Aproveitando o dia mundial do combate à corrupção, celebrado no dia 9 de dezembro, a Controladoria-Geral da União apresentou o Plano Anticorrupção para o período de 2020 a 2025, elaborado com o objetivo de estruturar e executar ações para aprimorar, no âmbito do Poder Executivo Federal, os mecanismos de prevenção, detecção e responsabilização por atos de corrupção, avançando no cumprimento e no aperfeiçoamento da legislação anticorrupção e no atendimento a recomendações internacionais. O documento foi desenvolvido pelo Comitê Interministerial de Combate à Corrupção (CICC) e está alinhado à Estratégia Federal de Desenvolvimento, instituída pelo Decreto nº 10.531/2020.
O Plano Anticorrupção foi elaborado em duas etapas: execução de diagnóstico nos órgãos que compõem o CICC e elaboração de plano com ações a serem implementadas em curto e médio prazo. O comitê tem como finalidade assessorar a Presidência da República na elaboração, na implementação e na avaliação de políticas de combate à corrupção. Ele é formado pelo titular da CGU, no papel de coordenador; e pelos ministros da Justiça e Segurança Pública; da Economia; do Gabinete de Segurança Institucional; da Advocacia-Geral da União; e o presidente do Banco Central do Brasil.
Segundo a CGU, o diagnóstico foi desenvolvido em três eixos distintos, que possibilitaram ao Poder Executivo Federal verificar o nível de implementação de suas competências, identificar necessidades de aprimoramento e analisar o grau de atendimento a recomendações internacionais. Cada item do diagnóstico e das ações priorizadas foi relacionado a um tema e a uma dimensão finalística – prevenção, detecção ou responsabilização. As competências, necessidades de aprimoramento, recomendações internacionais e ações propostas foram classificadas em 15 temas: Prevenção à Lavagem de Dinheiro; Articulação Interinstitucional; Controle Interno; Cooperação e Articulação Internacional; Ética Pública; Gestão e Governança; Integridade; Investigação; Medidas Fiscais; Ouvidoria; Pesquisa, Conhecimento e Inovação; Prevenção ao Conflito de Interesses; Recuperação de Ativos; Responsabilização de Pessoas Físicas e Jurídicas; e Transparência e Controle Social.
As ações serão implementadas pelo órgão ou entidade competente, que poderá propor medidas corretivas ao Plano e informará trimestralmente sobre o estágio de execução ao Comitê Técnico de Assessoramento ao CICC. Anualmente, será realizada rodada de atualização do Plano, na qual poderão ser incluídas novas ações a serem implementadas até 2025.
Maior controle
No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro editou decreto com intuito de aumentar o controle da Administração Pública Federal sobre a evolução patrimonial ilícita e o exercício de atividades que possam gerar conflito de interesse por parte de seus agentes públicos. A medida estabelece normas para a apresentação e a análise das declarações de bens e de conflitos de interesses de que tratam a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Conflito de Interesses e a Lei nº 8.112/1990, considerada o Estatuto dos Servidores Públicos da União. O decreto se aplica a todos os agentes públicos civis da administração pública federal direta e indireta, aos empregados, aos dirigentes e aos conselheiros de empresas estatais, inclusive aquelas não dependentes de recursos do Tesouro Nacional.
Para processar as declarações dos servidores públicos, será instituído um sistema eletrônico, gerido pela CGU, que receberá as declarações patrimoniais e de conflito de interesses com desempenho de cargo ou função.
O agente poderá franquear acesso, alternativamente, mediante autorização em meio eletrônico, às suas declarações anuais de Imposto de Renda (IRPF). A recusa do servidor em prestar a informação ou autorizar acesso à sua declaração de IRPF será alvo de sanção administrativa.
