A profissionalização da área de Relações Institucionais e Governamentais é um pilar fundamental na construção de relações mais transparentes e justas nas relações da área privada com o setor público
Historicamente, no Brasil as relações entre o público e o privado sempre foram cinzentas. Quem estivesse mais próximo e se aliasse aos “ideais” de quem mandava, não raro, poderia obter muitos benefícios para o seu negócio, conseguindo, inclusive, direcionar políticas públicas de acordo com os seus interesses. Uma licitação que estabelece condições que só um player teria como atender; legislações criadas para favorecer uma empresa, ou estabelecer benefícios para um setor, em detrimento de outros; um incentivo governamental a mais aqui; o apoio para financiar uma obra acolá… Não que tudo o que envolvesse as relações entre público e privado, ainda que não muito às claras, fosse ilegal. Longe disso. Mas, esse cenário contribuiu para reforçar o preconceito, a percepção popular negativa em relação à interlocução entre o privado e o público.
As relações de promiscuidade entre o público e o privado, em diferentes graus de intensidade, nos acompanham por toda a formação do Brasil, desde a chegada dos portugueses. Mas, pode-se dizer que com a redemocratização, com uma maior abertura para o mercado e as privatizações, sem que, entretanto, o Estado tenha deixado para trás uma forte participação na economia não só como regulador, mas como agente econômico mesmo, essa narrativa veio ganhando novas tintas que ajudaram a moldar a percepção de que os poderosos do setor privado agem em conluio com os poderosos do Poder Público para manter privilégios para si, em detrimento do restante da população. A força-tarefa da Lava Jato demonstrou de forma clara os mecanismos por de trás dessas relações espúrias entre os poderosos dos dois lados do balcão, um dos pilares da sua bem-sucedida narrativa que, obviamente, junto com os resultados alcançados, ajudaram a garantir o prestígio da operação junto a sociedade.
As investigações da Lava Jato trouxeram a tona personagens como Fernando Baiano, Jorge Luz e Milton Lyra… Em comum, todas traziam a alcunha de “lobistas”. Alcunha porque o termo era empregado com clara conotação depreciativa. Na verdade, esses personagens não eram lobistas, profissionais que atuam para defender os interesses de uma empresa ou setor junto ao Poder Público dentro das regras do jogo. Ambos estavam mais para intermediadores fazendo o velho leva e traz, de forma literal, em alguns casos. “A atividade de Relações Institucionais e Governamentais (RIG) não pode ser confundida como estando relacionada com a compra e venda de produtos ou serviços.
E as situações na Lava Jato envolveram justamente isso, negociações de compra e venda”, explica Bruno Perman, presidente do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), um think tank criado em 2015 para contribuir com o desenvolvimento e a profissionalização da área.
“O debate de políticas públicas pressupõe a busca do interesse coletivo. O que se viu ali foi a troca ilícita de vantagens tendo de um lado empresas e de outras autoridades estatais”, reforça Guilherme Cunha, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), entidade que reúne os profissionais de relações institucionais e governamentais. De fato, ao menos nesses casos, o debate de políticas públicas, fossem elas boas ou ruins, passou longe.
A participação da sociedade – da qual as instituições privadas e setores organizados da economia também são parte – no debate de políticas públicas, além de absolutamente legítima, é importantíssima para dar voz a todos os que podem ser de uma forma ou de outra, afetados por uma determinada ação do Estado. Por isso, a interlocução entre as partes deveria ser encarada com naturalidade.
A área e os profissionais de RIG atuam como “embaixadores” de suas organizações junto ao Poder Público em suas várias instâncias. São eles que fazem o monitoramento das legislações e regulações que impactam o negócio, acompanham e propõe políticas públicas e desenvolvem o diálogo com as instituições públicas e, também, com outros stakeholders privados.
Tal qual como aconteceu na área de compliance, as operações de combate à corrupção tiveram efeito positivo para o desenvolvimento da área de RIG no Brasil. Se antes eram apenas as grandes multinacionais (não todas, como as próprias operações deixaram claro) obrigadas pela matriz a contar com políticas mais estruturadas para se relacionar com o Poder Público, agora, mais empresas, especialmente as brasileiras, passaram a voltar às atenções para esse tipo de relacionamento institucional. “Nos últimos anos, o Brasil tem passado por mudanças estruturantes na forma de se relacionar com o Poder Público, e todo o mercado de alguma maneira está percebendo isto”, diz Jesualdo Conceição da Silva, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP).
