Não se admite escapismo, a propósito: toda corrupção direta ou indireta, material ou imaterial resulta eticamente reprovável, não universalizável em longo prazo e, nessa medida, francamente insustentável. Ou seja, a honestidade de propósitos evolutivos, é sim, ingrediente de qualquer filosofia consistente de sustentabilidade, nas relações públicas e privadas, acompanhada de antever os impactos econômicos. (FREITAS, 2016)
Vemos diariamente na mídia notícias sobre os custos da corrupção no Brasil. Um Estudo realizado pelo departamento de Competitividade e Tecnologia da FIESP[1] revelou alguns dos seus custos econômicos e sociais. O estudo mostra que os desvios em corrupção podem representar 2,3% do PIB do país, prejudicando significativamente os investimentos em saúde, educação, segurança, assistência social, meio ambiente e todos os demais serviços públicos.
As pesquisas, todavia, deixam de contabilizar, muitas vezes, os chamados “custos imateriais”, dado que a corrupção também mina a legitimidade política, desestabiliza o desenvolvimento social, corrói o Estado, suas instituições e as relações sociais, suprimindo, muitas vezes, a esperança dos povos.
No que diz respeito às questões ambientais, as fraudes levam à redução do controle ambiental das atividades poluentes; à existência de órgãos ambientais desqualificados e desestruturados; à falta de saneamento básico, à contaminação dos mares e águas doces, ao desmatamento, à ineficiência na gestão ambiental, à lesão à ordem jurídica: (artigo 225, 170,VI CR) e ao aumento significativo do risco de desastres. Seguem alguns exemplos de desastres ambientais da recente história brasileira:
- 1984, incêndio na Vila Socó – Dutos Petrobrás (93 mortos)
- 1987, Césio 137 em Goiânia;
- 2000, vazamento de óleo na Baía de Guanabara e em Araucária -Petrobrás;
- 2003, vazamento de barragem de celulose em Cataguases;
- 2007, rompimento de barragem em Miraí;
- 2011, Chuvas na região serrana do Rio-100 mortos;
- 2011, vazamento de óleo Bacia de Campos;
- 2015, incêndio na Ultracargo;
- 2015, rompimento da barragem de Mariana- 19 mortos imediatos;
- 2018, dois vazamentos do mineroduto em Santo Antônio do Grama- Suspensão das atividades pelo IBAMA.
Diante desse cenário, não é exagero dizer que, quando houver alto risco de danos ao meio ambiente e à qualidade de vida, haverá risco significativo de corrupção, dada a sujeição das atividades de impacto aos licenciamentos e autorizações que estabelecem uma continua e permanente relação com diversos agentes públicos. Essas licenças e autorizações demandam pagamentos de taxas e sujeitam-se à discricionariedade técnica, impondo negociações e discussões técnicas sobre os temas. Tem-se, pois, em matéria ambiental, uma red flag hasteada no topo do mastro.
Sob um viés mais pragmático, pode-se dizer que as atividades consideradas poluentes são sujeitas a maior controle, submetendo-se a uma infinidade de leis, normas infra legais, regulamentos e, via de consequência, ao exercício do Poder de Polícia, o que intensifica a sua relação com o poder público.
