Em tempos de Zelotes, Carne Fraca, Lava Jato e desconfiança generalizada em qualquer tipo de relação com o mundo político, a regulamentação em definitivo da atividade de lobby seria um avanço institucional e tanto para o País, desde que ela seja bem feita e, principalmente, cumprida pelos atores que lhe devem respeito
Existem alguns termos clássicos da política que por motivos diversos – a maior parte deles de ordem cultural e sem lógica aparente – caíram em “desgraça” aqui no Brasil, caso de “Direita”, “Liberal”, no sentido econômico (embora o grande vilão nessa história tenha sido o “Neoliberalismo”) e “Conservador”, nos sentidos econômicos e de comportamento. O termo “lobista”, sem sombra de dúvidas, também se encaixa muito bem nessa história. E, na atual conjuntura, de forma muito mais pejorativa do que os outros termos.
O problema não vem de hoje. Os lobistas sempre foram uma figura vista com certa ressalva por parte da sociedade. Afinal, eles estão ali para defender os interesses de um determinado grupo – que supostamente não hesita em usar todo o seu poderio econômico para fazer prevalecer a sua vontade junto aos políticos e outros agentes públicos do Estado, em detrimento de todo o povo brasileiro. É exatamente essa a descrição que muita gente, inteligente inclusive, tem dos profissionais responsáveis pela defesa de interesses de grupos organizados da sociedade junto ao setor público. Só que os órgãos de investigação e persecução do Estado e, muito menos a imprensa, não tem feito uma distinção importante. Aqueles que são tratados como lobistas de empresa A ou B, ou que atuam em nome dos interesses de partido C ou D e que acabaram presos nas diferentes operações de combate à corrupção, não são lobistas, eles são corruptos, pura e simplesmente. É muito em função desses falsos “lobistas” que a atividade, que sequer foi regulamentada no Brasil, sofre tamanha carga negativa. “Estamos muito permeados por essa desconfiança nas relações entre empresas e agentes públicos, o que é compreensível com tantos escândalos”, acredita Ciro Dias Reis, presidente da Imagem Corporativa, agência de Comunicação e Relações Públicas que também atua no segmento de Relações Governamentais.
É sempre bom esclarecer. A atividade de lobby; ou de relações governamentais; ou de defesa de interesses é legítima e importante para o desenvolvimento de legislações que vão impactar os rumos do País mas também situações e grupos muito específicos, que têm todo o direito de agir junto aos legisladores ou aos reguladores para apresentar e defender os seus pontos de vista, de forma técnica e, principalmente, transparente. “Numa democracia, o lobby assume o papel decisivo de acrescentar informação especializada no processo de tomada de decisão em todas as esferas governamentais”, explica Wagner Rosário, ministro substituto da pasta da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU). O ministro acredita que a falta de regulamentação da atividade contribui para esse ambiente de desconfiança da sociedade. Pelo mesmo motivo, Ciro, da Imagem Corporativa, crê que o ordenamento da atividade é desejável, para que a defesa legítima de interesses seja feita com transparência.
PRAZER, EU SOU LOBISTA DA…
Um lobista ou profissional de relações governamentais nada mais é do que um representante de interesses do grupo que o contrata para ajudar a tratar das suas demandas junto ao poder público, principalmente em relação aos legisladores e agentes reguladores. E, os lobistas estão aí para todos, de sindicatos patronais até os de empregados, passando por associações de defesa dos direitos de quaisquer setores da sociedade.
Todos os países membros da OCDE, organização multilateral que defende o livre-comércio, têm leis e regras que tratam do assunto. Em nações como Estados Unidos e Alemanha, o relacionamento institucional entre empresas e entidades privadas com o poder público é bastante desenvolvido, ainda que não esteja livre de críticas de parte da sociedade, que vê nessa defesa de interesses, algo um tanto quanto imoral e contrário aos interesses do povo.
O grande trunfo para que o Estado consiga assegurar o direito de defesa dos interesses sem que isso descambe para atos criminosos é estabelecer mecanismos, para que essa atividade seja exercida da forma mais transparente possível e que possa ser monitorada e, eventualmente, rastreada caso algum problema venha a acontecer. “Permitir a rastreabilidade desses processos, ou dessas tomadas de decisões, para que a população possa saber lá na frente, caso aconteça algum problema relacionado aquele assunto é, a meu ver, um dos aspectos mais fundamentais da regulação”, discorre Bruno Perman Fernandes, associado do Pinheiro Neto Advogados, uma das grandes bancas de advocacia do País.
Por aqui, embora tramitem projetos desde a década de 1980 com a finalidade de regulamentar a atividade, só agora parece que estamos próximos de ter algo mais específico para guiar a atuação desse profissional. Não que os envolvidos no processo vivessem num mundo de cegueira. “A definição de limites éticos claros para o relacionamento dos interessados com o poder público, são institucionalizados e divulgados em ampla transparência. Mesmo que ainda não exista legislação específica sobre o lobby, esses princípios valem para qualquer situação”, lembra o ministro da CGU.