Lotado em Brasília e sócio do escritório Cescon Barrieu nas áreas de Compliance e Relações Governamentais, o advogado Luciano Souza lembra que até 2013, existia uma parcela muito grande de profissionais que trabalhavam de forma séria para ajudar as empresas nas suas relações com o Poder Público, existia outra faixa, representativa, de pessoas que não atuavam dentro dessa faixa regular. “O mercado percebeu isso e começou a valorizar cada vez mais o profissional de RIG dentro das empresas. Por mais que não sejam necessariamente grandes equipes, sempre tem um ou dois profissionais especializados e que lidam com isso. Tem mais profissionalização nesse mercado”, acredita o advogado.
A questão é como estabelecer mecanismos para que essa interlocução seja justa e acessível a todos, e não restrita a alguns poucos “amigos do Rei”.
Não se trata simplesmente de estabelecer novas leis ou de regulamentar a atividade de lobby, algo que vem sendo discutido há décadas. Até porque, na prática, já existem uma série de legislações que regulam o que pode e o que não pode ser feito. Ou seja, mesmo sem uma regulamentação específica para a profissão, só não sabe como atuar dentro das regras quem não quer. O ponto principal é tornar as relações mais transparentes, permitindo que toda a sociedade e todos os atores envolvidos saibam da movimentação dos agentes privados junto aos agentes públicos. E com base nisso, todos os interessados possam acessar os mesmos agentes públicos para expor os seus respectivos posicionamentos sobre uma determinada questão. “Assegurar o acesso a todos não é ir contra a atividade de RIG, mas sim, a favor”, afirma Rodrigo Navarro, para quem, com a maior transparência será possível saber que um servidor recebeu cinco vezes o representante de um deter- minado setor para tratar de um assunto e, um representante de uma organização social, por exemplo, poderá requerer que o mesmo servidor ouça o posicionamento dele. “Não estamos falando de um “cabo de guerra” estamos falando da representação institucional para o desenvolvimento do nosso País. Ter regras objetivas e concretas de como isso deve acontecer fortalece as instituições e melhora a assertividade das decisões estatais, é disso que estamos falando”, acredita o presidente da Abrig.
O novo lobista
O reconhecimento da profissão de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), que desde fevereiro de 2018 consta da classificação brasileira de ocupações foi um passo importante para os profissionais da área. “Isso foi um marco, porque tira a profissão das sombras, do ponto de vista institucional”, comemora Rodrigo. “Lobby é um termo que ganhou uma conotação pejorativa e as pessoas ficavam buscando a regulamentação para poderem se apresentar como um profissional da área, sem medo”, corrobora Bruno, do Irelgov. A atividade já é reconhecida e regulamentada em mais de 30 países no mundo.
Mas isso também está refletindo na forma como a área privada lida com o governo. O primeiro deles diz respeito ao próprio entendimento do que faz, de fato, um profissional de RIG. Em primeiro lugar, é importante dizer que a atividade é muito mais ampla do que simplesmente ir tomar café com políticos e outros agentes públicos e estabelecer relacionamentos e conversas de bastidores.
Ter acesso e bons relacionamentos ao Poder Público ainda é importante. Lá atrás, muitos dirigentes de empresas de setores regulados, vieram de agências reguladoras ou de ministérios e outros órgãos do Estado. Mas, com a profissionalização, isso, por si só, é cada vez mais insuficiente. Pela definição do ministério do trabalho é a de profissionais que “atuam no processo de decisão política, participam da formulação de políticas públicas, elaboram e estabelecem estratégias de relações governamentais, analisam os riscos regulatórios ou normativos e defendem os interesses dos representados”. Para entender, planejar e executar todas essas possibilidades é preciso de pessoas com qualificação adequada a essa nova realidade de trabalho.
De acordo com Bruno Perman, do Irelgov, 80% dos profissionais que atuam em RIG vêm de cinco formações acadê- micas principais: administração, ciências políticas, comunicação, direito e economia. Pelo levantamento do Irelgov, os outros 20% estão divididos em 17 formações diferentes. “Para atuar em RIG, é preciso contar com um conjunto de competências que vão muito além da ética. É preciso ter visão estratégica, capacidade de comunicação interpessoal, conhecimento legislativo e outras habilidades que permitem que o profissional consiga desempenhar sua função de forma adequada”, pontua Rodrigo. Além disso, o consultor, que também é coordenador do MBA em Relações Institucionais e Governamentais da FGV/Brasília, lembra que a área demanda muita capacitação e aprendizado contínuo. “Uma vez que se desenvolvem profissionais capacitados para a legítima e transparente defesa de interesses, e profissionais preparados tecnicamente para conhecer a fundo do setor representado e apresentar informações de qualidade a parlamentares e governos, todo o mercado passa a ver a importância de ter a área de RIG em sua organização, como promovedora de segurança à sua reputação e por resultados mais eficazes”, acredita Jesualdo, da ABTP.
