Já faz um tempo que a agenda do Compliance Officer no Brasil não se resume ao combate à corrupção, ao suborno e à fraude. Além destas, outras pautas ganharam relevância, como as questões trabalhistas e sociais na cadeia de fornecedores, bem como o combate ao assédio, à discriminação, ao racismo e às agressões no ambiente de trabalho, inclusive envolvendo os diversos stakeholders.
Temos também o contexto da Lei 14.457/22, que insere a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA) nos fluxos e nas atividades de combate ao assédio sexual e outras formas de violência, o que gerou, em alguns casos, uma nova necessidade de interface para os profissionais de Compliance.
Criar ações de combate ao assédio, à discriminação, ao racismo e às agressões não é uma tarefa simples, mas é possível. Isso porque temos comportamentos individuais, influência dos grupos com quem nos relacionamos, históricos, hábitos e vícios socioculturais e letramento insuficiente, entre outros, além da própria complexidade do ser humano e da convivência em coletividade. São pontos de atenção para que a agenda do compliance seja implementada com efetividade.
Por isso, o combate exige a união de forças e a pluralidade de conhecimentos para que ele seja bem executado. Internamente, nas organizações, a parceria e trabalho harmônico com a área de Gente & Gestão é fundamental para o sucesso. Diante do cenário apresentado, seguem quatro passos fundamentais para que as empresas caminhem contra as ações arbitrárias no ambiente de trabalho.
1.Contratação
O próprio processo de recrutamento e seleção é uma importante etapa. Muito se fala da importância da verificação de antecedentes, mas poucos se lembram de avaliar a forma de pensar e agir, bem como a flexibilidade moral dos candidatos. Para isso, é preciso avaliar o compliance individual. Não adianta contratar um profissional apenas pelos conhecimentos técnicos, mas que, ao mesmo tempo, apresenta comportamentos racistas e traz toxicidade para o ambiente da empresa e para as relações pessoais.
Além da adaptação cultural, o candidato deve demonstrar real alinhamento com as diretrizes corporativas. No processo de onboarding, é fundamental apresentar o código de conduta ética da empresa, os comportamentos esperados e as orientações de combate ao assédio da organização. Há ainda a possibilidade de oferecer mentoria para mitigar riscos e permitir que bons profissionais sejam contratados, ou seja, que estejam alinhados com o contexto atual e com os valores organizacionais.
2.Conscientização e cultura
As diretrizes corporativas precisam estar formalizadas e terem o devido patrocínio da alta direção. O código de conduta ética deve ser claro sobre o que é assédio, discriminação, racismo e outras agressões, além do posicionamento institucional de não aceitar tais práticas, e de possíveis sanções. As políticas adicionais, como às de anti bullying ou as pró diversidade, equidade e inclusão, podem trazer um importante complemento para a cultura de conscientização. Porém, os normativos e seus conteúdos precisam ser disseminados e, por isso, ter um bom plano de treinamento e comunicação é fundamental. Na execução deste projeto, vale contar com recursos variados, como treinamentos presenciais e remotos, animações e pílulas de conhecimento, respeitando o perfil de cada público e mesclando as temáticas.
3.Monitoramento
É preciso ter meios para saber se as diretrizes estão sendo respeitadas ou não no dia a dia. Nesse contexto, ter um canal independente para receber os relatos e oferecer apoio é fundamental. Empresas de grande porte como a Vale, por exemplo, já estão adotando o canal de acolhimento, e o Magalu criou o Canal da Mulher para combater o feminicídio. Há também a possibilidade de utilizar soluções tecnológicas para entender o clima organizacional por meio do monitoramento das comunicações internas. Um elemento ainda pouco adotado é a pesquisa de cultura de integridade para coletar o ponto de vista dos colaboradores utilizando o tripé de ‘ciência, consciência e crenças’ e, assim, obter informações úteis e pragmáticas para retroalimentar o plano, garantindo mais efetividade das ações de treinamento e comunicação, bem como clareza do código e das políticas. Não podemos esquecer que as entrevistas de desligamento também são uma fonte valiosa de informações.
4.Canal de Denúncias
O processo de tratamento e apuração deve estar formalmente definido em política específica, além de contemplar os passos para lidar com os casos de assédio, discriminação e afins. Os profissionais que realizam a investigação devem ter o preparo técnico necessário, assim como os membros do Comitê de Ética, que irão avaliar os resultados da apuração. Há grande responsabilidade no processo, pois, como ele em execução, carreiras e vidas estarão em jogo.
Em resumo, pelo ponto de vista do profissional de Compliance, há diversas ações a serem feitas. O real combate ao assédio, às agressões e afins engloba também o aprimoramento do processo de definição de metas e da avaliação de desempenho, a adoção de técnicas de comunicação não violentas, o desenvolvimento do senso de coletivo, o trabalho de prevenção ao burnout e da promoção da saúde física e mental, o Programa de Diversidade, Equidade e Inclusão, o reforço da conscientização e a revisão de métricas na cadeia de fornecedores, entre outros.
Há importantes passos a serem dados ao adotar este posicionamento tão importante no mercado. Afinal, avançar com projetos relacionados ao tema é essencial para a mitigação dos riscos, assim como para alcançar o sucesso e a perenidade dos negócios. Vamos em frente!