A crescente conscientização sobre questões ambientais, sociais e de governança (ESG, sigla em inglês para Environmental, Social e Governance) tem levado empresas de diversos setores a adotar práticas mais sustentáveis e transparentes. Os relatórios de sustentabilidade ESG são ferramentas essenciais nesse processo, permitindo que as organizações comuniquem suas ações e desempenho em relação a esses três pilares.
Os relatórios também são cruciais para a construção de confiança com investidores, clientes e outras partes interessadas (os chamados stakeholders). Para assegurar a consistência e a comparabilidade dos dados reportados, diversos padrões e estruturas têm sido desenvolvidos e amplamente adotados. Entre os principais organismos, estruturas e padrões de divulgação ESG, destacam-se:
- Global Reporting Initiative (“GRI”): criado em 1997, é uma organização pioneira no desenvolvimento de diretrizes para a publicação de relatórios de sustentabilidade. Visa padronizar a forma como as empresas reportam sobre uma ampla gama de tópicos ESG para melhorar a precisão e comparabilidade. O Relato GRI é o mais utilizado atualmente no Brasil[1]. Em maio de 2024, a GRI anunciou uma colaboração com a International Financial Reporting Standards Foundation para otimizar o uso conjunto de seus padrões e fornecer um sistema de reporte de sustentabilidade global[2].
- IFRS Foundation (“IFRS”): criada em 2001, a Fundação IFRS é uma organização sem fins lucrativos, fundada para desenvolver um conjunto único de padrões globais de divulgação contábil e de sustentabilidade, por meio do International Accounting Standards Board (“IASB”) e do International Sustainability Standards Board (“ISSB”). O IASB é responsável pela criação dos padrões contábeis (IFRS Accouting Standards) e o ISSB desenvolve os padrões de divulgação de sustentabilidade (IFRS Sustainability Disclosure Standards). Esses padrões visam fornecer informações transparentes e comparáveis nas demonstrações financeiras e divulgações de sustentabilidade, auxiliando investidores e outros participantes do mercado a tomar decisões econômicas informadas[3].
- Sustainability Accounting Standards Board (“SASB”): criada em 2011, é uma organização sem fins lucrativos que ajuda a padronizar a divulgação de informações materiais de sustentabilidade. Os padrões SASB podem ser aplicados em 77 setores, facilitando a comunicação de informações financeiras relevantes e permitindo comparações significativas entre empresas de um mesmo setor[4].
- International Integrated Reporting Council (“IIRC”): criada em 2010, é uma coligação global de reguladores, investidores, empresas etc. que promove a elaboração de Relatórios Integrados que combinam informações financeiras e não financeiras para fornecer uma visão holística do desempenho de uma empresa. Em 2021, o IIRC se fundiu com o SASB para se tornar o VRF[5].
- Value Reporting Foundation (“VRF”): organização sem fins lucrativos formada em 2021 pela fusão do IIRC e do SASB, a VRF trabalha para desenvolver um conjunto de padrões com o objetivo de fornecer aos investidores e empresas uma estrutura abrangente de relatórios corporativos combinando o framework para relato integrado e os padrões setoriais do SASB, auxiliando as empresas a relatar o seu desempenho de maneira mais integrada e comparável. Em 2022, foi incorporado à Fundação IFRS[6].
- Carbon Disclosure Project (“CDP”): criada em 2000, é uma organização internacional sem fins lucrativos que reúne informações sobre riscos e oportunidades em matéria de alterações climáticas, segurança hídrica e desmatamento por meio de um questionário detalhado fornecido às organizações e, em seguida, produz uma pontuação usando seus próprios critérios. O CDP se concentra em tópicos relacionados ao meio ambiente e não cobre diretamente os aspectos sociais e de governança[7]. Em 2007, a CDP fundou o Climate Disclosure Standards Board (“CDSB”), que fornece às empresas estruturas de relatórios para a divulgação de informações ambientais e sociais. Em 2022, o CDSB foi consolidado na Fundação IFRS[8].
- Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (“TCFD”): criada em 2015 pelo Financial Stability Board (“FSB”), a TCFD oferece recomendações para a divulgação de riscos financeiros relacionados à mudança climática, para que possam ser integradas nas decisões de negócios e de investimento. O TCFD enfatiza a importância da governança climática e estratégias de gestão de risco. Em outubro de 2023, o trabalho da Força-Tarefa foi concluído. O FSB solicitou à Fundação IFRS que assumisse o monitoramento do progresso das divulgações relacionadas ao clima das empresas[9].
- International Sustainability Standards Board (“ISSB”): criado em 2021 na COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) pela Fundação IFRS[10]. A criação do ISSB envolveu a consolidação do CDSB, do SASB e do IIRC com a Fundação IFRS[11]. Em junho de 2023, o ISSB emitiu suas duas primeiras normas de divulgação de sustentabilidade IFRS, o IFRS S1 (Requisitos Gerais para Divulgação de Informações Financeiras Relacionadas à Sustentabilidade) e o IFRS S2 (Divulgações Relacionadas ao Clima). Mais de 20 jurisdições já decidiram usar ou estão tomando medidas para introduzir as normas do ISSB em suas estruturas legais ou regulatórias[12].
- Índice de Sustentabilidade Empresarial (“ISE B3”): iniciativa pioneira na América Latina, o ISE B3 foi criado em 2005, com financiamento inicial do International Finance Corporation (“IFC”). O objetivo do ISE B3 é ser o indicador do desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo seu reconhecido comprometimento com a sustentabilidade empresarial. O indicador é aplicado por meio do Simulado ISE B3, com o qual a companhia recebe um relatório detalhado com seu desempenho, além de um comparativo com as empresas que integram a atual carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial[13].
O infográfico abaixo ilustra as diversas organizações, estruturas e padrões de reporte ESG:
Ressalte-se que os emitentes dos Relatórios não devem escolher entre um e outro. Esses padrões e estruturas servem propósitos diferentes para públicos diferentes. Os emitentes devem realizar uma ponderação sobre os seus principais impactos, comparar os formatos de reporte disponíveis e definir quais padrões de reporte expressarão de maneira mais fiel seu retrato à sociedade.
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) tem dado passos significativos na regulamentação dos relatórios de sustentabilidade. Em outubro de 2023, a CVM editou a Resolução 193, que estabelece a adoção dos padrões internacionais do ISSB (IFRS S1 e S2), como padrão para a elaboração e divulgação de relatórios de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, pelas companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras. A adoção desse padrão será facultativa a partir dos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2024. A partir de 2026, a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade será obrigatória para as companhias abertas. Com isso, o Brasil se torna o 1º país do mundo a adotar oficialmente normas globais de reporte de informações ESG como padrão.
Em 29 de outubro de 2024, a CVM publicou as Resoluções 217 e 218 que tornam obrigatório o cumprimento dos Pronunciamentos Técnicos CBPS nº 01 e nº 02 (alinhados, respectivamente, aos padrões IFRS S1 e S2), emitidos pelo Comitê Brasileiro de Pronunciamentos de Sustentabilidade (CBPS). As resoluções entraram em vigor em 1º de novembro de 2024 e se aplicam aos exercícios sociais iniciados em, ou após, 1º de janeiro de 2026.
Em 21 de novembro de 2024, o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) aprovou a Resolução CMN nº 5.185[14], que altera a Resolução CMN nº 4.818, de 29 de maio de 2020, e exige que instituições financeiras de grande porte publiquem, em conjunto com as suas demonstrações financeiras, relatórios de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, adotando os Pronunciamentos Técnicos CBPS nº 01 e CBPS nº 02, em linha com os requerimentos da Resolução 193 da CVM. A Resolução também prevê que o relatório deverá ser objeto de asseguração razoável por auditor independente.
