Que as empresas podem ser responsabilizadas criminalmente por delitos ambientais, muitos sabem. São poucos que acompanham paulatina mudança de entendimento dos Tribunais Superiores, na toada do expansionismo penal, que maximiza a possibilidade de trazer ao banco dos réus as pessoas jurídicas por crimes contra o meio ambiente.
Os ventos são, definitivamente, outros.
Por muito tempo, o STJ adotou a teoria da dupla imputação necessária em crimes ambientais, segundo a qual a empresa apenas poderia ser criminalmente responsabilizada se concomitantemente processada com a pessoa físicaque agia em seu nome (ou em seu benefício). Entendia-se que no direito criminal, em que a responsabilidade é subjetiva, somente à pessoa física poderia ser atribuído o dolo ou a culpa.
Entendimento diverso foi inaugurado pelo Supremo Tribunal Federal, capitaneado pela Min. Rosa Weber, em 2013 (RE 548181). Em suma, defendeu-se que a complexidade das organizações corporativas atuais, caracterizada pela descentralização de atribuições, revela-se um entrave para persecução penal, gerando impunidade. Ou seja, na dificuldade de identificar a(s) pessoa(s) física(s) responsável(eis), a pessoa jurídica queda-se penalmente ilesa.
Foi uma questão de tempo para que esse julgado da Suprema Corte – ainda que despido de efeito vinculante – impactasse no entendimento do STJ.
De tal forma que já se sucederam decisões que autorizaram o prosseguimento de ação penal ajuizada apenas em desfavor da pessoa jurídica, em face da dificuldade – imagina-se – de se encontrar a pessoa física responsável, a partir de quem poder-se-ia identificar o elemento volitivo de dolo ou culpa.
A motivação dos tribunais é a legítima preocupação contra a impunidade, entretanto, acentua-se o risco de condenação criminal de empresas por crimes ambientais sem que tenha o suposto fato ilícito ocorrido por decisão de seu(s) representante(s), em seu interesse ou em seu beneficio (pressuposto de responsabilidade penal da pessoa jurídica). O caminho mais fácil nem sempre é o mais seguro.
Exsurge, nesse sentido, a importância do criminal compliance, notadamente na área ambiental. A política estabelecida pela empresa de medidas preventivas de risco (treinamentos, cartilhas, controles de automação, etc..) edevidamente orientada a todos os seus colaboradotres não pode passar despercebida frente a eventuais fatos danosos. No mínimo, ocorrido um acidente ambiental, deve-se perquirir a existência de política preexistente da empresa que oriente condutas adequadas que evitariam o fato danoso.
Com isso, deve-se evitar a movimentação estatal penal contra empresas dirigidas e norteadas por medidas adequadas de compliance, ainda que eventuais colaboradores, em tendo agido em desacordo com orientações preventivas previamente recebidas, tenham cometido um delito ambiental. Nesse caso, caberia às autoridades de persecução identificar as pessoas naturais responsáveis pelo fato supostamente ilícito, eximindo a empresa de um fardo penal que não lhe cabe.
A mudança de entendimento do STJ é uma realidade que pode abrir as comportas de ações penais em que, outrora, pela dificuldade de identificação dos responsáveis, eram barradas. No entanto, com as adequadas medidas de criminal compliance, é possível pré-estabelecer a “vontade” do ente moral. Com isso, evita-se uma injusta imputação criminal isolada da pessoa jurídica.
Nathália Rocha Peresi é sócia do Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados, responsável pela área de direito penal empresarial, especialista em direito penal econômico pela Fundação Getúlio Vargas-SP e mestre em processo penal pela Faculdade de Direito da USP.
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