Quando o crachá fala mais alto que o nome próprio, o que realmente está em jogo?
Voltei do 12º Congresso Internacional de Compliance com aquela sensação boa de “evento fora da curva”. A cada edição, a LEC se firma como a Walt Disney do universo da integridade — um verdadeiro parque temático onde profissionais de todas as áreas se encontram para trocar ideias, viver experiências e se inspirar com conteúdos de altíssimo nível.
A programação foi um espetáculo à parte: a abertura com Ricardo Amorim, a palestra emocionante da Denise Fraga, a “palestra silenciosa” mediada pela Cátia Veloso, e a oficina prática com um Squid Game Corporativo conduzido por André Cruz, Tatau Hencsey, Talyta Araújo e Luciana Silveira — um game em tempo real que me transportou direto para a Velocity Coaster de Orlando. Foi bom demais!
Mas, entre tantas planilhas e insights regulatórios, algo mais sutil me marcou. Algo mais olho no olho. Foi perceber como, na maioria das vezes, o primeiro olhar enxerga antes o crachá… e só depois a pessoa.
Essa percepção ficou ainda mais evidente nos estandes. Convidei minha amiga Fabiana Leite para viver comigo a experiência do Congresso. No segundo dia, resolvemos circular, conhecer soluções, puxar papo. Nosso objetivo era simples: conversar, aprender, abrir pontes.
E aí, o padrão se repetia:
— “Vocês são de qual empresa?”
— “Ela é da agência Brise. Eu sou da consultoria LAC Hub.”
Resposta dada, o entusiasmo murchava. Os ombros caíam, o sorriso virava protocolo. A conversa perdia vida antes mesmo de começar.
Ali ficou claro: o crachá estava falando mais alto que qualquer biografia.
E foi nesse instante que me veio um pensamento: o crachá e a história que ele não conta.
Porque, por trás daqueles dois CNPJs, havia duas histórias de estrada longa, feitas de escolhas, viradas, muitas horas de voo, experiências, desafios e aprendizados que moldam quem somos hoje e que fazem toda a diferença no nosso jeito de enxergar o mundo.
No meu caso, uma vida entre uma estatal federal e uma multinacional suíça, transitando por setores estratégicos como defesa, nuclear, rastreabilidade fiscal e óleo & gás. Atuei diretamente na concepção e implementação de projetos estruturantes para o país. Vi chapas de aço se transformarem em cascos de submarino para proteger a nossa Amazônia Azul. Vi blocos estruturais ganharem vida como plataformas de petróleo no pré-sal.
Acompanhei de perto o nascimento de um acórdão pioneiro que deu concretude ao artigo 173 da Constituição Federal — permitindo que uma estatal federal pudesse, com excelência, cumprir a missão para a qual foi criada. Vi uma tese de custo de posse estratégica ser construída para proteger projetos de Nação. Vi o reposicionamento institucional da Nuclep tomar forma a partir da visão estratégica do saudoso Presidente Jaime Cardoso — uma liderança cuja biografia se confunde com a reconstrução da empresa.
Vi também um Almirante, a quem tenho grande respeito e admiração, me apelidar de “engenheira jurídica” — não apenas pelo domínio técnico, mas pela ousadia que os projetos exigiam de nós para alcançar objetivos nacionais. Vi, por fim, a Lei das Estatais sair do papel e cumprir seu papel de proteger alianças que pavimentam o caminho da soberania tecnológica.
(Abro esse parêntese, não para falar de mim, mas por amor ao debate — como exercício intelectual. Porque se queremos refletir sobre o que está em jogo quando se olha para o crachá antes de ouvir a história, precisamos trazer as histórias que muitas vezes são invisibilizadas pela força de uma logomarca ou pela ausência dela.)
Foram 20 anos e três grandes projetos que, mais do que me ensinar a desenhar soluções ou alianças empresariais sob medida para contextos de utilidade pública — com método, consistência e coragem — me ensinaram a respeitar as pessoas. E, mais do que isso, a inspirá-las.