A Resolução CMN nº 5.185 entra em vigor em 1º de janeiro de 2025 e a obrigatoriedade de divulgação do relatório de sustentabilidade será a partir do exercício social de 2026, para as instituições registradas como companhia aberta ou que sejam líderes de conglomerado prudencial enquadrado no S1 ou no S2, e a partir de 2028 para as demais instituições, sendo permitida a adoção voluntária de maneira antecipada.
Na União Europeia (“UE”), a Comissão Europeia publicou a Corporate Sustainability Reporting Directive (“CSRD”), que entrou em vigor em janeiro de 2023[15]. A Diretiva exige que as empresas da UE, incluindo subsidiárias qualificadas de empresas não pertencentes à UE, divulguem informações de sustentabilidade e de como suas ações ambientais, sociais e de governança afetam seus negócios (com base no conceito de dupla materialidade – impactos materiais e financeiros). As empresas sujeitas à CSRD terão de apresentar relatórios de acordo com os Padrões Europeus de Relatórios de Sustentabilidade (“ESRS”)[16]. O prazo para a implementação das regras na legislação dos Estados-Membros era até julho de 2024. Embora esse prazo já tenha expirado, 17 Estados-Membros ainda não transpuseram a CSRD para suas legislações nacionais e, consequentemente, a Comissão Europeia anunciou, em setembro de 2024, que havia iniciado procedimentos de infração por não terem cumprido esse prazo[17].
Nos Estados Unidos (“EUA”), em março de 2024, a U.S. Securities and Exchange Commission (“SEC”, na sigla em inglês) adotou novas regras de divulgação climática, chamadas de US SEC Climate Disclosure Rules, que aproveitam alguns conceitos da estrutura de divulgação desenvolvida pela TCFD[18]. Essas regras exigem que as empresas que têm um requisito de reportar à SEC, incluindo empresas não americanas que negociam ações em bolsa de valores dos Estados Unidos, publiquem informações sobre suas emissões de gases de efeito estufa e riscos relacionados ao clima, que provavelmente terão impacto material em seus negócios ou demonstrações financeiras consolidadas. Até o momento da publicação deste artigo, a implementação da US SEC Climate Disclosure Rules está suspensa, aguardando revisão judicial, após desafios legais que questionavam a autoridade da SEC de impor tais divulgações (de cunho ambiental) para as empresas[19].
Os relatórios de sustentabilidade ESG são fundamentais para as empresas demonstrarem o seu compromisso com a sustentabilidade e promoverem uma comunicação transparente com os seus stakeholders. Com a adoção de padrões e frameworks globais e com as mudanças regulatórias recentes é provável que haja um aumento na qualidade, comparabilidade e na consistência das informações ESG divulgadas, beneficiando todas as partes interessadas.
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[1] Informação obtida em <https://www.pwc.com.br/pt/estudos/servicos/auditoria/2023/divulgacao-de-ESG-no-Ibovespa-2023.html#:~:text=O%20Relat%C3%B3rio%20de%20Sustentabilidade%20foi,e%20pelo%20Relat%C3%B3rio%2FRelato%20Integrado> – acesso em 05/07/2024.
[2]Informação obtida em <https://www.ifrs.org/news-and-events/news/2024/05/gri-and-ifrs-foundation-collaboration-to-deliver-full-interoperability/>- acesso em 05/07/2024.
[3] Informação obtida em <https://www.ifrs.org/about-us/how-we-set-ifrs-standards/> e <https://www.ifrs.org/content/dam/ifrs/about-us/legal-and-governance/constitution-docs/ifrs-foundation-constitution-2021.pdf> (pág. 6) – acesso em 17/10/2024.
[4] Informação obtida em <https://sasb.ifrs.org/about/> e <https://novisto.com/resources/blogs/list-esg-reporting-framework-standard> – acesso em 05/07/2024.
[5] Informação obtida em <https://relatointegradobrasil.com.br/iirc-e-sasb-formam-a-value-reporting-foundation/> – acesso em 05/07/2024.
