Não é nenhuma novidade que ao longo dos últimos anos, muitas empresas que firmaram acordos com a CGU, em especial no caso das empreiteiras envolvidas com a Lava Jato, vêm buscando formas de renegociar suas dívidas. Em alguns casos, as empresas têm optado por suspender os pagamentos e judicializado a questão. Muitas dessas empresas têm créditos fiscais, de exportação ou até precatórios a receber do governo federal. Com a possibilidade aberta pelo acordo da BRF, é possível que essas empresas que já têm seus acordos em andamento, tentem obter junto à CGU, ou mesmo na Justiça, o direito de usar os seus créditos contra o governo para saldar seus acordos? É difícil prever, mas é possível acontecer, dado que o Brasil é um país muito judicializado. “No próprio CADE, muitas decisões foram contestadas judicialmente. As empresas podem alegar que, como foi concedido à BRF, querem pagar seguindo o mesmo modelo também. Isso pode ser interessante para quem tem crédito fiscal e pode usar, mas não acho que seja a maioria das empresas que teriam esses créditos em mãos”, acredita Juliana. Já Michel Sancovsky acredita que o caso da BRF é uma referência interessante para acordos futuros. “Para acordos já celebrados, é sempre possível, mas aí depende de uma decisão da autoridade ou uma alteração do acordo”, reforça o sócio do Tauil & Chequer.
Vale destacar que a contestação nesse caso se daria sobre a forma de pagamento e não uma redução no valor da multa, algo que vem sendo buscado pelas empreiteiras multadas, mas que a própria CGU já disse ser algo difícil de acontecer. “Existem negociação de acerto de contas de casos passados, dívidas parceladas ao longo de anos. A empresa pode pleitear pagar em precatórios. Na verdade, ela pode fazer isso com qualquer forma de pagamento”, diz Pontes Vianna, dizendo que a CGU pode aceitar sim pedidos equivalentes, garantindo a isonomia. No caso de uma empresa sancionada, é faculdade do estado ter a multa paga por meio do uso de um crédito devido pela união à empresa. Se ela faz um acordo para pagar R$ 100 mil e ela tem um contrato, um crédito a receber do Estado, eu posso não pagá-la e abater na multa caso essa seja a opção da companhia. A nova lei de licitação e contratos deixou isso bem claro.
Pagar com serviços?
Em diferentes órgãos e situações, pagamentos realizados com a utilização de meios alternativos já têm sido realizados, inclusive com a compra de bens e serviços diretamente pela empresa, segundo especificações da autoridade responsável pelo encaminhamento da ação. Uma empresa multada por uma questão ambiental pagou o acordo comprando alguns bens especificados pelo Ministério Público para órgãos ambientais, incluindo veículos automotores. É o tipo de situação que pode, na prática ser enxergada como um “ganha-ganha”. A empresa no caso, muito provavelmente conseguirá comprar os bens indicados por um valor menor do que o indicado, economizando no desembolso. Já para o Estado, é uma forma de direcionar bens e recursos de forma mais célere e menos burocrática para órgãos da União, que pelo modelo tradicional, precisavam vencer uma série de etapas e realizar negociações em diversas esferas até conseguir abrir uma licitação para comprar o mesmo bem. “Em teoria, seria essa lógica das empresas pagarem em serviço, mas temos as nossas limitações”, aponta Pontes Vianna, que deixa claro que as discussões acerca desse tema se deram muito mais fora da CGU do que dentro do órgão, onde não teriam ido além de conversas informais e especulativas. Na área pública, a compra via licitação é a regra e não a exceção. Sendo assim, como simplesmente entregar um contrato para uma empresa como parte de um acordo de leniência? Em tese toda obra pública precisa de licitação e todo mundo entra em pé de igualdade. Mas Juliana lembra que existem autoridades em outras esferas que têm essa liberdade de negociação, porque o que funciona para um órgão, não necessariamente funciona para outro. “É preciso analisar a situação por todos os ângulos para apresentar uma proposta que faça sentido para todas as partes. Fosse em algum outro órgão, por exemplo, uma empresa de alimentos poderia propor o fornecimento de merenda escolar por um determinado período. É algo que talvez funcionasse”, conclui Gabriela Arcentales, do Machado, Meyer.