No caso das declarações sobre conflito de interesses, elas serão devidas apenas por ministros, ocupantes de cargos ou funções iguais ou superiores a DAS 5 (o nível mais alto entre os servidores de carreira) e dirigentes de entidades. Esses agentes deverão informar sobre familiares no exercício de atividades que possam suscitar conflito de interesses, relacionar as atividades privadas exercidas e identificar toda situação patrimonial específica que suscite ou possa eventualmente suscitar conflito de interesses.
As informações geradas pelas declarações poderão ser objeto de sindicância patrimonial se houver indício de enriquecimento ilícito do agente público.
Resolução administrativa para servidores
Por fim, o Governo Federal encaminhou um projeto de lei ao Congresso Nacional que altera o art. 124 da Lei nº 8.112/1990, e inclui a necessidade expressa de identificação do dolo ou da culpa na conduta do agente público submetido a processo administrativo. A mudança visa aprimorar os critérios para a caracterização do cometimento de ilícito de natureza administrativa disciplinar.
O PL prevê ainda, dentro de certos critérios, a possibilidade de acordo de resolução administrativa de conflito em casos de cometimento de infrações disciplinares de menor potencial ofensivo por parte do servidor, como aquelas puníveis com advertência ou suspensão de até trinta dias.
Os estados e a LGPD
No início de dezembro, o governo mineiro apresentou o Portal LGPD, que vai consolidar as informações sobre o assunto e divulgar as melhores práticas a serem seguidas pelas organizações em relação ao tema. O trabalho é uma realização do Grupo de Trabalho sobre Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, cujo objetivo é o estudo e o desenvolvimento de metodologia para aplicação da lei no âmbito do Governo Estadual.
“O Portal da LGPD é mais uma iniciativa executada pela controladoria-geral do Estado de MG para facilitar o compartilhamento das informações e boas práticas, de modo que a gestão da privacidade também seja incorporada às nossas ações, de forma compatível e harmônica com a Lei de Acesso à Informação”, explicou a Subcontroladora de transparência e integridade da CGE, Nicolle Bleme.
Segundo Beatriz Loureiro, subcoordenadora do Grupo de Trabalho de LGPD e diretora de transparência passiva da CGE-MG, a pasta enxergou a necessidade de centralizar as informações e os materiais produzidos pelo Grupo de Trabalho, que são orientativos para a administração pública estadual, em um portal, para facilitar o acesso ao conteúdo.
Por meio do Portal, é possível compartilhar informações referentes à LGPD, além das melhores práticas adotadas pelos órgãos e entidades. Serão também divulgadas as ações realizadas pela administração pública sobre o assunto, o que possibilitará, além de troca de informações entre o público interessado, no incremento da transparência e do controle social.
Pagou aqui, agora paga lá
Em mais um desdobramento internacional decorrente da corrupção na Petrobras, o Serious Fraud Office britânico, garantiu a restituição aos cofres da Rainha de aproximadamente 1,2 milhão de libras provenientes do brasileiro Julio Faerman, antigo representante da holandesa SBM Offshore no Brasil. Faerman é o proprietário de um apartamento de luxo na região de Kensigton, uma das mais caras da capital da Inglaterra, avaliado em 4,25 milhões de libras. Para o SFO, o apartamento teria sido pago parcialmente com dinheiro oriundo da conduta criminosa de seu proprietário em sua atuação para ganhar negócios com a Petrobras.
Após o Ministério Público brasileiro ter fechado um acordo com Faerman que pagou cerca de US$ 54 milhões, o SFO abriu sua própria investigação de recuperação civil sobre os ativos do brasileiro no Reino Unido. A investigação centrou-se no apartamento de luxo e numa série de contas bancárias suíças e empresas offshore que, acredita o SFO, financiaram parcialmente a compra da propriedade em Londres. “Este é um excelente resultado para o SFO, enviando uma mensagem clara de que não vamos nos sentar e permitir que o Reino Unido seja um porto seguro para dinheiro sujo. Continuaremos a investigar, confiscar e recuperar ativos criminosos mantidos em nossas costas”, disse Liz Baker, chefe que cuida de investigações de dinheiro oriundo do crime e da assistência internacional.