Um conjunto de regras como a Lei de Conflito de Interesses, a Lei de Acesso à Informação e a própria Lei Anticorrupção, acabam direta e indiretamente, norteando a atividade desses profissionais por aqui, especialmente no que diz respeito à relação com agentes do Poder Executivo. Como lembra Ciro, da Imagem Corporativa, legislação sempre existiu. “Um agente público não pode receber dinheiro indevidamente na gestão de interesses públicos. Só que não se atentava tanto para esse tipo de distorção. Agora isso está sendo exemplarmente punido”, pontua.
Mas, de fato, seria de bom grado estabelecer uma regulamentação para a prática, como vem sendo feito neste momento. “A CGU acredita na importância de separar o lobby da percepção de atividade obscura e corrupta”, reforça Wagner Rosário. Por isso, a pasta tem trabalhado numa nova regulamentação da Lei de Conflito de Interesses, que dispõe sobre o exercício de cargo ou emprego público e impedimentos posteriores à atuação de agentes federais na esfera governamental. A proposta da CGU é estabelecer regras simples e pouco burocráticas para a concessão de audiências destinadas a influenciar decisões governamentais e políticas públicas, embora ela não tenha, e nem poderia ter, o intuito de regulamentar a atividade de lobista, algo que só seria possível por meio de lei ou emenda constitucional.
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 1202-A, de 2007, uma proposta ampla, que prevê um rol de exigências tanto para o cadastramento quanto para o exercício da atividade, incluindo prestação de contas dos gastos efetivados pelos grupos e a declaração das matérias de seu interesse. Já no Senado, vale destacar que, em 2015, entrou na agenda política o Projeto de Lei Suplementar nº 336/2015. O histórico dessa proposta remete ao estudo elaborado pelo Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, órgão colegiado e consultivo vinculado à CGU. Entre os temas por ela abordados estão a definição dos termos “atividade de lobby ou de representação de interesses”; o cadastro e o credenciamento de lobistas; a definição de regras para tratamento isonômico de representantes de interesses e para a transparência das relações entre estes e autoridades. O texto também cria exigência de informação sobre gastos com sua atuação e pagamentos a pessoas físicas ou jurídicas que ultrapassem R$ 2,5 mil; e explicita sanções para irregularidades cometidas por lobistas com multas de até R$ 100 mil para determinados graus de infração, entre outras medidas.
Com esse novo conjunto de regras, o profissional de relações governamentais também tem de apresentar ao Deputado ou ao agente público uma procuração ou um mandato atestando de que ele fala em nome da empresa. “Isso é fantástico! Se algo der errado nesse processo, o juiz ou o Ministério Público vão saber onde buscar essa informação e, se for o caso, a quem responsabilizar”, comemora Bruno, do Pinheiro Neto. “Claro que os grandes escritórios de advocacia e as grandes empresas se preocupam em fazer a coisa da forma mais correta e transparente possível. Mas, é fato que muitos (profissionais) fazem a coisa de uma forma não tão certa. Não quero dizer que estejam fazendo algo contra lei, mas existe uma série de mecanismos que podem ser adotados para trazer muitas melhorias ao processo”, reforça o advogado.
“O principal mérito nesse momento é ter uma percepção forte de que é necessário ter algum tipo de ordenamento em relação à atuação de empresas e entidades nas defesas de seus posicionamentos. Estamos muito defasados no Brasil nesse campo”, reconhece Ciro, da Imagem Corporativa. “O importante é sair do limbo. Isso faz parte do amadurecimento do país”, emenda.
QUEM É O LOBISTA?
Tal qual o compliance officer, não existe uma formação padrão de base para quem pretende atuar na área de relações governamentais. Embora cursos de formação especializados ainda sejam raridade, já existem alguns cursos de pós-graduação sobre o tema.
Há algum tempo, os representantes eram escolhidos dentro dos próprios departamentos Jurídicos das empresas, visto que um lobista precisa conhecer sobre a legislação. Mas, o mercado tem evoluído e aberto novas oportunidades para quem atua, ou pretende atuar, na área. “Existe muita demanda para a contratação de profissionais de relações governamentais sênior. Gente que já passou por várias empresas, tem muita experiência, atuou em associação de classe e, também, teve alguma passagem pelo Governo”, diz Bruno, do Pinheiro Neto. Mas, na outra ponta, o advogado conta que também existe uma demanda muito grande por profissionais júnior. “Um jovem advogado ou cientista político que, de alguma forma, atuou nas consultorias de Brasília, ou até em pequenas associações, mas que de alguma forma interagiu com o Congresso Nacional”, pontua. Para ele, o ponto mais essencial no processo de contratação de um lobista por uma empresa é a checagem do histórico do candidato, checando se ele já foi funcionário público, ou se é ligado a alguém que foi, e, caso tenha sido, avaliar a atuação dele no período, avaliando se aquele indivíduo está propenso a cometer alguma ilicitude baseado em históricos passados.