Essa é uma posição que demanda muita maturidade de quem vai atuar nela. Dos profissionais que estão assumindo posições de liderança na área é esperado que tenham experiência, que já tenham enfrentado crises, participado do lançamento de produtos ou serviços inovadores (que demandaram atuação junto aos reguladores ou legisladores, por exemplo), em resumo pessoas com vivência. “O track record, ter o que mostrar, é muito importante nessa área”, diz Rodrigo. Em geral, os profissionais da área têm vínculo com a alta direção da empresa e “interface” com principal executivo da companhia. Por isso, o nível de senioridade exigido ainda é alto. Dificilmente se vê alguém júnior na posição. “O profissional pode até ter pouco tempo de empresa (o que não o permite conhecer a empresa em sua totalidade), mas já traz uma larga experiência no setor”, pontua Luciano, do Cescon Barrieu.
Atividade estratégica
Assim como os profissionais, as empresas também estão evoluindo em relação as suas estruturas de RIG. O tema vem ganhando mais atenção e, hoje, já é considerado estratégico para muitas companhias. Mas, em linhas gerais, no mundo corporativo, essa ainda é uma área em formação. Um estudo realizado pelo Instituto Pensar RelGov, realizado em 2018 com 130 empresas de diferentes setores, mostra que os setores Farmacêutico (14,8%), de Tecnologia da Informação (14,1%), Biotecnologia (11,7%) e Alimentos (10,2%) ofereceram mais da metade das vagas relacionadas às áreas analisadas. Na sequência aparecem os setores de Consultoria/Advocacia (9,4%), Bens de consumo e ONGs (ambos com 7,0%) e Telecomunicações e Automotivo (ambos com 3,9%), Óleo e Gás (1,7%), Energia, Meio Ambiente e Renováveis, Saúde e Tabaco (1,6% da oferta de vagas cada).
Estruturalmente, o modelo mais comumente empregado para a área de RIG, é ela estando dentro da estrutura de As- suntos Corporativos, que costuma congregar também as áreas de Comunicação, Sustentabilidade e Responsabilidade Social. Existem outros modelos, como a área de Assuntos Corporativos estar sob a responsabilidade do Jurídico, ou no qual está atrelada a outra área, como o próprio Jurídico. Existem também modelos nos quais a área de RIG fica junto com a área Regulatória, além de ganhar cada vez mais espaço o modelo no qual a área de RIG tem uma cadeira exclusiva. Aliás, os mercados altamente regulados ou aqueles cujo negócio depende muito de políticas públicas, como a indústria farmacêutica, as empreiteiras de grandes obras ou o mercado do agronegócio são os que mais têm dado atenção aos temas em suas estruturas. “A área tem tido cada vez mais destaque, é atrelada diretamente ao alto comando das corporações e deve sim haver uma mudança de cultura para que as empresas, entidades e órgãos governamentais tenham muito claro que a há, sim, um departamento capacitado e habilitado para fazer a interlocução ex- terna da instituição que representa”, diz Guilherme, da Abrig.
Sob os holofotes
Independentemente do modelo, é bom que esteja se lançando um olhar especificamente para a área. “A área de RIG não é um serviço “secreto”, é um departamento que cada vez mais terá visibilidade, respeito e importância nas instituições”, comemora o presidente da Abrig. Por lidar com questões estratégicas, em geral, fora da matriz da empresa, esse profissional era muitas vezes considerado um enigma. “Já participei de empresas onde isso era tratado de forma mais sigilosa, ninguém sabia o que o profissional fazia. Isso é ruim”, acredita Rodrigo Navarro.
Até pelo seu caráter transversal, é importante que o seu papel e os temas que ela aborda sejam compreendidos por toda a empresa. Grande parte do trabalho de um profissional de RIG depende de informações de outras áreas da empresa. Quando as pessoas sabem o porquê de se estar pedindo uma determinada informação, o processo tende a avançar mais rapidamente. Além disso, como lembra Rodrigo, sabendo da agenda de RIG da empresa, um funcioná- rio, ao ser exposto a uma determinada informação que vai impactar a área, saberá para quem direcionar a informação. “Nem tudo precisa ser tratado de forma tão aberta, mas é importante criar essa cultura. As pessoas querem saber o que o governo está pensando sobre a área de atuação da empresa, se vai ter algum tipo de atuação, de intervenção. A transparência tem que acontecer para dentro da empresa também”, reforça o consultor.
