“Aquelas corporações que se envolvem em acidentes ambientais, que não fazem a manutenção adequada de seus equipamentos, que entregam produtos fora da especificação ou que submetam seus empregados a condições indignas de trabalho têm vida curta na sociedade atual”. (Mário Sérgio Cortella)
A mudança da cultura organizacional, como é sabido, depende tanto das normas jurídicas, e sua lógica da sanção e controle, quanto das referências, reflexões, estímulos e incentivos. Não é diferente quando falamos em compliance, dado que são observados melhores resultados na implementação de políticas de integridade quando são associados os tradicionais princípios da prevenção, detecção e resposta, com capacitação, treinamentos, incentivos e até premiações voltadas ao atendimento dos propósitos mais elevados da empresa/instituição.
É sob essa mesma lógica que abordaremos a importância da inserção permanente do tema sustentabilidade ambiental nas corporações e da sua íntima relação com os sistemas de integridade. O aumento da percepção social acerca da chamada crise ambiental, associado a um crescimento quantitativo e qualitativo das leis protetivas, com penalidades cada vez mais rigorosas, fazem com que a sistematização de ações de prevenção voltadas para a redução do consumo, riscos e impactos ambientais mereçam instrumentos próprios de Governança e, ainda, sejam parte imprescindível de um adequado Programa de Compliance.
Por outro lado, uma gestão eficiente dos riscos ambientais e a internalização adequada dos custos socioambientais ao processo produtivo, embora possa demandar algum investimento inicial, traz retornos a médio e logo prazo, além de contribuir decisivamente para a perenidade empresarial. Há algumas décadas consultores da área já profetizavam “o bom negócio da sustentabilidade”[2] e o seu valor quando atrelada à imagem da corporação. Isso sem falar da chamada “ecoindústria” que cresce exponencialmente (OCDE, 2005, p.2)[3]:
A indústria de bens e serviços ambientais consiste em atividades que produzem bens e serviços usados para medir, prevenir, limitar minimizar ou corrigir danos ambientais sobre a água, a atmosfera e o solo, assim como os problemas relacionados aos resíduos, ruídos e ecossistemas. Isto inclui tecnologias limpas, produtos e serviços que reduzem riscos ambientais e minimizam a poluição e uso dos recursos.
Nesse sentido, crescem o número de corporações que operam com bens ambientais ou se preocupam com a redução da sua “pegada ecológica”[4]. Para tanto, buscam certificação pelo Sistema ISO 14001 e/ou 26000, emitem seus relatórios de Sustentabilidade pela Global Reporting Iniciative – GRI, com qualidade atestada em gestão ambiental e responsabilidade social, apresentando uma série de vantagens competitivas e até o aumento do faturamento quando conseguem agregar o valor sustentabilidade à imagem do negócio.
Não obstante toda essa cautela, a história recente dos desastres ambientais no Brasil mostra que algumas dessas companhias ainda se envolvem em desastres/escândalos socioambientais de consequências catastróficas. Paralisação de atividades, expulsão do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial da BOVESPA[5], queda do valor das ações, perda de mercados internacionais, impactos imediatos no faturamento interno pelo “boicote” de consumidos, perda do crédito em razão da due diligence ambiental das instituições financeiras, reponsabilidade penal, civil e administrativa com multas altíssimas, foram algumas das experiências negativas vivenciadas por empresas e acionistas após desastres/escândalos ambientais. Mas por que isso ocorre? O que falhou? O que faltou?
O que se vislumbra em termos de governança, muitas vezes, são atuações fragmentadas, desconexas, e dissociadas dos valores que deveriam fundamentar a atuação das empresas. As políticas, por sua vez, voltam-se somente para tecnologias e procedimentos, mas se esquecem das pessoas, da comunicação e capacitação adequadas, da necessária mudança cultural.
Outras vezes, o que falta a uma organização é o tone from the top[6], quando as ações e investimentos em prevenção propostas pelos departamentos de gestão ambiental esbarram na lógica insaciável da maximização dos lucros a qualquer custo. A externalização de custos socioambientais do processo produtivo, com a terceirização de parte da produção para países com legislação ambiental e trabalhistas frágeis e a prática de greenwashing[5] são outras condutas ainda comuns e que têm levado multinacionais ao envolvimento em escândalos denunciados por órgãos públicos e outras entidades de defesa do meio ambiente[6].
Um programa efetivo de compliance ambiental, embora dialogue intimamente com o jurídico especializado na área, vai além da mera obediência à normas e regulamentos administrativos ou de políticas voluntárias de responsabilidade socioambiental. Contribui para uma redução significativa dos riscos de desastres e escândalos ambientais com proteção da imagem, para o aprimoramento de processos voltando-se à racionalização do uso de recursos naturais e do barateamento os custos de produção; viabiliza maior acessibilidade a processos seletivos e licitações; reduz custos processuais, com controle preventivo de responsabilização, aprimora as relações com os agentes e órgãos ambientais;
Ao trazer a integração das métricas de avaliação, certificação e emissão de relatórios de sustentabilidade, com atenção aos pactos internacionais, trabalhando-as de forma sistêmica, atende aos padrões globalizados e incentiva a atração de steakholders, viabilizando oportunidades de negócios com entidades éticas e ambientalmente responsáveis, mas não se esquece dos atores, do tratamento humanitário de colaboradores e parceiros, de ações voltadas à acessibilidade e isonomia.