Algumas peculiaridades do bem jurídico ambiental, da legislação que o tutela e dos órgãos ambientais brasileiros, aumentam a fragilidade nas relações público-privadas. Eis um breve panorama:
– a natureza é instável e mutável, fazendo com que sejam instáveis e mutáveis as relações jurídicas que a tutelam. “Coisa julgada”, “direito adquirido” e “ato jurídico perfeito” são institutos de salvaguarda da segurança jurídica, mas pouco compatíveis com a tutela jurídica do meio ambiente, na maior parte dos casos;
– as licenças ambientais, diferentemente das demais licenças, não são atos administrativos vinculados às exigências legais objetivas. Ao contrário, seu procedimento e expedição é dotado de grande margem de discricionariedade técnica, sujeito a emissão de laudos, pareceres e relatórios técnicos e científicos;
– a essa discricionariedade pode ser associada a inexistência de neutralidade ou baixa imparcialidade científica e a problemas na formação/educação dos técnicos da área, fatores que aumentam a margem de insegurança, a dificuldade da fiscalização e do controle desses atos, quase sempre protegidos sob o “manto da independência técnica”;
– as secretarias de meio ambiente e as autarquias a elas vinculadas não são prioridades nas administrações e estão entre os órgãos e entidades de menor orçamento, com baixa estrutura e capacidade técnica; a realidade do Ministério do Meio Ambiente não é muito distinta;
– a competência constitucional legislativa em matéria ambiental é concorrente, o que significa que todos os entes federados podem legislar sobre meio ambiente, produzindo-se, com isso, uma infinidade de leis e regulamentos;
– a competência para fiscalizar e elaborar políticas é comum, ou seja, tanto a União, quanto os Estados e Municípios podem aplicar multas e criar exigências ambientais;
– como a União não trata, via de regra, de procedimentos nas leis federais de caráter geral, há uma absoluta falta de padronização nos procedimentos, o que dificulta ações preventivas, a interposição de recursos administrativos e a correção de distorções;
Nesse cenário complexo, não é incomum que servidores de órgãos ambientais “criem dificuldades para vender facilidades”, corroborando para o ciclo vicioso da fraude que tem levado à desastres ambientais e a degradações cotidianas da nossa qualidade de vida. Mesmo o empresário “bem-intencionado” encontra dificuldades, quando não tem conhecimento e políticas claras no enfrentamento desses riscos.
Já os riscos ambientais propriamente ditos apresentam-se, via de regra, sob três modalidades (MARCHEZINI, 2017):
- Os riscos ambientais relacionados ao meio ambiente do trabalho, definidos na NR-9 como: “os agentes físicos, químicos e biológicos existentes nos ambientes de trabalho que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à saúde do trabalhador.” ·
- Riscos Ambientais ecológicos, que consideram os impactos no ecossistema e habitats, podendo se manifestar a grandes distâncias da fonte;
- Riscos reflexos. A lesão ao equilíbrio ecológico, via de regra, afeta outros direitos individuais e coletivos. Danos à saúde de um povoado, à economia de um município são comuns em caso de eventos danosos e também devem entrar no cômputo, considerando que são indenizáveis e podem agravar sanções penais e administrativas.
É importante frisar que a Constituição Federal adota o conceito ampliativo de meio ambiente, ou seja, meio ambiente, na visão atual do Supremo Tribunal Federal, é mais do que o conjunto de leis, ordens e interações de ordem física, química ou biológica que abriga e rege a vida em qualquer das suas formas, previsto na Lei 6938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente), mas inclui também o meio artificial ou construído, o meio ambiente cultural e o meio ambiente do trabalho.
Isso significa que a análise dos riscos ambientais deve considerar a probabilidade de ocorrência de evento danoso apto a afetar todas essas esferas e ainda, seus reflexos sobre outros direitos.
No campo normativo, destaca-se a Resolução BACEN 4327/2014, que versa sobre o gerenciamento do risco socioambiental, definindo-o em seu artigo 4º como a possibilidade de ocorrência de perdas das instituições financeiras sujeitas ao controle do Banco Central, impondo a sua identificação como um componente das diversas modalidades de risco a que estão expostas. Sobre o gerenciamento desses riscos, assim dispõe:
Art. 6º – O gerenciamento do risco socioambiental das instituições mencionadas no art. 1º deve considerar:
I – sistemas, rotinas e procedimentos que possibilitem identificar, classificar, avaliar, monitorar, mitigar e controlar o risco socioambiental presente nas atividades e nas operações da instituição;
II – registro de dados referentes às perdas efetivas em função de danos socioambientais, pelo período mínimo de cinco anos, incluindo valores, tipo, localização e setor econômico objeto da operação;
III – avaliação prévia dos potenciais impactos socioambientais negativos de novas modalidades de produtos e serviços, inclusive em relação ao risco de reputação; e
IV – procedimentos para adequação do gerenciamento do risco socioambiental às mudanças legais, regulamentares e de mercado.
À luz da causalidade, os riscos podem ter causas naturais ou antropogênicas (provocadas pelas atividades humanas). Muitos desastres ditos “naturais”, todavia, têm como causa, ainda que remota, ações ou omissões humanas, como no caso de um deslizamento de terra por de chuvas torrenciais, em uma encosta ocupada clandestinamente. São as chamadas “chuvas de omissão” (FREITAS, 2016).
