O Brasil é um dos maiores produtores de ouro do mundo. Com reservas de 2.400 toneladas, de acordo com o serviço geológico dos Estados Unidos, o Brasil detém a sétima maior reserva conhecida do metal do mundo e ocupa a 13a posição em produção, com 81 toneladas em 2018. A maior parte desse ouro é extraído pelas mineradoras que operam sob o regime de concessão do Estado. Essas empresas, muitas delas grandes multinacionais, têm autorização para refinar, fundir e exportar o ouro extraído e podem destiná-lo, diretamente, tanto ao mercado financeiro quanto ao seu uso em diversos segmentos industriais, como a produção de componentes eletrônicos, chips e semicondutores.
Já o ouro obtido no garimpo, por meio das permissões de lavra garimpeira, hoje, só pode ser tratado como ativo financeiro. De acordo com a interpretação corrente das leis 7.766/89 e 12.844/13, o ouro extraído em garimpo tem natureza jurídica de ativo financeiro ou de instrumento cambial, por isso obrigatoriamente esse ouro precisa ser comercializado para uma DTVM. Um projeto de lei de autoria do deputado Joaquim Passarinho, do PSD do Pará, tenta liberar a venda do ouro do garimpo diretamente para os clientes, particularmente o setor joalheiro. Mas o projeto de 2019 está parado na Comissão de Minas e Energia desde 2020, embora o seu relator já tenha lhe dado voto favorável.
Reguladas pelo BC, a régua das DTVMs já era bem mais alta do que o que preconiza a lei 12.844/13, que na verdade é um apanhando de disposições que tratam da prorrogação do REINTEGRA à venda de milho para pequenos produtores e, que também regula a compra, venda e transporte de ouro. É ali que foi inserido o princípio da boa-fé, de que o vendedor é responsável pela veracidade das informações prestadas, cabendo às DTVMs, apenas exigir e arquivar a documentação solicitada para esse tipo de legislação. Para o diretor de Compliance da Ourominas, uma das mais tradicionais corretoras de ouro do Brasil, Carlos Henrique, nenhuma DTVM séria se fia apenas nas informações de boa-fé emitidas pelo vendedor. “O BC exige de nós, como ente regulado, estruturas sólidas de compliance e controles internos. Por isso todas as DTVMs já pedem mais do que é exigido pela lei”, explica. Em meio a todo o clamor com a divulgação da situação nas terras indígenas, o Partido Verde entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra o princípio da boa-fé que está nas mãos do ministro Gilmar Mendes, do STF.
Ainda que operando sob as regras do BC, institucionalmente, a dinâmica atual do Compliance no universo das DTVMs que lidam com o ouro, em boa medida, pode ser comparada ao que era o mercado de câmbio antes das recentes mudanças e o aumento da pressão e da fiscalização dos reguladores em relação aos seus operadores: um mercado no qual a existência do Compliance era mais para cumprir tabela do que para ser efetivo. “Hoje o mercado de câmbio está muito mais sólido, porque tem o selo de integridade da ABRACAM (associação que reúne os operadores desse mercado), que é auditado por uma Big 4 e tem certificações importantes para os profissionais, até pela pressão externa que passou a ser feita sobre eles”, diz Carlos Henrique, para quem, seria extremamente salutar que as DTVMs que operam no segmento de ouro seguissem pelo mesmo caminho trilhado pelo segmento de intermediação de moedas. Vindo do mercado financeiro tradicional, o executivo da Ourominas diz que ficou surpreso quando foi convidado para cuidar do Compliance da operação, justamente pela percepção que o executivo tinha do setor. “Procurei vários colegas para me darem a visão relacionada ao tema. Para quem eu perguntava se faria sentido ir trabalhar com Compliance numa DTVM, todos me diziam que não, porque é um produto de alto risco”, lembra ele, que acabou aceitando o posto ao conversar e identificar a vontade dos acionistas de implementarem o programa de verdade. “Hoje, boa parte das minhas reuniões é com os acionistas, mais estratégicas”, emenda.
As DTVMs movimentam uma parcela pequena do mercado de ouro, cerca de 5%. Mas são elas que lidam com esse pequeno comércio de ouro oriundo do garimpo. Daí que elas passaram a estar no meio da tormenta quando a crise Yanomami explodiu.
Em sua grande maioria, os clientes que vendem ouro para uma DTVM são pessoas físicas, que possuem uma PLG. No caso da Ourominas, trata-se de uma base de clientes relativamente estável, cuja fonte do ouro é o garimpo original ou cedido. “Não tenho novos clientes todos os meses. Existem clientes de porte um pouco maior, inclusive algumas pessoas jurídicas, mas a maior parte das operações é realizada com pequenos produtores, que movimentam valores baixos”, explica o diretor da empresa. Tanto que antes da entrada de Carlos Henrique, as negociações de até R$ 5 mil eram pagas em dinheiro vivo. “ Em regra, o garimpeiro usaria esse dinheiro para comprar a comida dele. Ele acha o ouro e vende”. Até como forma de melhorar essa governança e a capacidade de controle da empresa, essa prática foi excluída. Hoje, as transferências são todas eletrônicas e pagas em conta corrente, o que facilita o rastreio e a guarda da operação para controles próprios como para atender a eventuais pedidos dos reguladores.