Na teoria, oferecer um canal de denúncias em uma instituição pode parecer algo bem simples para um empresário ou dirigente. Entretanto, não há tanta simplicidade assim em ter esta ferramenta disponível e vê-la funcionando adequadamente. E, isso vale tanto para a teoria quanto para a prática. Em um passado recente, existiam poucos casos de instituições que tinham canais para este fim funcionando exemplarmente. Com o avanço e melhorias das práticas de compliance, esta ferramenta foi ganhando cada vez mais relevância no processo.
A procura para estabelecer canais de denúncias aumentou nos ambientes corporativos. Num primeiro momento e, acredite, até hoje, havia muita gente – inclusive especialistas em compliance – dizendo que um bom começo para implementar um primeiro canal de denúncia poderia ser por meio de uma famigerada “caixinha de sugestões”. Ok, trata-se de uma solução romântica e para lá de tradicional. Porém, é preciso levar em consideração que esta opção não funciona com a efetividade que se espera de uma ferramenta como essa. Pelo contrário. A simplicidade desta alternativa pode até trazer algum resultado inicial, mas, no longo prazo, fatalmente ela se demonstrará ineficiente e acabar depondo contra a iniciativa de implementar a ferramenta.
Como pode envolver um elevado número de denúncias, algumas grandes e complexas, é preciso ter um canal que realmente auxilie para a devida solução do problema. Mas, antes de chegar à almejada solução, há todo um processo que deve ser seguido com eficiência. Isso demanda uma estrutura para que, inicialmente e de maneira organizada, a denúncia após ser feita, seja direcionada corretamente. Dado este passo, com as pessoas corretas indicadas para cuidar do tipo de denúncia, fica possível até mensurar qual o tempo de resposta que a empresa/instituição conseguirá dar para apresentar uma tomada de decisão ou até mesmo a resolução do caso. Mas será que as empresas estão usando esta ferramenta de maneira correta? Ou ainda, será que este canal utilizado é adequado ao porte do negócio?
INTERNO VERSUS EXTERNO
A exemplo de praticamente todos os países da América Latina, no Brasil, o telefone – de preferência de números 0800 – é o canal mais utilizado para este fim. Por questões culturais e além de ser gratuito (no caso do 0800), esta ferramenta também é a predileta dos denunciantes pelo fato de praticamente assegurar um preceito fundamental para um canal de denúncia: o anonimato. No inciso X, do artigo 42 do Decreto 8.420/15 diz que um dos parâmetros para efetividade do Programa de Integridade é que o canal proporcione “mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé”.
Na visão de especialistas, há um ponto que pode interferir diretamente na questão do anonimato em um canal de denúncia, que é o fato de ele ser “interno”. “Os colaboradores só farão a boa utilização de um canal de denúncias caso tenham a segurança de que seus relatos são 100% anônimos, ou seja, que ninguém poderá identificá-los. Quando a empresa opta por um canal interno, este requisito fica comprometido, pois os colaboradores sempre ficam com algum receio de serem identificados de alguma maneira e, consequentemente, sofrerem alguma retaliação. Isso prejudica o desempenho do canal, fazendo com que não apresente os resultados esperados”, considera Diego Galvão, sócio da Contato Seguro, empresa especializada em implementação e gestão de canais de ética. “Muitas empresas podem ter a falsa ilusão de que montar um canal de denúncias interno é mais barato do que um canal externo. Além de o custo do canal externo ser mais baixo, o nível de serviço oferecido é muito melhor e os denunciantes sentem-se mais à vontade para fazer seus relatos quando entendem que estão em um ambiente neutro”, emenda.
Concordando com o fato de que um canal de denúncias seja administrado por terceiros, Marcus Cairrão, sócio da IAUDIT Consultoria Empresarial, da qual faz parte a empresa E-Denúncias, para soluções específicas para as áreas de Compliance, Jurídico e Auditoria, recomenda ainda que um canal de denúncias conte com diversas formas de contato, no mínimo duas, por exemplo, um número 0800 e um e-mail, talvez se utilizando ainda de formulário via internet (hotsite), pois assim permitirá uma maior flexibilidade para o denunciante. “A opção de permitir a denúncia anônima também é crucial, pois, mesmo com uma forte divulgação de que o canal é gerenciado por empresa terceira, as pessoas naturalmente têm medo de reportar desvios éticos de conhecidos e, possibilitando a denúncia anônima, certamente o canal será mais utilizado”, reforça.
