A Convenção Antissuborno da OCDE nasceu em 1997, fruto de uma pressão dos Estados Unidos que, na qualidade de pioneiros na elaboração de uma legislação interna condenando o suborno estrangeiro (o FCPA, de 1977), sentiam-se em desvantagem financeira e competitiva frente aos demais atores da comunidade internacional, que apresentavam a possibilidade de deduzir de seus impostos os “custos” com a corrupção.
Entre as principais inovações da Convenção, destacamos (i) a criminalização dos atos de corrupção de funcionário público estrangeiro, (ii) a atribuição de responsabilidade às pessoas jurídicas por pagamento de suborno à funcionário público estrangeiro e (iii) a exigência de maior transparência na contabilidade empresarial, com a expressa proibição de contas de caixa “dois”.
Foi, portanto, através desta Convenção que se firmaram os alicerces para o combate à corrupção no cenário internacional. Pode-se afirmar, inclusive, que a Convenção da OCDE é o instrumento internacional que teve maior incidência no setor corporativo, desencadeando um processo de reavaliação dos códigos de ética empresariais e estabelecendo regras essenciais para as empresas privadas que se relacionam com funcionários públicos estrangeiros.
Ao envolver as empresas privadas que atuam em negócios transnacionais como destinatárias das normas da Convenção, a OCDE demonstrou a importância destas entidades como atores anticorrupção. Por esta razão, demonstraremos aqui a influência da Convenção da OCDE no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que se refere à elaboração e implementação, no mundo corporativo, de regras internas de controle e combate à corrupção, abrindo caminho para se desenhar, em nosso país, uma “nova era”, por meio da implementação de programas de compliance nas empresas.
A influência da Convenção da OCDE no setor empresarial brasileiro
O Brasil não é membro da OCDE, mas é signatário da Convenção. De modo a verificar a aderência aos preceitos da Convenção, o Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE (“WGB”) realiza, nos países signatários, um minucioso processo de avaliação, que é composto, no total, por 4 fases de monitoramento.
Nosso país já passou por 3 fases de monitoramento, das quais resultaram 5 documentos:
(i) Relatório Fase 1, de 2004;
(ii) Relatório Fase 2, de 2007;
(iii) Follow-up quanto ao Relatório Fase 2, de 2010;
(iv) Relatório Fase 3, de 2014; e
(v) Follow-up quanto ao Relatório Fase 3, de 2017.
Da análise destes documentos, é possível notar avanços legislativos relevantes no nosso país em busca de atender aos principais parâmetros da Convenção. Entre estes avanços, destacamos, justamente, a responsabilização administrativa e civil das empresas por atos de corrupção, com a publicação da Lei 12.846/2013. Interessante é que o WGB já havia apontado esta lacuna no nosso ordenamento jurídico desde o Relatório Fase 1, de 2004, mas foi preciso aguardar quase 10 anos para que o Brasil finalmente atendesse a esta recomendação da OCDE.
Como resultado da 3ª fase de monitoramento, o Brasil recebeu 39 recomendações. Em resposta a esta avaliação, nosso país apresentou um relatório, o qual, após analisado pela OCDE, resultou no documento “Brazil: Follow-up to the Phase 3 Report & Recommendations”, publicado em fevereiro de 2017. Da análise deste documento, verificamos um progresso positivo do país, já que, das 39 recomendações, 18 foram integralmente implementadas, 13 foram parcialmente implementadas e 8 ainda restam ser implementadas.
Boa parte destas recomendações foram atendidas graças à publicação do Decreto 8.420/15, que regulamentou a Lei 12.846/2013 e forneceu, entre outros importantes esclarecimentos, critérios objetivos às empresas para a implementação de um programa de compliance efetivo em suas organizações.
Em 2015, a OCDE reconheceu que o Brasil, após as últimas iniciativas legislativas de combate à corrupção, já apresenta um sólido quadro legislativo para combater o suborno internacional. No entanto, a OCDE alertou que o cumprimento da legislação permanece baixo. O relatório da Transparência Internacional de 2015, nesta mesma
linha, classificou o Brasil como um país com “little or no enforcement” da Convenção.
Daí a importância do Brasil em não se desviar das tendências internacionais, em especial, das recomendações dos organismos dedicados ao combate à corrupção (como é o caso da OCDE), tendo as nossas empresas um papel fundamental nesta caminhada, já que é no setor corporativo que se vê uma das bases das práticas corruptas, porque, se de um lado há quem solicita ou recebe uma vantagem indevida, do outro lado, há sempre aquele que realiza o pagamento do suborno.
Qualquer empresa que almeje sobreviver no mercado atual, que se mostra altamente competitivo e a cada dia que passa mais exigente, e que tem buscado combater de forma veemente a corrupção (com o apoio de importantes entidades internacionais como a OCDE), precisa abrir os seus olhos para a relevância e urgência em se implementar um efetivo programa de compliance (ou atualizar o programa porventura já existente em sua corporação) de modo a não ser literalmente expulsa deste mesmo mercado por falhar em evitar que práticas corruptas contaminem seus negócios e, assim, manchem sua reputação.
É o que se espera, portanto, das empresas que compõem o mundo corporativo brasileiro, que devem permanecer firmes nesta tendência crescente de implementação de robustos programas de compliance anticorrupção, auxiliando o Estado na prevenção, detecção e repressão desta prática tão lesiva à nossa sociedade.
Izabel de Albuquerque Pereira, Doutoranda em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL). Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Membro do CEDIS (Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Universidade Nova de Lisboa). Membro fundadora do Instituto Compliance Rio (ICRio). Membro do Compliance Women Committee (CWC).
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