Precisamos aprender com nossos erros. Um programa de compliance ambiental que possa sistematizar e integrar a gestão ambiental da companhia, avaliando riscos, ganhos, economias, responsabilidades, normas, a natureza e o ser humano, nas suas relações éticas e interdependentes, pode contribuir muito para inserir nossas empresas e nosso país nessa nova onda de desenvolvimento que se alinha.
O desenvolvimento sustentável voltado a assegurar sadia qualidade de vida a todos os seres, pressupõe um ambiente livre de poluições, assédios, discriminações e quaisquer ações que possam limitar o desenvolvimento humano e a criatividade necessária para a sobrevivência em mercados cada vez mais exigentes. Pressupõe ainda, respeito à biodiversidade, à diversidade de formas de ser, pensar e agir, pressupõe ética nas relações entre os homens e destes com o meio.
A opção consciente de uma companhia pela integridade não seria inteira se desconsiderasse suas relações com a natureza, bem como os riscos ambientais e de corrupção que advém dessa relação. O déficit de recursos naturais, a corrupção no relacionamento os agentes públicos que atuam na área de meio ambiente, nos impõe um quadro de urgência e emergência. É preciso falar sobre compliance ambiental, mas sobretudo, planejar e implementar ações concretas voltadas à assegurar a sustentabilidade multidimensional das empresas, instituições e do nosso país.
[1] Flávia Marchezini é sócia-fundadora da Carvalho & Marchezini advocacia, consultoria e compliance. Professora de Direito Ambiental, Direito Urbanístico e Compliance dos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória –FDV. Doutoranda em Direitos e Garantias Fundamentais –FDV. Procuradora do Município de Vitória-ES com atuação nas áreas de meio ambiente e urbanismo.. Consultora de Sustentabilidade e Compliance da Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (REDE), Vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/ES, Membro do Conselho Estadual de Ética Pública do Espírito Santo. Palestrante e autora de obras e artigos sobre Direito Ambiental, Direito Urbanístico e Compliance.
[2] ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Disponível para download na internet: http://www.fernandoalmeida.com.br/livros/livro-fernando-almeida-sustentabilidade.pdf
SMERALDI, Roberto. O Novo Manual de Negócios Sustentáveis. São Paulo: Publifolha, 2009. 204 p.
VOLTOLINI, Ricardo. Conversa com líderes sustentáveis: o que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011.
[3] OCDE. Environmental goods and services: an assessment of the environmental, economic and development benefits of further global trade liberalisation. Joint Working Party on Trade and Environment, 2000.
OCDE. Opening markets for environmental goods and services. Policy Brief, September, 2005.
[4] A Pegada Ecológica é uma metodologia de contabilidade ambiental que avalia a pressão do consumo das populações humanas sobre os recursos naturais. Expressada em hectares globais (gha), permite comparar diferentes padrões de consumo e verificar se estão dentro da capacidade ecológica do planeta. Um hectare global significa um hectare de produtividade média mundial para terras e águas produtivas em um ano. Disponível em https://www.wwf.org.br Acesso em 01 ABR 2018.
[5] O ISE é uma ferramenta para análise comparativa da performance das empresas listadas na BM&FBOVESPA sob o aspecto da sustentabilidade corporativa, baseada em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa. Também amplia o entendimento sobre empresas e grupos comprometidos com a sustentabilidade, diferenciando-os em termos de qualidade, nível de compromisso com o desenvolvimento sustentável, equidade, transparência e prestação de contas, natureza do produto, além do desempenho empresarial nas dimensões econômico-financeira, social, ambiental e de mudanças climáticas. Disponível em http://www.bmfbovespa.com.br Acesso em 01 ABR 2018.
[6] A Matéria investigativa “Só pra inglês ver” da Revista Exame fala dos problemas das investigações internas quando há envolvimento da alta direção nas fraudes, como nos casos JBS, Enron e Siemens. Disponível em www.exame.com Acesso em 29 Jul. 2017.
[5] Expressão utilizada por ambientalistas para designar práticas de sustentabilidade divulgadas pelas empresas como estratégia para valorizar sua imagem, sem que suas ações correspondam à propaganda feita. Fonte: VOLTOLINI, 2011, p. 63.
[6] Fontes: https://www.greenme.com.br/viver/trabalho-e-escritorio/126-6-multinacionais-envolvidas-com-trabalho-escravo-e-exploracao-infantil
http://g1.globo.com/economia/mercados/noticia/2011/08/acao-da-inditex-dona-da-zara-cai-apos-denuncias-de-trabalho-escravo.html
http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2015/11/07/internas_economia,705425/acoes-da-vale-caem-7-55-com-acidente.shtml
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Disponível em http://www.fernandoalmeida.com.br/livros/livro-fernando-almeida-sustentabilidade.pdf. Acesso em 05 MAI 2016.
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