KYC , sigla para Know Your Customer, ou “Conheça seu Cliente”, é um dos termos mais repetidos no vocabulário de quem atua com compliance. Mas, muitas vezes, também é um dos menos compreendidos.
Você provavelmente já ouviu (ou disse) que “o KYC está feito”. Mas o que isso quer dizer, exatamente? Que temos cópias de documentos? Que o formulário foi preenchido? Que a empresa está, de fato, confortável com aquele relacionamento?
A verdade é que muita gente ainda trata o KYC como um rito burocrático, um passo isolado, um “pré-requisito” para seguir adiante. Mas quando reduzimos o KYC a uma mera coleta de dados, esquecemos que ele é uma das peças centrais da esteira de decisões que sustenta a prevenção à lavagem de dinheiro e a gestão de riscos.
O que é, de fato, o KYC?
“Know Your Customer” vai muito além de saber o nome e o CPF, CNPJ e sócios de uma empresa. É sobre compreender quem está do outro lado: sua estrutura, sua lógica de atuação, seu grau de exposição a riscos legais, reputacionais e regulatórios. KYC é leitura. E leitura exige contexto, critério e atualização.
Na prática, isso significa:
- Ir além do formulário e questionar a consistência das informações;
- Entender a lógica do negócio, não só os dados cadastrais;
- Ler os sinais — inclusive os que não estão no papel.
Da identificação à inteligência: a lógica da esteira
Quando pensamos em PLDFTP, uma boa política não começa no monitoramento. Começa no KYC e não termina nele.
A esteira de identificação, verificação, qualificação, decisão, acompanhamento e revisão depende da qualidade da leitura feita sobre o cliente ou parceiro. O KYC não é apenas a porta de entrada: é um dos alicerces de uma leitura de risco que se renova a cada etapa do relacionamento.
É nessa esteira que se decide:
- Qual o grau de diligência necessário;
- Quais informações serão cruzadas;
- Que tipo de relacionamento será permitido ou bloqueado;
- Quando reavaliar os riscos com novas lentes.
Quando essa leitura é superficial ou feita uma única vez, compromete-se a efetividade da estratégia de prevenção e detecção sobre a qual o KYC deveria se sustentar.
Nem tudo está no sistema: o olhar ainda é o ativo mais estratégico do compliance
Não importa o quanto avancem as ferramentas: o risco não se revela por inteiro nos dados brutos. Ele se esconde nos silêncios, nas incoerências, nos sinais de contexto. E, para isso, a leitura humana ainda é insubstituível.
Automatizar é essencial, mas compreender o que se está automatizando é mais importante ainda. A lógica do risco não nasce no código: nasce na forma como a organização enxerga o mundo ao seu redor, interpreta movimentos, reconhece padrões, parametriza seus sistemas internos, define seus processos e decide o que tolera ou não em seus relacionamentos.
Uma holding pode ser uma estrutura tributária legítima ou uma fachada sofisticada para ocultar o beneficiário real. Um cliente com bom histórico pode, sob nova gestão, virar um risco oculto. E nenhuma base pública vai avisar isso a tempo se não houver alguém treinado para suspeitar com método.
É por isso que compliance também é treino de percepção: aprender a desconfiar com critério, a cruzar informações com propósito, a fazer perguntas incômodas com responsabilidade. O papel do profissional de compliance não é apenas processar dados, mas atribuir sentido ao que parece neutro e enxergar o que ainda não foi dito.
Profissionais preparados: o elo entre tecnologia e decisão
Essa realidade nos leva a uma constatação inevitável: não basta ter sistemas avançados se faltam profissionais com preparo para interpretar, conectar e agir a partir dos dados gerados. O compliance moderno exige perfis capazes de cruzar análise técnica com leitura de contexto: gente que saiba traduzir riscos em decisões.
Por isso, a formação de profissionais com repertório regulatório, raciocínio crítico e capacidade de investigar padrões e exceções é um dos pilares para transformar o KYC de um rito operacional em uma ferramenta estratégica de integridade.
A tecnologia e automação como aliados
A automação do KYC pode transformar a operação de compliance: reduz fraudes, traz agilidade para o onboarding, melhora a experiência do cliente e ainda libera tempo da equipe para tarefas analíticas mais estratégicas.
Mas a tecnologia só funciona quando é construída sobre bons critérios de risco, parâmetros bem definidos e em constante revisão e um olhar consciente sobre o negócio. Automatizar um processo cego, sem calibrar a esteira de decisões, não é eficiência: é ruído disfarçado de velocidade.
A pergunta não é se devemos automatizar, mas como fazer isso com governança clara, inteligência aplicada e critérios ajustados à realidade do risco.
O começo que informa o percurso
Se a sua estratégia de PLDFTP parece inconsistente, talvez seja hora de revisitar a forma como o KYC está sendo conduzido. Ele é muito mais do que um cadastro inicial: é uma das engrenagens-chave que alimenta o monitoramento, a decisão e a integridade da operação.
E quem compreende essa lógica, atua com vantagem.
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Imagem: Canva