[6] Informação obtida em https://www.ifrs.org/news-and-events/news/2022/08/ifrs-foundation-completes-consolidation-with-value-reporting-foundation/ – acesso em 05/07/2024.
[7] Informação obtida em <https://la-pt.cdp.net/> e <https://www.cdp.net/en/companies> – acesso em 25/10/2024.
[8] Informação obtida em <https://www.cdsb.net/our-story> e <https://www.cdp.net/en/articles/governments/ifrs-foundation-completes-consolidation-of-cdsb-from-cdp> – acesso em 26/10/2024.
[9] Informação obtida em <https://www.fsb-tcfd.org/> – acesso em 05/07/2024.
[10] Informação obtida em <https://crcmg.org.br/destaques/ifrs-foundation-anuncia-criacao-do-international-sustainability-standards-board-na-cop26/> – acesso em 10/07/2024.
[11] Informação obtida em <https://www.ifrs.org/news-and-events/news/2024/06/issb-delivers-further-harmonisation-of-the-sustainability-disclosure-landscape-new-work-plan/> – acesso em 10/07/2024.
[12] Informação obtida em < https://www.ifrs.org/news-and-events/news/2024/05/jurisdictions-representing-over-half-the-global-economy-by-gdp-take-steps-towards-issb-standards/> – acesso em 05/07/2024.
[13] Informação obtida em < https://iseb3.com.br/o-que-e-o-ise> – acesso em 05/07/2024.
[14] Informação obtida em <https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CMN&numero=5185> – acesso em 22/11/2024.
[15] Informação obtida em <https://finance.ec.europa.eu/capital-markets-union-and-financial-markets/company-reporting-and-auditing/company-reporting/corporate-sustainability-reporting_en> – acesso em 10/07/2024.
[16] Em agosto de 2023, a Fundação IFRS e o Grupo Consultivo sobre Relatórios Financeiros Europeus (“EFRAG”, na sigla em inglês) lançaram um mapeamento de interoperabilidade (ou seja, a capacidade de usar divulgações preparadas em outra estrutura para atender aos requisitos de divulgação) com o objetivo de mostrar a relação entre as normas ESRS e ISSB S1 e S2.
[17] Informação obtida em <https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/inf_24_4661> – acesso em 10/11/2024.
[18] Informação obtida em <https://viewpoint.pwc.com/dt/us/en/pwc/in_briefs/2024/2024-in-brief/ib202402.html> – acesso em 10/07/2024.
[19] Informação obtida em <https://kpmg.com/us/en/articles/2024/sec-climate-rule-pause.html> e <https://corpgov.law.harvard.edu/2024/04/20/the-case-against-the-secs-final-climate-rules-begins-in-earnest-and-what-it-means/> – acesso em 26/10/2024.
Artigo elaborado por:
Mainara Massuella
Mainara Massuella é associada do escritório Maeda, Ayres e Sarubbi, com quase 10 anos de experiência. Concentra sua prática em investigações internas, envolvendo principalmente questões comportamentais, de direitos humanos e de integridade corporativa. Possui sólida experiência na condução de investigações internas envolvendo denúncias de assédio e discriminação de qualquer natureza. Ela também ministra treinamentos relacionados para empresas de diversos setores e tem sólida experiência na condução de due diligence em direitos humanos em empresas de diversos setores, incluindo suas cadeias de suprimentos. Mainara tem experiência com direito trabalhista e pós-graduação em ESG pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo.
Ana Paula Souza Coutinho
Ana Paula é associada do escritório Maeda, Ayres e Sarubbi e atua nas áreas de Compliance e Anticorrupção desde 2020. Possui experiência em investigações internas, incluindo em relação à violação de legislação anticorrupção, bem como condução de due diligence e implementação de programas de compliance. Graduada em 2023 pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com participação em cursos relacionados à Compliance Jurídico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Normas Anticorrupção, Antissuborno e Compliance Público pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Fundamentos da Corporate Sustainability Reporting Directive pelo CSRD Institute.
Imagem: Envato