A correta atuação do profissional de RIG, inclusive gera resultados mensuráveis que devem ser comunicados. “Ela pode gerar resultados financeiros. Pode gerar a redução no imposto de importação de um determinado insumo, importante para a empresa, que vai significar R$ 50 milhões de economia para a empresa. É importante que isso seja mostrado para todos nas apresentações”, explica Rodrigo. “É preciso botar o ovo e cacarejar, além de dividir os ganhos com quem lhe ajudou”, emenda o consultor.
Para ter o seu trabalho reconhecido e transitar bem pelas diferentes áreas da companhia, o profissional de RIG não precisa ser chamado. É ele quem tem que ir atrás, cavar espaço e estar atento para mitigar os riscos de ser pego de surpresa tanto pela movimentação legislativa ou regulatória que possam impactar o setor e a empresa na qual ele atua, como por novos desenvolvimentos ou iniciativas que possam esbarrar por problemas na esfera governamental.
O governo está pronto?
Só se pode estabelecer uma relação saudável quando as duas partes querem. A evolução das empresas, associações e profissionais em relação às suas relações governamentais só será bem-sucedida caso o governo (o Poder Público, de forma geral), que senta do outro lado da mesa, também evolua.
Assim como a área de RIG tem avançado no ambiente corporativo, ela também tem sido vista com mais cuidado pelos órgãos do Estado brasileiro. Uma série de casos recentes – graves sob a perspectiva da transparência – demonstram que seria bom para os próprios servidores garantir essa transparência.
Tornar as agendas claras é talvez a medida de curto prazo que pode gerar mais impactos positivos no dia a dia da área de RIG. A medida é relativamente simples, mas de grande valia ao permitir um maior controle sobre as relações entre agentes públicos e privados. De quebra, para os profissionais de RIG, a agenda pública facilita o acompanhamento de eventuais movimentações de servidoras que possam ser do seu interesse profissional.
A Controladoria-Geral da União (CGU) disponibiliza aos órgãos e servidores da administração pública federal uma série de materiais, guias e documentos, como Guia Prático de Implementação de Programa de Integridade na Administração Pública. Todos eles trazem como princípio basilar a orientação para o relacionamento entre agentes público e privados. Agora, o tratamento aos encontros e reuniões são assuntos mais específicos dentro desse contexto.
O diretor da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção de Integridade da CGU, Márcio Gonçalves, conta que a pasta trabalha neste momento num decreto que vai regulamentar a questão das reuniões. “Estamos regulamentando a parte de agenda, de compromissos públicos e as relações [dos agentes públicos] com os profissionais de RIG”, explica Márcio, deixando claro que esta ação da CGU não tem a ver com a regulamentação da atividade de RIG. A ideia da pasta é estabelecer um sistema organizado, que vai trazer uma série de informações padronizadas que vão permitir a maior transparência e o controle social. “Esperamos mostrar com mais clareza que embora existam diferenças entre o interesse privado e o interesse público, eles podem convergir dentro do princípio da transparência e da isonomia, o que é de interesse da sociedade”, afirma o diretor da CGU.
Atualmente, já existe um decreto que regulamenta a divulgação de agenda por parte dos integrantes da alta administração, no qual se inserem os ministros e os servidores de nível DAS 5, o mais alto do funcionalismo público. O gerenciamento em relação às agendas desses cargos está sob a responsabilidade da Comissão de Ética Pública, um órgão ligado à Secretaria Geral da Presidência. Já a CGU tem a responsabilidade de lidar com as questões éticas e de conflito de interesses, dos servidores de nível DAS 4 para baixo. “Tornar obrigatória à divulgação de agenda com as autoridades é uma questão da transparência. Isso precisa ser expandido para todo o setor público”, concorda Rodrigo. Quem quiser fazer reuniões às escondidas, ainda vai tentar fazer. Mas fica mais difícil”, emenda.
Já no Poder Legislativo, a situação é diferente. E não porque ali seja uma casa onde tudo o de ruim aconteça (como pensa grande parte da população atual- mente). Apenas na Câmara são 513 deputados, ou seja, 513 autoridades eleitas que representam a escolha de uma parcela da população em determinada região. São várias personalidades e muitas culturas diferentes convivendo junto, um grande desafio para os profissionais de RIG. “Tudo que é lei passa pelo Legislativo, e passa por muita gente. Você sabe como uma lei entra, mas não o que sai depois”, brinca Bruno Perman, do Irelgov. Para ele, por conta disso, embora existam casos de venda de medidas provisórias, por exemplo, são situações pontuais e é mais difícil que pese o senso comum) que isso aconteça no Legislativo.
