, responsáveis pela função de PLDFT simplifiquem os processos de armazenamento e tratamento dos dados que precisam ser analisados, buscando uma maior digitalização e a modernização nos sistemas do Office of the Comptroller of the Currency (escritório do Departamento do Tesouro responsável pela regulação e fiscalização dos bancos nacionais e estrangeiros nos Estados Unidos), tanto para abarcar a emissão de criptomoedas como para tornar mais fácil a disponibilização das informações OCC (Controladoria da Moeda), modernizando este último também em função da emissão de novas formas monetárias (criptomoedas) e para oferecer uma maior disponibilidade de informações para investigações. É esperado que os Departamentos de Tesouro, de Justiça e outras autoridades públicas e provadas envolvidos com o tema proponham novas regulamentações ao Congresso nesse sentido dentro de um ano.
Mais peso sobre as empresas
Até junho deste ano, as empresas de fora da União Europeia terão que se adaptar a 6º Diretiva de Prevenção à Lavagem de Dinheiro da região. Tornada lei em dezembro do ano passado, a nova diretiva busca ir além dos requerimentos relacionados com a prevenção à lavagem de dinheiro – já fortalecidos – para estabelecer regramentos para atuar no combate aos crimes cibernéticos e ao financiamento do terrorismo de forma mais efetiva. A nova diretiva também lança mais luz sobre crimes relacionados aos trafico de drogas e serem humanos, além dos crimes ambientais, se mantém viáveis por meio da lavagem de dinheiro.
De acordo com a Sanction Scanner – provedora de ferramentas de KYC, entre os aspectos mais importantes da 6º Diretiva, estão aqueles que deixam claro a responsabilidade das empresas, que agora poderão ser responsabilizadas criminalmente com penas severas. O mesmo se aplica aos representantes legais das companhias. A diretiva também deixa mais claro que as empresas precisam cooperar no julgamento de crimes de lavagem de dinheiro, que cabe a elas proteger os clientes de crimes cibernéticos e combater o financiamento do terrorismo. É a primeira vez que uma diretiva de prevenção à lavagem de dinheiro da União Europeia fala em crimes cibernéticos.
Já em relação aos novos desafios impostos pelo aumento da digitalização dos negócios, a 6º Diretiva versa que para eliminar a lavagem de dinheiro, os crimes cibernéticos precisam ser combatidos, ao mesmo tempo em estabelece que as moedas virtuais apresentam novos riscos e desafios no combate à lavagem de dinheiro.
A nova diretiva da União Europeia também busca combater os crimes anteriores à lavagem de dinheiro (algo já tratado pela legislação brasileira de lavagem de dinheiro que estipula que qualquer infração penal pode ser antecedente à lavagem), trazendo 22 crimes antecedentes com definição clara de cada um desses crimes, dando as empresas um guia, para que elas fiquem atentas a casos que possam envolver alguma dessas infrações.
As mudanças exigidas pelo novo regramento devem levar a uma revisão meticulosa dos documentos internos e, eventualmente, de documentos de terceiros, para evitar brechas que possam tornar a empresa culpada. O treinamento nas novas diretivas também será exigido pelos reguladores do velho continente.
Avançando nos temas-chave
A segunda Plenária da FATF/GAFI – órgão multilateral responsável pela supervisão global das regras de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo (PLDFT)– sob a presidência do alemão Marcus Pleyer, realizada no final de fevereiro, avançou em temas tido como fundamentais para a organização.
A digitalização, que tem o potencial de tornar as ações de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo mais eficazes e eficientes, foi um dos focos de trabalho da entidade que mais avançou, incluindo a abertura de trabalhos com o objetivo de apoiar a transformação digital dos processos de PLDFT nas unidades operacionais.
Sobre um dos pontos mais críticos e debatidos no que diz respeito à PLDFT, a identificação dos beneficiários finais, os delegados buscaram explorar emendas que ofereçam condições para fortalecer ainda mais os requisitos do órgão sobre propriedade beneficiária, tendo em vista que tanto as avaliações mútuas entre os países, como exemplos de abuso, demonstram que os criminosos ainda são capazes de esconder bens ilícitos valendo-se de estruturas jurídicas anônimas ou complexas. Também se discutiu como melhorar a transparência e garantir que informações atualizadas sobre os beneficiários finais estejam disponíveis às autoridades.
Outras discussões que avançaram durante a plenária foram as que trataram das conclusões preliminares sob o seu trabalho contínuo para superar os desafios ligados à recuperação efetiva de ativos dos criminosos; o combate à lavagem de dinheiro oriunda de crimes ambientais e o financiamento do terrorismo com motivação étnica e racial.
A abordagem baseada em riscos segue sendo um ponto central da agenda da FATF/GAFI, com novas orientações para ajudar na implementação da supervisão baseada em riscos pelas autoridades locais. Segundo o órgão, a transição da supervisão baseada em regras para a supervisão baseada no risco leva tempo e pode ser um desafio, como os resultados das avaliações mútuas mostraram.
Sobre os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo de ativos virtuais, as recomendações do FATF/GAFI agora exigem que as Provedoras de Serviços de Ativos Virtuais (VASP, na sigla em inglês), sejam regulamentadas, licenciadas, registradas e sujeitas a sistemas eficazes de monitoramento e supervisão. Em sua última revisão, o organismo destacou que os setores público e privado fizeram progresso na implementação das medidas necessárias. Mas, o processo de análise também revelou a necessidade de uma maior orientação para implementar os requisitos. O FATF/GAFI atualizou sua orientação para abordar áreas específicas, incluindo a aplicação dos padrões para os chamados stablecoin.
Artigo publicado originalmente na edição 31 da Revista LEC.
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