A identificação e classificação dos riscos ambientais em baixo, médio, alto e altíssimo, e o estabelecimento das medidas mitigadoras de tais riscos ainda é um grande desafio, dada a própria instabilidade do meio natural e o histórico de desconhecimento científico decorrente da subjugação da natureza pelo homem antropocêntrico.
As consequências disso têm sido catastróficas não só para o equilíbrio ecológico, mas também para as empresas que subestimam tais riscos e acabam envolvidas em desastres ambientais. Saliente-se que, muitas vezes, tais eventos não podem ser classificados como acidentes, dada a previsibilidade de sua ocorrência, sendo conhecidos na teoria geral dos desastres, como “desastres antropogênicos de causas industriais/tecnológicas” (CARVALHO E DAMACENA, 2013).
Por isso, é que o mapeamento e a classificação dos riscos ambientais em uma companhia passa por uma profunda investigação de todas as etapas da atividade e das suas relações externas, com due diligence ambiental de terceiros. No compliance ambiental, a avaliação dos riscos ambientais é acompanhada e cruzada com o mapeamento dos riscos de corrupção na relação com os órgãos ambientais e com as políticas internas anti-bribery.
Como se pode perceber, além dos riscos ambientais relacionados à atividade, são muitos os casos de fraudes relacionados à gestão interna de uma companhia, bem como às suas relações com o Poder Público, sendo o compliance ambiental um instrumento fundamental para o gerenciamento das ameaças e para a construção ou consolidação da imagem do negócio.
Flávia Marchezini é sócia-fundadora da Carvalho & Marchezini advocacia, consultoria e compliance. Professora de Direito Ambiental, Direito Urbanístico e Compliance dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória –FDV. Doutoranda em Direitos e Garantias Fundamentais –FDV. Procuradora do Município de Vitória-ES com atuação nas áreas de meio ambiente e urbanismo.. Consultora de Sustentabilidade e Compliance da Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (REDE), Vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/ES, Membro do Conselho Estadual de Ética Pública do Espírito Santo. Palestrante e autora de obras e artigos sobre Direito Ambiental, Direito Urbanístico e Compliance.
REFERÊNCIAS
ANTONIK, Luis Roberto. Compliance, ética, responsabilidade social empresarial: uma visão prática. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.
BB Adopts Equator Principles. DisponÌvel em: www.equator-principles.com. Acesso em: 05 de Mar. 2017
BRASIL. Controladoria Geral da União. Programa de Integridade: Direitrizes para Empresas Privadas. CGU: Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-Integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016.
_______. Tribunal de Contas da União . Referencial básico de governança aplicável a órgãos e entidades da administração pública / Tribunal de Contas da União. Versão 2 – Brasília: TCU, Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão, 2014. Disponível em http://portal.tcu.gov.br/comunidades/governanca/entendendo-a-governanca/referencial-de-governanca/ Acesso em: 10 maio 2016.
_______. Banco Central do Brasil. Resolução nº 4.327, de 25 de abril de 2014. Dispõe sobre as diretrizes que devem ser observadas no estabelecimento e na implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil. Disponível em <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2014/pdf/res_4327_v1_O.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016..
______ Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. NR 9 – Programa de prevenção de riscos ambientais (109.000-3). Estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação, por parte de todos os empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA. Disponível em http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/NRs/NR_9.html. Acesso em 28 jul. 2017.
______. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 10 maio 2016..
______. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 10 maio 2016.
_______ Lei 6938 de de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm . Acesso em 07 Jul. 2017.
CANDELORO, A.P.P.; RIZZO, M.B.M; PINHO, V. Compliance 360º: riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo. 2 ed. São Paulo: Ed. do Autor, 2015.
CARVALHO, Délton Winter de; DAMACENA, Fernanda Dalla Libera. Direito dos Desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao futuro. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
JAMIESON, Dale. Ética e Meio Ambiente: uma introdução; tradução de André Luiz de Alvarenga. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2010.
MARCHEZINI, Flávia de Sousa. Riscos ambientais e integridade corporativa in De Lamboy, C.K.(org.), Manual de Compliance. São Paulo: Instituto ARC, 2017.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD). Oslo Manual: proposed guidelines for collecting and interpreting technological innovation data. Paris: OECD, 1997. Disponível em: <https://www.oecd.org/sti/inno/2367580.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2016.