Pela própria natureza das casas é natural supor que essa movimentação demore um pouco mais para acontecer por lá. Na dinâmica do parlamento, muitas vezes é possível “trombar” com os legisladores nos corredores do Congresso. “Nessas horas, você pode aproveitar e rapidamente tentar abordar o deputado ou o senador. Nesse momento, às vezes acontece algo informal, um bate papo inicial”, explica Rodrigo. Mas, o consultor diz que em geral, a partir dessa abordagem é dada alguma orientação no sentido de agendar com o chefe de gabinete, para ser atendido em 30 minutos ou três horas. “Nesse meio tempo, também é possível à equipe do congressista checar as credenciais do profissional”, continua Rodrigo. Sim. Porque os agentes públicos, e nesse caso, especialmente no ambiente mais informal do Parlamento, também querem saber com quem estão falando. Afinal, como garantir de que aquele profissional de RIG que diz representar uma empresa ou um setor, de fato, tem autoridade para isso? Aí entra uma questão central das discussões sobre a regulamentação do lobby. O cadastro dos profissionais de RIG. “Tem de ter um cadastro nos quais os profissionais dizem quem eles estão representando. Você é contrário a dizer para quem você está trabalhando?”, questiona Rodrigo, ressaltando que o único cuidado deve ser não burocratizar muito o processo.
Naturalmente, quando falamos em Relações Governamentais olhamos para as relações com o Executivo e o Legislativo em Brasília. Mas temos 27 UFs, milhares de municípios, além do Poder Judiciário, cuja liderança no relacionamento nas empresas é feita mais pelas áreas jurídicas e pelos escritórios de advocacia do que pelos profissionais de RIG. Em resumo, é muita coisa para acompanhar. “Realmente há uma gama muito grande de assuntos, legislações, regulamentações e decisões judiciais para acompanhar em todo o Brasil e as empresas em geral não tem capacidade de abarcar tudo em seu monitoramento e presença”, concorda o presidente da ABTP. Ele lembra que por mais que as associações se estruturem para acompanhar todos os processos, elas precisam contar com consultorias e escritórios de advocacia especializados no acompanhamento dos temas governamentais e jurídicos nas esferas federal, estadual e municipais. “Esses contratos fornecem informações e análises que são subsídios para um tratamento estratégico das informações. Questões como a tributária, por exemplo, são de uma complexidade e pluralidade de leis e regulamentos que requerem um tratamento específico, pois caso não sejam bem acompanhadas podem gerar impactos diretos desastrosos para certas atividades econômicas”, reforça Jesualdo.
“O setor público tem reagido de forma positiva, mas ainda não está preparado para esse novo contexto”, pontua Bruno, do Irelgov. O dirigente diz isso com experiência de causa. Bruno atuou como Secretário de Governo da cidade de Barreiros, em Pernambuco. Ter estado lá foi importante para ajudá-lo a entender as dificuldades que o setor público tem. “Os municípios têm profissionais que não têm o mesmo nível de qualificação técnica [dos servidores do Executivo Federal]. Isso é uma grande barreira e a burocracia é realmente uma coisa absurda. Milhares de exemplos que eu posso citar e que são inexplicáveis” lamenta.
Outro papel importante que os profissionais de RIG, eventualmente, podem ter que exercer, é o de atender aos pedidos feitos por autoridades públicas. O que é sempre uma preocupação adicional do ponto de vista de compliance. Mas, como reforça Guilherme, da Abrig, entendendo que o pedido seja lícito e legítimo, como por exemplo, por informações, o profissional de RIG deve fomentar esse diálogo. “Se o pedido for ilícito, sugiro que procure o departamento jurídico de sua empresa e os órgãos de controle para proceder com a denúncia”, afirma o presidente da entidade.
Aliás, as áreas de RIG e de Compliance, cada qual com a sua rotina, são fundamentais para manter a boa governança da empresa e uma relação transparente e segura com o Poder Público. Para os profissionais de compliance a evolução da área de RIG oferece mais segurança, uma vez que o próprio compliance exige regras claras para a atuação dos representantes da empresa junto ao governo e outros órgãos públicos.
Apesar de funcionarem bem, são áreas que devem operar de forma independente, preferencialmente. “Qualquer relação com órgãos públicas é um ponto de risco em compliance. E o compliance dá um conforto para a área de RIG em relação às regras que devem ser observadas e seguidas. E vice-versa. Não acho que elas se sobrepõem”, conclui Luciano, do Cescon Barrieu.
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