Abordaremos neste artigo as relevantes novidades trazidas pela Lei 13506 de 13/11/17, que estabeleceu um marco regulatório ao disciplinar o funcionamento do processo administrativo sancionador nas esferas de atuação do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários.
Antes de tratarmos sobre referida Lei, cabe um breve histórico. Em meados de 2017, foi publicada a Medida Provisória 784, que tratava sobre este mesmo assunto. Naquele momento, muitos juristas questionaram o fato de assuntos de natureza administrativa e que tinham reflexos em procedimentos de natureza penal terem sido trazido através de uma Medida Provisória, que por sua vez está reservada a matérias relevantes e urgentes. A Medida Provisória acabou não sendo convertida em Lei e após alguns importantes ajustes e o seu devido trâmite, acabou por fim sendo publicada em forma de Lei.
Como principais destaques, conforme se verá com mais detalhe adiante, podemos mencionar que nos chamou a atenção a possibilidade de serem dadas multas de valores expressivos em caso de punição em processos administrativos. Também merece destaque o aumento de poder dado ao Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários ao punirem condutas lesivas ao sistema financeiro e ao mercado de capitais.
É importante mencionarmos ainda que a Lei 13506 busca aumentar a resolução de casos através da assinatura de Termos de Compromisso e Acordos de Leniência (na Lei tratado como “Acordo Administrativo em Processo de Supervisão”). Já bastante conhecidos no âmbito do CADE, o Acordo de Leniência e o Termo de Compromisso aumentaram de forma significativa o número de acordos firmados nos últimos anos. No mercado de Capital, sob a égide da Comissão de Valores Mobiliários, também já é bastante comum a quantidade de processos administrativos encerrados através da assinatura de Termos de Compromisso. Faltava, entretanto, algo semelhante no âmbito do Banco Central do Brasil. Desta forma, com a publicação da Lei 13506, a tendência e a expectativa é que aumentem os casos de Termos de Compromisso e Acordos de Leniência também na esfera do Banco Central.
A Lei 13506 no âmbito do Banco Central do Brasil
Em relação ao Banco Central, a Lei 13.506 é aplicável às instituições financeiras e demais instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil e aos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiros (“Instituições Sujeitas à Lei”) bem como: (i) às pessoas físicas ou jurídicas que atuarem em atividade sujeita à supervisão do Banco Central sem a devida autorização, (ii) auditores independentes e (iii) administradores, membros de diretoria, conselho de administração, conselho fiscal ou comitê de auditoria de uma instituição sujeita à lei.
O rol de infrações puníveis pela Lei 13506 é bastante extensivo e inclui praticamente todas as possíveis atuações do mercado financeiro, como por exemplo, realização de operações financeiras em desacordo com a legislação vigente, o fornecimento de informações ou documentos incorretos ao Banco Central, falha de controles internos que leve a quebra de sigilo bancário, falhas de gerenciamento de risco, inserção de dados falsos ou incorretos em demonstrações contábeis ou financeiras, entre outros. A infração é ainda agravada caso os efeitos da mesma tragam consequência à liquidez ou solvência das instituições sujeitas a lei, ou que afetem a estabilidade ou a continuidade de negócios do Sistema Financeiro, de Capitais, Consórcios ou Meios de Pagamento ou ainda que dificulte o conhecimento da real situação patrimonial ou financeiras das instituições sujeitas à Lei.
Entre as possíveis multas a serem aplicadas, destacam-se: a admoestação pública (reprimenda) e a multa pecuniária (aplicáveis para as pessoas físicas ou jurídicas) ou a suspensão do exercício de cargos e inabilitação temporária (aplicáveis as pessoas físicas) e a cassação da autorização de funcionamento e proibição de atividades (aplicáveis às pessoas jurídicas).
As multas pecuniárias serão calculadas com base na receita e produtos serviços financeiros, rendas das operações ou no caso de ilícito continuado, com base na última infração, podendo chegar até a R$ 2 bilhões.
Para a apuração do valor das penalidades, serão considerados fatores como a gravidade e a duração da infração, a vantagem obtida, o valor da operação, a colaboração com o Banco Central para apuração, a reincidência e a capacidade econômica do infrator. Cabe ainda ao Banco Central, a decisão de não instaurar processo administrativo sancionador se considerar que a infração foi pequena ou irrelevante, seguindo-se o princípio da razoabilidade.
Outro fator importante trazido pela Lei 13506 é a possibilidade dada ao Banco Central de aplicar medidas coercitivas e acautelatórias, como por exemplo o afastamento do temporário de diretor ou do auditor ou ainda pode impor que a instituição deixe de exercer determinada atividade. Tais medidas buscam minimizar algum risco ou ato que prejudique o funcionamento regular do sistema financeiro, de pagamentos ou de consórcio.
Os maiores destaques trazidos pela Lei 13506 referem-se, entretanto, ao Termo de Compromisso e ao Acordo Administrativo em Processo de Supervisão.
O Termo de Compromisso é firmado quando o Banco Central já tem conhecimento dos fatos e visa atender o interesse público, em seu juízo de conveniência e oportunidade. Para que tal compromisso seja firmado, pode já estar em andamento algum processo administrativo, ainda não julgado em primeira instância ou prestes a ser instaurado.
