Você sabe o que é necessário para tratar um relato que é encaminhado ao canal de denúncias?
Muito mais do que a estruturação de um plano de ação que envolverá entrevistas, auditorias internas e verificação de processos, o canal de denúncias traz importantes insights que oportunizam às empresas ofertar melhorias no que diz respeito não apenas ao programa de compliance, como também na relação de trabalho entre os colaboradores.
Durante o processo de investigação interna é muito importante que os envolvidos tenham vivência, ou apenas, noções da legislação trabalhista afim de não comprometer a operação ou mesmo venha a representar um passivo futuro.
Dada a relevância sobre o tema, o presente artigo tem como objetivo avaliar as melhores práticas em investigação interna observando a relação de trabalho a partir da perspectiva do direito do trabalho.
Recursos Humanos em evidência
Estudos recentes apontam que apesar do canal de denúncia (em tese) servir para compor um programa de compliance, a maioria dos relatos dizem respeito à relações de trabalho e recursos humanos.
Um estudo desenvolvido pela NAVEX, o qual avaliou mais de 1 milhão de relatos em mais de 3 mil empresas multinacionais categorizou os relatos em:
- Contabilidade, Auditoria e Relatórios Financeiros;
- Integridade corporativa;
- Recursos Humanos, Diversidade e respeito no local de trabalho;
- Meio ambiente, saúde e segurança;
- Uso indevido ou apropriação indevida de ativos;
- Outros
Foi identificado que em 2023 o número de relatos categorizados na área de Recursos Humanos (III) foi de 52,53%, muito superior à segunda colocada (Integridade corporativa com 29,33%).
Esses números são impressionantes e devem servir de alerta para os investigadores, pois apesar das relações de trabalho não serem o foco dos programas de Compliance, é inegável que a falta de cuidado com esse tema pode causar inúmeros prejuízos.
Possíveis riscos da inobservância da legislação trabalhista
Quando identificadas transgressões por parte de seus colaboradores, a conclusão lógica da investigação interna é, além de propor melhorias ao programa de compliance, tomar as medidas cabíveis dentro do poder disciplinar do empregador.
Através dessa singela definição ofertada anteriormente já encontramos a necessidade de uma avaliação interdisciplinar pelo investigador sobre o que seria o poder disciplinar do empregador?
Esse é um conceito extremamente comum no âmbito das relações de trabalho, vez que o empregador em situações rotineiras tem o poder de dirigir e disciplinar seus colaboradores, desde que o faça com bom senso e dentro dos limites legais.
Um exemplo que podemos utilizar para demonstrar um poder disciplinar que foi exercido de forma equivocada, é na hipótese em que o colaborador se atrasa 20 minutos, uma única vez, e seu empregador decide por demiti-lo por justa causa.
Este tipo de situação, quando levada à justiça do trabalho seria facilmente revertida, importando a reversão da justa causa ou mesmo a reintegração daquele colaborador. Não é diferente quando tratamos de investigações internas.
Para que a sanção seja aplicada de forma coerente e dentro do razoável poder disciplinar do empregador é necessário que os investigadores, no momento da conclusão investigativa, tenham conhecimento dos conceitos sancionatórios utilizados pela justiça do trabalho.
As repercussões das decisões tomadas sem esse conhecimento afetam o programa de compliance como um todo, pois importará prejuízos financeiros para a empresa e, por conta disso, as conclusões de investigações internas serão sempre questionáveis.
Caso prático
Trazendo a discussão para o lado prático, no tratamento de um canal de denúncias, nos foi encaminhado um relato grave de assédio moral no ambiente de trabalho.
Diante da gravidade das alegações, entramos em contato com as áreas necessárias, estruturamos um plano de ação condizente com os recursos que tínhamos estruturado as diretrizes principais da investigação junto ao setor de recursos humanos e no final, o banho de água fria: O colaborador já tinha sido advertido verbalmente.
À título de conhecimento, a jurisprudência firmada na justiça do trabalho é de que o colaborador que já tenha sido sofrido algum tipo de sanção não poderá ser punido pelo mesmo motivo (dupla punição), sob pena de ser considerada abusiva por parte do empregador.
Ou seja, ainda que o relato fosse apurado e procedente qualquer tipo de sanção poderia gerar um risco por parte da empresa, especialmente quando evidenciado uma situação de dispensa com justa causa, o que facilmente seria revertido no âmbito da justiça do trabalho, por conta do conceito de dupla punição tratado anteriormente.
Nesse sentido, foi recomendada a investigação afim de evidenciar possíveis melhorias ao programa de compliance, observando como aquela conduta poderia ser evitada, mas não objetivando a punição do alvo dos relatos, por conta do alto risco que a dispensa poderia ocasionar.
Conclusão
A conclusão deste artigo destaca um elemento crucial na gestão de canais de denúncias dentro das organizações: a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e informada no tratamento de relatos de não conformidade, especialmente em questões ligadas às relações de trabalho.
Os dados da pesquisa desenvolvida pela NAVEX e os exemplos práticos apresentados sublinham que uma significativa porcentagem de denúncias se concentra em questões de Recursos Humanos, um aspecto frequentemente subestimado nos programas de compliance.
É evidente que, para evitar prejuízos financeiros e legais significativos, as investigações internas devem ser conduzidas com um profundo entendimento das normas e jurisprudência trabalhistas e o poder disciplinar do empregador. O exemplo prático do tratamento de um caso de assédio moral ilustra bem as complexidades e riscos associados à aplicação de sanções disciplinares sem o devido cuidado.
Portanto, não basta apenas responder às denúncias; é fundamental entender profundamente a natureza das questões levantadas e tratá-las de maneira que respeite tanto as leis quanto os direitos dos indivíduos envolvidos. Dessa forma, os programas de compliance não apenas protegem a organização, mas também reforçam sua integridade e valorizam seus colaboradores, criando um ciclo virtuoso de melhoria contínua e engajamento positivo no local de trabalho.