Muito se fala sobre a importância de se implementar (e continuamente aprimorar) as boas práticas que devem governar empresas e corporações e que se destinam em linhas gerais a promover maior transparência e tratamento isonômico perante seus stakeholders, a reforçar a atuação diligente dos diversos agentes de governança e a conscientizá-los sobre suas importantes responsabilidades dentro e fora do ambiente corporativo.
E isso por uma razão bastante óbvia: melhores práticas estruturadas de governança corporativa não só geram maior valor às empresas que as adotam e mais segurança e retorno aos seus acionistas e investidores, como também buscam garantir que a empresa esteja em compliance com as legislações (nacional e estrangeira) às quais está sujeita. Não por outra razão que a bolsa de ações brasileira criou segmentos diferenciados de listagem para empresas que cumprem requisitos e exigências complementares àquelas previstas em lei.
Pouco se fala, contudo, das limitações da governança corporativa; daquilo para o qual ela não foi especificamente desenvolvida e que, não raro, os menos entendidos tentam equivocadamente atribuir-lhe: um papel policialesco, dotado de poder e aptidão onisciente e onipresente para assegurar de maneira absoluta que fraudes ou outras condutas impróprias não se materializem.
Essa expectativa é tão equivocada quanto esperar que a promulgação de um código de leis penais e a criação de órgãos estatais de fiscalização e repressão tenham, em si mesmos, o condão de garantir a inocorrência de crimes no país.
Quem envereda por esse entendimento equivocado se esquece que a governança corporativa, com seus sistemas de freios e contrapesos, suporta-se sobre um pilar fundamental e inerente a toda e qualquer relação humana: a confiança e a presunção de lisura, sem os quais haveria um engessamento absoluto de qualquer agir, seja no âmbito de uma empresa, ou da própria sociedade.
Quando a premissa da confiança é violada e o agente interno da corporação passa a adotar condutas ilícitas, não raro escamoteadas e em conluio com outros agentes, burlando os mecanismos de controle, os órgãos de auditoria e demais instâncias de gestão, é de se convir que o cumprimento das boas práticas de governança corporativa poderá ser insuficiente, por melhores que sejam elas, para descortinar uma fraude requintada, podendo perdurar por períodos expressivos.
Logo, a não evitabilidade de uma fraude ou de um evento lesivo em si mesmo não significa que tenha havido insuficiência de governança, seja sob a perspectiva de faltas ou falhas de controles internos e externos, políticas de compliance, ou diligência da alta administração.
As práticas de governança corporativa são estruturadas, todos sabemos, para reduzir erros, riscos e/ou mitigar consequências negativas para o negócio empresarial, mas não para servir como “colete à prova de tudo”. E, de partida, se não existem boas práticas à prova de erros, quem dirá à prova de fraudes e condutas dolosamente arquitetadas e articuladas com a finalidade específica de produzir uma fraude para aproveitamento ilícito de indivíduos de má-fé, em violação a todos os deveres de confiança e retidão de conduta que normalmente se espera (e pode sim se esperar) de um gestor, um executivo, um fornecedor ou um parceiro comercial, dentre outros potenciais envolvidos ou colaboradores, seja direta ou indiretamente. O universo de possibilidades é ilimitado!
Portanto, os sistemas de governança simplesmente não foram desenvolvidos nem estão preparados para impedir fraudes, pois elas sempre serão acompanhadas de uma estratégia para burlar as balizas criadas para preveni-las, sobretudo quando os fraudadores conhecem os mecanismos de controles.
Da mesma forma, não é possível exigir de qualquer órgão de governança ou controles internos que parta da premissa de tratamento de que todos são criminosos. Assim, se não há razões factuais para desconfiança alicerçada em concretudes, seja da veracidade de informações prestadas, seja da idoneidade de indivíduos, por que se exigiria fazê-lo, criando-se um princípio de desconfiança absoluta em tudo e em todos?
Quem assim sustenta são os engenheiros de obra pronta, verdadeiros profetas do passado, que, após ocorrido o evento danoso, olhando-o do conforto do seu gabinete ou escritório pelo retrovisor do tempo, diz que ele e qualquer um teria sido capaz de antevê-lo. Teria mesmo? Na grande maioria dos casos, transportando-se para o momento antecedente a um evento danoso ou à descoberta de uma prática ilícita (fraude ou corrupção, por exemplo), é de se convir que, em boa parte das vezes, presunções não poderiam ser tratadas como certeza.
Em resumo, as boas práticas de governança corporativa ou os órgãos de controle interno e externo, bem como a alta gestão não podem nem devem ser instantaneamente pré-julgados e automaticamente condenados como se falhos ou omissos fossem na hipótese de ocorrência de alguma irregularidade, evento danoso ou fraude, pois não há nenhum escudo protetor invencível em quaisquer práticas de gestão de integridade e compliance.