Em janeiro de 2019, o SFO garantiu uma ordem de congelamento de propriedade, bem como uma ordem para permitir que o SFO rastreasse as comissões pagas à Faerman para facilitar subornos em sua compra. O pedido de Faerman para cancelar esta ordem em junho de 2020 foi indeferido. Com o resultado, o SFO pretendia mover uma ação de recuperação civil contra Faerman em relação ao apartamento em Tasker Lodge, mas o órgão acabou acertando um acordo com Julio Faerman, pelo qual a ordem de congelamento de propriedade permanecerá em vigor até que o brasileiro pague o valor do acordo de quase 1.2 milhão, além de mais 57 mil libras em despesas com o processo aferidas pelo SFO. O processo contou com a cooperação do Procurador-Geral da Suíça e do FIOD, a agência de investigação de crimes financeiras da Holanda.
Negando acusações
Acusada pelo Ministério Público Federal (MPF) de obter contratos para o comércio de 1,12 bilhão de litros de óleo combustível, mediante o pagamento de R$ 6,86 milhões em vantagens indevidas para ex-funcionários da área comercial da Petrobras, a trading Trafigura “nega fortemente as alegações” das autoridades locais. “As alegações das autoridades brasileiras contra a companhia e qualquer sugestão de que a atual liderança autorizou ou tinha conhecimento de pagamentos impróprios para funcionários da Petrobras não são suportados por nenhuma evidência”, diz a empresa em comunicado.
“A gestão da Trafigura promove ativamente uma cultura de transparência e conformidade regulamentar. Temos uma política de tolerância zero em relação a suborno e corrupção. A empresa possui políticas robustas de combate à lavagem de dinheiro, suborno e corrupção e sistemas de Compliance que atendem aos padrões internacionais”, afirma a companhia em outro trecho do comunicado.
O MPF ajuizou ação de improbidade administrativa contra a trading company, seus executivos no Brasil e no exterior, e ex-funcionários da Petrobras responsáveis por, supostamente, favorecer ilicitamente a empresa estrangeira em 31 operações de compra e venda de óleo combustível realizadas no mercado externo entre maio de 2012 e outubro de 2013. Segundo as autoridades brasileiras, como resultado dos negócios, a Trafigura teria auferido lucro de R$ 198,43 milhões em detrimento dos cofres da estatalEm decorrência dos atos de improbidade, o MPF requer da Trafigura o ressarcimento de danos materiais à Petrobras na importância de R$ 198,43 milhões, indenização de danos morais coletivos em patamar mínimo de R$ 198,43 milhões, além do pagamento de multa civil e a aplicação de outras sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, como a proibição de contratar com o Poder Público.
A ação de improbidade administrativa é um desdobramento da fase 57 (Sem Limites) da Operação Lava Jato, deflagrada em dezembro de 2018. Na ocasião, o MPF já denunciara ex-executivos da Trafigura pelos mesmos crimes.
As fraudes no Brasil
A pesquisa global sobre fraudes e crimes econômicos realizada pela firma de auditoria e consultoria PwC com base em informações fornecidas por mais de cinco mil executivos de 99 países, traz curiosidades e reforçam algumas características desses crimes aqui no Brasil. Segundo o estudo, as fraudes e os crimes econômicos atingiram 46% das empresas brasileiras no biênio 2018-2019.
Crimes de suborno são o de maior incidência nas empresas brasileiras, tendo sido mencionadas por 41% dos respondentes locais, no mundo esse índice é de 30%, o que coloca esse tipo de infração abaixo de fraudes cometidas pelo consumidor (globalmente o maior tipo de fraude), seguida por crimes cibernéticos e roubo de ativos. Por aqui, após suborno e corrupção, a pesquisa aponta fraude contábil, com 40% de menções, e fraudes cometidas pelo consumidor, caso de 35% das respostas.