Os canais de denúncias também procuram meios de se alinharem com a realidade atual. Afinal, com o avanço da tecnologia, muito tem-se mudado a maneira com que as pessoas se comunicam. Não dá para negar a influência que exercem hoje meios como o aplicativo Whatsapp e as redes sociais. O próprio E-Denúncias recebe contatos via Whatsapp e também monitora as redes sociais de seus clientes, mas, segundo Cairrão, o formulário eletrônico (hotsite) e o número 0800 ainda são os mais utilizados pelos denunciantes. “Estamos conduzindo ainda um estudo para criação de um aplicativo, que seria uma forma de simplificar para o denunciante o uso do formulário eletrônico através de seu smartphone”, conta. Já Diego Galvão lembra que Plataformas como redes sociais e Whatsapp podem ser práticas para comunicação, porém não conferem o nível de segurança, credibilidade e garantia de anonimato necessários para o bom funcionamento de um canal de denúncias. “A Contato Seguro disponibiliza um aplicativo aos colaboradores de seus clientes, que garante o mesmo nível de segurança e garantia de anonimato que há via telefone ou via site”, diz.
ADEQUANDO-SE À REALIDADE PRÓPRIA
Já que há restrições importantes a serem atentadas no funcionamento de um canal de denúncias, como então definir uma ferramenta adequada à realidade desta ou daquela instituição? Para Marcus Cairrão, do Grupo IAUDIT, são três questões fundamentais que devem ser consideradas para isso. A primeira diz respeito à quantidade de colaboradores/ fornecedores e, assim, o tamanho da empresa. O segundo ponto seria a maturidade da equipe interna em receber e investigar os chamados. “E um terceiro ponto seria o tipo de público da empresa: os colaboradores ficam alocados em escritórios, mais em fazendas, offshore? Há de se levar em conta, dentre outros, estes itens, para definições de formas de contato, estrutura de reporte, encaminhamento das denúncias, investigação, enfim, adequar cada canal de denúncias à realidade de cada empresa”, define.
Antes de acrescentar mais alguns requisitos básicos, para que uma instituição tenha um canal de denúncias que seja de fato considerado efetivo, Diego Galvão, da Contato Seguro, revela que há empresas que implementam um canal apenas “para inglês ver”, ou seja, sem a mínima garantia de efetividade. Para ele, ter um canal que proporcione atendimento 24 horas e sete dias por semana, além de uma opção de fazer a denúncia presencialmente, é fundamental. Além da já mencionada “garantia de anonimato”, oferecer opções de canais (inclusive com questões de acessibilidade para cegos, surdos e mudos) e realizar uma divulgação interna para que as alternativas existentes sejam conhecidas por todos também auxiliam. Além disso, a ferramenta como um todo precisa dar retorno a 100% dos denunciantes, inclusive os anônimos; e também é necessário que o comitê de ética, responsável pelo recebimento e apuração das denúncias, possua uma forma de controlar o andamento de cada relato. Por fim, a segurança, em que se mostra necessário que a plataforma possua um alto nível de criptografia e seja blindada contra qualquer tipo de ataque ou invasões que possa sofrer.
CONSEQUÊNCIAS DIRETAS
De um modo geral, a percepção que se tem é que o tema “canais de denúncia” já avançou consideravelmente no Brasil, sobretudo caminhando lado a lado com o desenvolvimento do compliance no País de maneira ampla. Entretanto, há sem dúvidas muito espaço para que esta ferramenta cresça ainda mais. A visão de Marcus Cairrão é de que há evolução tanto por parte do público (denunciantes) quanto pelo lado das empresas, que, para ele, vêm amadurecendo com relação a práticas investigativas, sigilo e, consequente, melhoria dos processos e controles internos. “Minha visão é muito positiva e sentimos isso cada vez mais nos contatos com os denunciantes e com equipes de investigações que temos no dia a dia”, relata o sócio da IAUDIT.
A sensação de Diego Galvão é a mesma, ou seja, de que as instituições brasileiras estão no caminho certo com relação à implementação de canais de denúncia. Ele destaca que os custos não devem ser pensados apenas para aplicação e funcionamento de um canal em si – está diretamente ligado ao número de pessoas e locais que serão atendidos pelo canal, mas também pela divulgação da ferramenta, análise dos relatos, retorno ao denunciante e eventuais custos com investigações que as denúncias possam demandar. “Imagine o custo de uma denúncia grave que não é feita em função do denunciante ficar com medo de ser identificado por meio do canal interno da empresa?”, indaga o especialista. “Quando falamos em custo, é importante ressaltar que as empresas perdem, em média, 5% do faturamento anual em decorrência de fraudes e más práticas. Neste percentual não entram apenas receitas desviadas/perdidas, mas também valores financeiros que são despendidos em processos jurídicos, decorrentes de problemas que poderiam ter sido identificados com a utilização de um canal. Além disso, 40% das descobertas de irregularidades são feitas por meio de canais de denúncias. Ou seja, a empresa que implementa o canal de forma séria e profissional, com certeza está ganhando dinheiro, fazendo com que o canal torne-se um investimento e não um custo”, finaliza ele.
Essa reportagem foi publicada originalmente na edição XIX da Revista LEC. Gostou? Clique aqui para assinar a Revista LEC gratuitamente e receber a versão digital completa.