Para as empresas que vão contratar um lobista, é importante que elas tenham regras e ferramentas. Um programa de integridade com regras fortes e bem aplicadas gera uma grande barreira contra a corrupção e a atuação irregular de profissionais, lobistas ou não, que atuem fora dos padrões éticos instituídos.
TRANSPARÊNCIA LEGISLATIVA
Se o lobista, ao exercer a defesa dos interesses de um determinado grupo que o contrata para esse fim, tem a obrigação de exercer o seu papel de forma transparente, para não gerar suspeitas de que esteja atuando de forma errática para influenciar as escolhas de pautas e legislações do seu interesse, os legisladores e agentes públicos de forma geral, também precisam exercitar essa transparência, que já é preconizada há bastante tempo em códigos e regramentos do poder público, especialmente do Executivo Federal, embora nem sempre eles sejam cumpridos. “Um decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso exige que todas as agendas (do Executivo Federal) sejam publicadas, e que sejam todas solicitadas e marcadas de forma escrita – por e-mail, atualmente. Eles precisam adotar mais as práticas que já estão instituídas. Acho que no final das contas, não é todo órgão público que segue essas orientações”, lamenta Bruno.
Nesse particular do papel do setor público, a transparência que os legisladores dão aos seus atos é fundamental.
As bases de Propostas de Leis e outras mudanças na legislação quase sempre são construídas fora do Congresso Nacional. Lá, elas podem ser alteradas pelos deputados e senadores antes de serem votadas. É um processo complexo, de muitas negociações que tentam acomodar interesses de diversos grupos (de pessoas físicas e jurídicas) representados ali pelos políticos eleitos. Portanto, faz-se muito necessário o diálogo entre a quem cabe elaborar e propor as leis e aqueles que serão impactados por essas leis: cidadãos comuns, empresas e trabalhadores de um determinado setor, ou um mercado inteiro. Para determinar a melhor solução possível em meio a tantos interesses, é importante que todos os lados sejam ouvidos, por isso a relação entre associações, empresas e governo é fundamental. “Se o parlamentar deixasse mais transparente essas interações que mantém com o setor privado, poderíamos ter uma construção melhor”, acredita Bruno.
“O legislador muitas vezes não tem um conhecimento técnico sobre uma questão que pode ser muito importante para um setor, então é legítimo que uma entidade que represente um setor vá até ele, explicar de forma transparente”, afirma Ciro Dias Reis. O presidente da Imagem Corporativa acredita que apesar do impacto negativo dos últimos acontecimentos sobre a imagem da atividade de lobby, é uma questão de tempo – e de contar com uma legislação específica – para que essa atividade finalmente passe a ser vista como parte natural do processo legislativo.
PUNIÇÃO É FUNDAMENTAL
Outro aspecto fundamental para que a atividade de Lobby possa se desenvolver no País é que a punição aos profissionais e agentes públicos que, comprovadamente, praticarem atos ilícitos para fazer valer suas posições. Isso oferecer (ou pedir) quaisquer tipos de benefícios com o objetivo final de atingir esse fim. Com o fim das doações eleitorais por empresas, esse instrumento até então legítimo, acabou sendo distorcido e utilizado também como forma de obter posições favoráveis de partidos e políticos em relação a pautas de interesse de uma empresa ou de um setor. De novo, o nome disso é corrupção, e não lobby. E muitos desses casos têm sido acompanhados de punições bastante duras para os envolvidos.
É importante ressaltar que uma das formas que os grupos tinham para apoiar candidatos que defendessem posições com as quais um setor ou um grupo de interesse estivesse alinhado, era justamente o apoio financeiro às campanhas. Ainda assim, Ciro acredita que foi sadio que a proibição (de doação empresarial) tenha entrado em vigor, porque havia sim algumas distorções.
Para Bruno, do Pinheiro Neto, estamos indo no caminho certo. “É uma regulação que começa a trazer todo mundo para o jogo. A partir dela muitas pessoas vão poder participar de uma forma mais clara. O Congresso representa o povo. Se as pessoas (ou grupos organizados) não puderem ir lá e dizer o que pensam, então tem algo errado. Os congressistas precisam escutar os diferentes setores da sociedade. Qual o interesse da indústria? Qual o interesse dos funcionários? Do mercado? Como a gente defende o consumidor? Acho que é muito positivo”, conclui Bruno Perman.
Essa reportagem foi publicada originalmente na edição XIX da Revista LEC. Gostou? Clique aqui para assinar a Revista LEC gratuitamente e receber a versão digital completa.