Na média global, seis em cada 10 empresas não tem um programa de Compliance anticorrupção e 53% das empresas participantes da pesquisa no Brasil não fazem avaliações formais de riscos. O número é apenas um pouco superior ao da média global, que é de 47% para a mesma resposta.
Apesar de representarem um dos maiores riscos de Compliance, o monitoramento formal de terceiros e due dilligences de risco nos mesmos é uma realidade para apenas metade da base de entrevistados, tanto no mundo como no Brasil.
Ao contrário do que acontece na média global, no Brasil, os maiores perpetradores de fraudes no Brasil são agentes internos e não externos. Os funcionários das empresas são responsáveis por 44% dos casos de fraudes e crimes financeiros no universo corporativo brasileiro, sendo que as equipes operacionais são as maiores responsáveis pelos problemas (35% dos casos no Brasil), seguidas pela média gerência (32%). A alta administração das empresas brasileiras é responsável por 21% dos casos de fraudes e crimes econômicos, abaixo dos 26% de casos de responsabilidade desse grupo na média global.
A PwC também questionou aos participantes se eles receberam acusações de fraudes. Concorrentes responderam por 40% das denúncias nesses casos, enquanto os funcionários são responsáveis por outros 33% dos casos. A consultoria acredita que maior foco regulatório e incentivos à delação em alguns países devem contribuir para o aumento desse tipo de denúncia.
No mundo, as fraudes mais caras, considerando as perdas diretas e aquelas relacionadas com reparação e eventuais multas decorrentes da fraude são: práticas anticoncorrenciais, uso de informações privilegiadas, fraude fiscal, lavagem de dinheiro e suborno e corrupção.
No Brasil, 19% dos participantes vítimas de fraudes nos últimos 24 meses relataram perdas de mais de US$ 50 milhões (mais de R$ 250 milhões pelo câmbio atual), considerando todos os incidentes do período.
Para sair melhor da crise
A mesma pesquisa aponta que 60% das empresas que conduziram uma investigação das fraudes encontradas estavam melhor após o fato. Entre essas empresas, 71% conduziram uma investigação para chegar à raiz do problema. 58% reforçaram os controles internos e as políticas e procedimentos. Outros 44% das empresas que saíram fortalecidas de investigações de fraudes aplicaram medidas disciplinares aos infratores, enquanto 37% relataram o caso às autoridades.
Aqui no Brasil, 55% das empresas respondentes disseram ter investigado o seu pior caso de fraude, mas apenas 29% desses casos foram reportados ao conselho de administração.
Leniência para servidores
Antecipando-se até ao governo federal, o governo de Goiás realizou um mutirão de conciliação no mês de dezembro para que servidores estaduais que respondem a processo disciplinar possam celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a administração. A possibilidade prevista no Estatuto do Servidor Público do Estado de Goiás e vigorando desde julho deste ano, traz esse novo instrumento de resolução consensual de conflitos utilizado formas alternativas aos processos disciplinares de menor potencial ofensivo, aqueles puníveis com advertência ou suspensão de até 30 dias. De acordo com levantamento da Controladoria-Geral do Estado (CGE), a administração estadual possui atualmente cerca de 1.400 processos correcionais disciplinares em andamento, dos quais aproximadamente 330 são passíveis da realização de TAC, que poderão ser pactuados nas unidades correcionais dos órgãos estaduais.
A celebração do TAC é ato voluntário do servidor, na qual ele assume a prática da transgressão disciplinar, se compromete a observar os deveres e proibições previstos na legislação e, se for o caso, ressarcir os possíveis danos e prejuízos causados ao erário.
Estudos recentes mostram que uma sindicância ou processo disciplinar tem um alto custo para os cofres públicos, com valores que chegam a R$ 100 mil. O tempo para conclusão também é longo e leva em média um ano e meio, podendo se estender mais pela interposição de recursos judiciais, além dos danos gerados aos servidores com o longo processo.
Publicado originalmente na edição 30 da revista LEC com o título “Novo plano, novas medidas”.
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