Porque não importa o quão bem estruturado esteja um contrato, ou o quão robusto seja um programa de integridade: se não conhecermos as pessoas que sustentam a alma e o espírito de um projeto, perdemos sua potência mais valiosa — a de gerar resultados verdadeiramente sustentáveis.
Foi dessa vivência — concreta, institucional e profundamente humana — que nasceu o LAC Hub: um estúdio-consultoria dedicado a fortalecer o elo público-privado com ética, inteligência e estratégia.
Já a Fabi, minha parceira nessa experiência, tem trajetória sólida na logística da Vale e uma atuação impecável em comunicação interna de grandes projetos. Hoje comanda a Brise, agência que traduz ideias em narrativas, mensagens em experiências. Comunicação, para ela, é linguagem viva.
E ainda assim… nenhum crachá conta esse backstage. Talvez por isso, a reação de quem nos ouvia era à marca — não à biografia.
Até que, com aquele olhar esperto que só bons comunicadores têm, Fabi mudou a abordagem. Na próxima interação, piscou pra mim, deu aquele sorriso maroto e respondeu, com naturalidade:
— “Sou empresária.”
Bingo. Eita, comunicação empoderada! O semblante do interlocutor se iluminou. A escuta voltou. A conversa ganhou corpo. Sem um logo para pré-julgar, o vínculo partiu da essência — do humano.
Naquele instante, ela me transportou direto para os velhos tempos em que percorríamos os chãos de fábrica para sentir, de perto, a pulsação da comunicação interna dos programas de integridade. Eu elogiava os painéis — e ela sempre tirava nota 100. Era a rainha dos murais. Risos.
Mas ali, no meio do maior congresso de compliance do país, de um simples exercício que criamos para nós mesmas, consegui extrair uma lição poderosa — e profunda: quando o diálogo nasce da identidade, e não do crachá, a conexão é real. A marca deixa de ser barreira e vira ponte.
Essa experiência me deixou com algumas reflexões que sigo saboreando até agora.
Porque, no fim das contas, o que toca, convence e transforma não é o nome bordado no peito — é a verdade que a pessoa carrega no olhar.
Foi nesse momento, em meio a tantos crachás, ficou cristalino que o valor real de um profissional não está no logo que ele representa, mas na história que ele sustenta e na escuta que ele provoca.
A primeira é que marca importa, claro — mas não basta. Dados, selos e processos só têm valor quando sustentados por pessoas em quem se pode confiar.
Depois, que histórias criam conexão. Quando você compartilha suas cicatrizes, seus valores, sua visão de mundo, constrói vínculos que nenhum CNPJ seria capaz de construir sozinho.
E por fim, que comunicação é alavanca de reputação. Ter alguém ao lado que saiba traduzir propósito em palavra muda como você é visto, lembrado… e chamado para a próxima conversa.
Empreender também nos deu um bônus que vale ouro: a liberdade de viver o Congresso por inteiro. Sem reuniões paralelas, sem ruídos de agenda. Apenas presença plena, conteúdo de qualidade, encontros autênticos… e a alegria de voltar pra casa com tempo e energia para os filhos. Liberdade, afinal, também é um ativo reputacional.
E no fim, fica a pergunta que realmente importa:
Você é quem carrega o nome da empresa… ou é a empresa quem carrega o seu nome?
Quando o crachá começa a pesar mais que a sua identidade, nasce aquilo que, com certo cuidado, chamo de sobrenome corporativo — uma extensão institucional que pode, muitas vezes, diluir o que há de mais singular em você.
O verdadeiro desafio é fazer o caminho inverso: ser maior que o crachá. Ser presença. Ser voz. Ser história. Porque a credibilidade que transforma, que movimenta negócios e constrói pontes duradouras, nasce mesmo é da força de um nome próprio — e da coragem de usá-lo.
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Imagem: Canva