A operação Lava Jato foi um dos principais acontecimentos do Brasil no século XXI e seus efeitos vão muito além do impacto ao caixa das empresas, mas podem ser observados no ambiente de integridade e governança corporativa.
Não à toa, a pesquisa divulgada em abril pelo escritório norte-americano Miller & Chevalier, realizada com apoio do Demarest Advogados no Brasil, mostra que 8 em cada dez executivos afirmam que as empresas em que atuam fazem treinamentos anticorrupção e 83% possuem mecanismos de denúncia anônima – resultados acima da média dos países da América Latina.
Entretanto, apesar desse dado positivo, foi possível notar que, mesmo após uma década da operação, 35% das empesas informam que já perderam negócios para concorrentes que fizeram pagamentos indevidos. O resultado é expressivo e está acima de países como Uruguai (8%), Chile (21%) e México (31%) – apesar de menor que a média da região (41%).
O fato é que a Lava Jato escancarou a podridão da relações espúrias entre agentes públicos e grandes empresas. Por ocasião da operação, algo antes inimaginável aconteceu: grandes caciques políticos, além de acionistas e executivos de grandes empresas, até então vistos como intocáveis, foram condenados por crimes de corrupção.
Este ano em que a Lava Jato completa 10 anos, voltaram à tona diversas discussões sobre alegados excessos cometidos, dos quais decorrem anulações de condenações e pedidos de revisão/renegociação de acordos. Independentemente dessa relevante discussão (que não é alvo deste artigo), e seja você um defensor ou crítico da Lava Jato, uma coisa não se pode negar: a operação Lava Jato revolucionou a integridade corporativa no Brasil.
A Lava Jato teve um profundo efeito educativo no setor privado. Além dos executivos presos e condenados, e da aplicação de multas bilionárias, percebeu-se o catastrófico impacto reputacional da corrupção.
Antes, os programas de compliance no Brasil eram mais voltados às questões regulatórias, com foco na não violação de leis setoriais específicas. Não existia uma cultura de avaliação de riscos holística como há hoje.
A partir da Lava Jato esse cenário mudou e as empresas começaram a buscar mecanismos para prevenir outras irregularidades, como corrupção, conflito de interesses, fraudes, dentre outras, a depender dos riscos enfrentados. Passou-se a entender ainda a importância de não apenas prevenir, mas também de ter ferramentas para identificar e responder a potenciais desvios.
Foi possível ver, na Lava Jato, que muitas das vantagens indevidas foram pagas por meio de terceiros, como escritórios e consultorias. Portanto, o setor privado passou a enxergar os riscos de seus terceiros. Antes da Lava Jato, o processo de verificação de terceiros era focado apenas na capacidade para prestar um serviço ou fornecer um produto – nada além disso. Hoje, empresas minimamente organizadas conduzem verificações de integridade antes de selecionar terceiros.
A mudança de cenário teve efeito positivo no país a partir do momento em que grandes empresas começaram a se preocupar com a integridade ao selecionar seus parceiros de negócios.
Não se pode deixar de mencionar que tais efeitos da Lava Jato foram potencializados pela Lei Anticorrupção, que, junto com suas regulamentações, estabeleceu requisitos para programas de compliance e instituiu a responsabilidade de empresas por atos contra a administração pública (ainda que praticados por terceiros).
A Lava Jato provocou uma forte mudança cultural no setor privado, e a Lei Anticorrupção pavimentou o caminho para os avanços que vieram.
É possível perceber essa mudança com base no mencionado levantamento sobre corrupção na América Latina, feito a cada quatro anos desde 2008. A edição atual contou com 239 participantes do Brasil e 831 de outros 19 países.
Chama a atenção a nítida percepção de retrocesso na investigação e persecução de corrupção no período pós Lava Jato. Há quatro anos, 29% dos entrevistados na América Latina votaram no Brasil como terceiro país mais bem avaliado no combate à corrupção nos anos seguintes – atrás dos EUA (1º lugar) e Chile (2º). Neste ano, o Brasil caiu para 4º lugar (16%), sendo ultrapassado pelo Uruguai (22%).
Entre os setores apontados como mais corruptos no Brasil estão: o poder executivo (79%), poder legislativo (76%) e governos municipais (70%). Enquanto na América Latina, partidos políticos foram mais destacados (72%), seguidos de governos municipais (67%) e poder executivo (65%).
A desconfiança nas instituições brasileiras é maior que em outros países. E vale destacar que os poderes executivo e legislativo federais são vistos como mais corruptos que os municipais. O dado é alarmante, porque as instituições federais estão sujeitas a diversos órgãos de controle e regulamentações, o que deveria tornar essas instituições mais confiáveis que seus pares municipais.
Enquanto no setor público a desconfiança ganha destaque, por outro lado, no aspecto privado, a pesquisa demonstrou que o Brasil apresenta ambiente de compliance mais maduro, superior à maioria dos países latinos.
A despeito de quais sejam os futuros desdobramentos da Lava Jato, é indiscutível que um dos seus maiores legados foi trazer a cultura do compliance e da integridade para as empresas. E se atualmente existe a percepção de que os agentes públicos voltaram a se “assanhar” e a solicitar vantagens indevidas, a nossa esperança é que, ao menos do lado privado, haja mecanismos suficientes para evitar que as relações espúrias voltem a ocorrer.