Ao firmar o Termo de Compromisso, o investigado assume que: (i) deixará de praticar os atos que estão sendo investigados ou os seus efeitos lesivos; (ii) corrigirá as irregularidades apontadas e indenizará os prejuízos e (iii) cumprirá todas as condições do referido termo, incluindo conforme o caso, o pagamento de multa. Tendo já sido instaurado processo administrativo, este será suspenso quando o Termo de Compromisso for firmado. Referido termo será publicado no site do Banco Central e constituirá título executivo extrajudicial.
Já o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão, assemelha-se ao Acordo de Delação Premiada aplicável às pessoas físicas nos processos criminais. Trata-se de uma confissão da pratica de infração, feita por pessoas físicas ou jurídicas, que deixam de serem punidos ou que têm sua ação punitiva reduzida de 1/3 a 2/3.
Este Acordo requer que o confesso traga fatos novos à investigação, para que possa usufruir de tais benefícios em relação à sua pena e, no momento em que firmar o Acordo, o envolvimento com a infração deve cessar por completo.
Para que seja celebrado tal Acordo, a pessoa física ou jurídica compromete-se a cooperar com toda a investigação, ou seja, não basta apenas relatar os fatos, terá que efetivamente comparecer sempre que for chamado e contribuir com as investigações, identificando outros envolvidos e trazendo informações e documentos.
Além do benefício de redução da pena, quem firma e cumpre integralmente o Acordo tem o processo administrativo extinto. Na prática, a pessoa continua sendo réu primário (caso seja o caso) e não recai sobre ele uma condenação.
Assim como o Termo de Compromisso, após firmado, o Acordo é publicado no site do Banco Central. Ambos suspendem o prazo prescricional no âmbito administrativo em relação ao signatário.
A Lei 13506 no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários
Conforme dito nas considerações iniciais deste artigo, já é comum serem firmados Termos de Compromisso na esfera da Comissão de Valores Mobiliários. Assim, para o mercado de capitais, a Lei 13506, apenas alterou determinados artigos da Lei 6385/1976, como por exemplo, os que se referem à penalização e valores máximos de multas, que poderão chegar a R$ 50 milhões, ou o dobro do valor da emissão, ou da operação irregular ou a três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda evitada em decorrência do ilícito ou o dobro do prejuízo causado aos investidores em decorrência do ilícito.
A importância da área de Compliance
Com base no exposto acima, a pergunta que merece reflexão é: como a Lei 13506 impulsiona a atuação da função de Compliance nas instituições financeiras?
Fica claro a força e relevância da Lei 13506. O Brasil, diante de um cenário regulatório em constante aprimoramento, buscando padrões internacionais, deu um passo importante quando da permissão do empoderamento do BC e CVM e da obtenção de maior clareza e objetividade sobre os comportamentos e condutas que não são aceitas pelos reguladores do sistema financeiro, para subsidiar a análise mais assertiva quanto à conformidade dos produtos e processos das instituições.
Outro ponto fundamental diz respeito a amplitude de poderes acautelatórios e de natureza coercitiva que a referida Lei investe o Banco Central, dentre as medidas possíveis consta a prestação de informações, a cessação de atos ou atividades e a adoção de medidas acautelatórias que antecedam a instauração de processo administrativo sancionador que podem incluir: afastamento de administradores, prepostos e procuradores, restrição a atividades e a substituição compulsória de auditor independente.
Com isso, a atuação do Compliance ganha força no que diz respeito à se fazer cumprir o arcabouço legal e regulatório, pois o não cumprimento implicará em ações punitivas mais rigorosas.
Mais uma vez o Compliance em pauta e cada vez mais inserido nas empresas de qualquer segmento, no caso em comento, nas instituições financeiras. Importante estarmos conscientes da implementação de um Programa de Compliance efetivo em atendimento à Resolução 4595, com os pilares bem estruturados, sendo eles (i) comprometimento da alta administração e corpo diretivo; (ii) independência e autonomia da área; (iii) alocação adequada de recursos; (iv) objetivo e estratégia do programa endossados pela executiva e alta administração; (v) plano de treinamento justificado e contínuo atendendo toda a Organização; (vi) controles para gerenciar e mensurar as obrigações de Compliance; (vii) existência de políticas e procedimentos de conformidade escritos de maneira clara para entendimento de toda a Organização; (viii) Relatórios internos e medidas disciplinadoras aplicáveis aos casos de não conformidade (sistema de denúncia eficaz, incluindo a não retaliação e canais disponíveis para orientar, encorajar e motivar funcionários dispostos a relatar desvios); (ix) monitoramento contínuo e avaliações do programa de conformidade).
Sem dúvida, a cultura de Compliance já evoluiu muito no Brasil e as novas Leis e Regulamentações só reafirmam esse entendimento a todo tempo. Muito temos pela frente, mas o avanço já demonstra e repercute positivamente a intenção de aprimoramento e fortalecimento do mercado.
Este artigo foi escrito por Sandra Gonoretske e Sandra Guida – Coordenadoras do Comitê de Compliance Financeiro da LEC – e publicado originalmente na edição #20 da Revista LEC